O Que Farei Até Minha Morte?

Acordar e beber um resto de café amargo que restara na garrafa térmica. O cigarro deixado no cinzeiro, com aquela trilha de cinzas. Ainda posso sentir o gosto do tabaco. Paladar ingrato ao acordar, sentindo um gosto insosso de tudo. A leitura no sofá com aquelas páginas passando enquanto as horas voam. Cadernos acumulados em estantes sem nada escrito neles, como se fossem diários fantasmas que não tem o que revelar. Frascos de remédios acumulados e as cápsulas passam a se rum alimento diário. Na televisão a mesma chatice, com aquelas pessoas idiotas que nos fazem odiar a raça humana e ter vontade de estourar a cabeça delas com alguma arma de grosso calibre. Parecem que são feitos da mesma falta de qualidades e que se abatêssemos alguns, não influenciaria em nada a espécie. Ainda sinto o gosto do hálito matinal misturado ao sabor do tabaco. Uma dose de whisky e quase vomito as tripas no tapete felpudo.

Uma música melancólica ecoa pelas ruas. Como podem oferecer algum produto com algo tão desmotivante? Não consigo comer nada e observo a comida com raiva, como se ela me afrontasse. O gato come a ração e ignora a chuva que me faz ter sono. Abro a torneira e bebo água da pia. Vou ao banheiro e me inclino sobre a privada e provo daquela fonte de água. Sou um animal nojento. Sento no vazo e cago tudo que resta da refeição de ontem, me esforçando para que não fique nada dentro de mim. O pinto cai sobre a louça fria e deixa escorrer a urina na borda. A gente caga e mija ao mesmo tempo, mas não consegue dirigir e falar ao mesmo tempo no celular. Que monte de merda nós somos. Aquele cheiro de perfume que entranhou na roupa e causa náuseas toda vez que me visto. Por isso ando nu, com o pênis balançando pela casa e quando sento no sofá para ler, sinto os pelos roçarem a minha bunda. Quando éramos animais que habitavam as florestas, não haviam sofás, mas em compensação a bunda era mais peluda. Animais menos desenvolvidos, eis o que somos.

Com a faca de cortar carne na mão, vou lavando a louça. O aroma de comida podre que vem do ralo da pia. Abandono os pratos encrostados e os copos ensebados. Uma mosca passa rodopiando e para no vidro da janela. Mato o inseto com um golpe de pano de prato e vejo ela se debater dentro de um prato com restos de comida. Abro a geladeira e encontro duas latas de cerveja. Abro a primeira e bebo praticamente toda na primeira golada. Vou até o banheiro e observo a cárie crescendo no dente, a barba por fazer, os pelos do saco crescendo de novo. Mania de raspar o pinto. Quantas vezes o desejo de castrar de vez com a lâmina, deixando apenas um buraco para mijar. Nem isso. Que explodisse um dia de tão mijo acumulado. Ou que saísse tudo pelo cu. Busco a outra cerveja e bebo devagar, sem vontade. Rasgando a última nota que resta na carteira. Dizem que os loucos fazem isso. Acendo um fósforo e queimo metade da nota, deixando a outra sobre a mesa de centro.

Pego novamente a faca e penetro sua lâmina inteira no pescoço e antes da primeira contração, faço o movimento para fora, abrindo uma senhora valeta, com sangue espirrando e o corpo tombando. A visão turva. Consigo ver as mãos que em um ato desesperado, tentam amparar o fluxo e os pedaços de pele. Não existe mais gosto de nada. Apenas a imagem do quadro de Kandinsky na parede. Solitário e colorido. Lindo e abstrato. Um morto dura uma vida, mas a arte pode ir além.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 22/11/2014
Código do texto: T5044586
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