Um Cemitério Solitário

Mais um dia levanto de meu túmulo. Mais um dia passo uma noite solitária. Estava frio aqui fora – podia dizer isso pelo vento que via soprar, não pela sensação térmica de meu corpo. Há muito tempo perdi a capacidade de sentir qualquer coisa. Mal me lembro da última vez que senti calor, muito menos quando vi o sol.

Estava cansado de olhar para aquele cemitério, virou algo enjoativo, algo chato. Ele sempre estava igual, sempre aquele lugar solitário e fúnebre. De vez em quando o coveiro aparecia para jogar mais um pobre cadáver em um buraco qualquer, mas nada que mudasse muita coisa. O cemitério era grande o suficiente para caber mais uns 5 mil corpos. Não confiem em minhas contas, já nem sei qual número é qual número. E não era só com contas, mas também com as palavras. Em meu túmulo, havia palavras gravadas simultaneamente, palavras que não conseguia compreender. Nem mesmo meu nome eu entendia, ele havia perdido seu significado, agora sou uma alma sem nome. Porém, conseguia assimilar algumas palavras com as outras, somente por suas simples aparências. Por exemplo, eu conseguia entender que os sobrenomes perto de meu túmulo, eram todos iguais. Que todos tinham frases parecidas gravadas em suas tumbas. Provavelmente, éramos todos familiares. A tumba da criança enterrada em minha frente, poderia ser um primo, um irmão, um sobrinho; o velho do meu lado esquerdo, talvez fosse meu avô, ou um tio distante; a bela mulher de meu lado direito, talvez fosse minha irmã, ou até mesmo minha mulher. Mas todos tinham algo diferente de mim, algo que assombrava minha morte. Só eu estava ali de pé, olhando para o própria sepultura como uma alma penada. Sorte a deles.

Pensava que quem vinha vindo era o coveiro. Mas não era. Era uma mulher, uma bonita mulher. Seu rosto era tampado por um véu negro, mesmo assim, de alguma forma, eu conseguia entender sua beleza. Ela parecia não gostar da lua, pois bloqueava seu brilho com um redondo chapéu negro, ainda mais negro que aquele véu e aquela noite escura. Porém, sua roupa era diferente, ela usava um vestido vermelho, tão vermelho como sangue. Aquilo parecia uma enorme hemorragia que escorria sempre que ela andava. Mas tudo isso não foi tão estranho como o lugar que ela parou. Foi em frente de meu túmulo.

- Oh, meu querido marido! Sinto muito sua falta! Sei que também sente a minha, mas foi você quem escolheu esse caminho. Escolheu me abandonar no momento que tirou sua própria vida! Porém, você nunca se vera totalmente livre de mim, uma vez que juraste seu amor eterno. A outra mulher que você pensava amar, era puramente uma ilusão de sua fraca mente. Provei isso quando a matei! Eu havia sumido com ela, ela simplesmente desapareceu. Era algo supérfluo, algo mortal. Muito diferente de nós dois! Nosso vinculo é eterno!

Em cima de minha tumba, a mulher pousou sua mão esquerda. Nela, em seu dedo anelar, continha um anel de brilhantes.

- Essa aliança é a prova de todo nosso amor! Ela é quem liga nossas almas. Nunca deixarei você ir! Não enquanto esses anéis permanecerem em nossos dedos!

Olhei para meu próprio dedo... Ali estava o maldito anel! Ele era idêntico ao da mulher. Nunca havia reparado nele, pensava que era só mais uma parte de mim, como outra qualquer. O motivo de eu estar amaldiçoado a caminhar por esse lugar, é tudo culpa desse anel! Não, não era... Era tudo culpa daquela mulher! Ela havia me condenado a isso. Ela estragou com minha vida. Ela me matou! Tudo culpa dela! Ela confessou tudo!

Quando ela me viu, sua pele morena adquiriu um tom roxo. Soltou vários grunhidos. E conforme me aproximava, ela andava hesitante para trás, como se estivesse com medo que um lobo a mordesse, até que tropeçou e caiu sobre meu túmulo.

- Você é a culpada de tudo! É aquela que perturba meu sono! Aquela que matou minha amada! Aquele me fez cometer suicídio! Tudo você! Agora deve pagar por tudo o que fez. Deve morrer!

Meus dedos passaram por dentro dela, indo direto para o outro lado. Ela soltou um agourento grito de horror, e depois saiu correndo assustada. Pela sua aparência fantasmagórica, nunca mais voltaria para me atormentar. No fim, não pude tocar em um único fio de cabelo dela, mas consegui o que queria... Quando ela tropeçou, deixou uma coisa cair. Era o anel. Caiu bem em cima de meu túmulo. Agora o seguro em minhas mãos, junto ao outro anel.

Ao contrário de como todos esperavam, minha alma não havia cumprido seu papel na terra e ido para outro lugar. Nunca sequer um laço com aquela mulher me prendia nesse mundo. Nem ao menos havia sido casado com ela. Aquilo foi só um romance passageiro que durou muito pouco. Porém, ela nunca me esqueceu. Era louca e obsessiva por mim. Matou minha querida esposa, qual tanto amava. Me levando a abandonar a própria vida. Porém, havia uma verdade nas palavras daquela mulher... Esse anel, ele realmente me prende a algo. Ele deveria voltar ao seu devido lugar.

Fui até o túmulo da mulher ao meu lado direito. Ali, descansava minha querida amada. Minha verdadeira esposa. Ultrapassei a madeira de seu caixão. Fui até seu dedo ossudo, e coloquei sua aliança. A nossa aliança. A aliança roubada quando foi assassinada.

Novamente, não pude descansar. Vi a alma de minha amada se levantar. Agora teria alguém para me acompanhar nesse fúnebre cemitério, mas não mais solitário.

Endriu Costa
Enviado por Endriu Costa em 25/10/2014
Reeditado em 27/10/2014
Código do texto: T5012033
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