Homem Infernal

CAPÍTULO 1: PURGATÓRIO, O BAR

Imagine um lugar escuro, com um ar que de tão carregado de perturbação, seu corpo espiritual parece estar mais pesado do que o normal, e um cheiro ardido que faz seu nariz sangrar de tão forte e fétido, causando-lhe náuseas de vômito por causa dos mais de mil corpos em decomposição caídos um por cima do outro, os quais compõe o solo que você pisa com seus pés descalços e sujos de sangue. Além disso, os gritos ensurdecedores e desesperados pedindo perdão machucam seus ouvidos, como sons de fundo daquele lugar frio, umedecido e abominável!

A única fonte de luz vem da entrada da caverna, do lado de fora da cela onde você está preso.

Ao olhar para o lado, você vê Rômulo, um prisioneiro que assim como você deseja sair daquele ambiente mais do que tudo. Rômulo segura firmemente as grades da cela e clama por misericórdia:

-Meu nome é Rômulo, sou cristão, pai de duas filhas! Por favor, me ajude a sair!

Entretanto, ele não é escutado por alguém. Eis que surge uma segunda figura, no meio da escuridão atrás de você, com uma fisionomia assustadora e um tanto arrogante, como a de alguém que se acha superior aos demais, por isso não devia estar ali.

Esse ser empurra Rômulo com violência, derrubando o pobre senhor, que mais se parecia com um mendigo, ao chão. Ele ficou estirado, talvez morto, porque não reagiu com palavras nem fisicamente, apenas soltou um grito baixo e espremido de dor antes de cair.

Parado diante da cela, a figura fala num tom bem alto para todos ouvi-lo:

-Estamos aqui por culpa daquele maldito, seus miseráveis! Aquele ordinário matou a todos nós, e agora está vivendo livremente num mundo que ele criou! -Virando-se de costas para a cela para erguer o braço como um sinal de autoridade, voltando-se de novo para ela logo em seguida, gritando ainda mais alto: -EU SOU UM PRÍNCIPE! SOLTEM-ME, EU ORDENO!

Neste momento, um vulto que possivelmente era um guarda segurando um cassetete, bate com o objeto violentamente contra a grade, afastando todos os prisioneiros para abri-la de uma vez... Tudo o que você pode ver agora são sombras correndo desenfreadas pra fora da caverna, entrando, talvez sem saberem, no Vale da Morte!

Já lá fora, você começa a acreditar que seria mais sensato ter ficado na prisão, mas o impulso que os outros exercem correndo para qualquer lado é maior do que sua vontade de voltar, correndo desnorteado como os demais, procurando por algo que o lembre da realidade, pois o cenário devastado pela crueldade com seres macabros com o qual você se deparou, mais parece um longo filme de terror, um pesadelo que você não consegue despertar! Logo, a angústia de saber que está morto começa a corroer seu interior a cada passo, a cada cabeça decapitada com faces ainda vivas que choram, cujas você encara com tamanha repugnância e começa a duvidar de seus próprios olhos!

Pássaros que voam sem asas cuspindo fogo esverdeado, sobrevoando ruínas de uma cidade destruída pela guerra; pessoas atormentadas que riem e choram pelas ruas, outras nuas em posições eróticas buscando o prazer infinito, mas depois de longos anos vinculados com a perversão humana, não conseguem mais senti-lo; crianças com expressões envelhecidas se parecendo anões anciãos, vomitam veneno com seus órgãos vitais, enquanto seus espíritos revivem a morte eternamente...

...E por causa de todo esse horror de uma zona falecida, você já não sente vontade nenhuma de prosseguir. Sua energia está esgotada, como se você tivesse sido sugado por um mosquito gigantesco. Você se ajoelha e pede a Deus uma ajuda, orando... e só então, você desperta em um leito hospitalar, recém recebido novamente ao mundo, no colo de sua querida mãe, realizando um ato que algumas culturas chamam de reencarnação.

Para quem ficou lá, há um lugar onde as almas se refugiam, chamado Purgatório.

Purgatório nada mais é do que um bar criado pelo subconsciente de um espírito, com o único interesse de reproduzir seu estabelecimento que tinha em vida, no mundo do além.

E foi no Purgatório que o tal "príncipe" chegou, com roupas esfarrapadas e com a cara suja de barro misturado com sangue, com o corpo trêmulo de medo com o que acabou de ver do lado de fora, fora as longas horas de corrida até ali.

O homem ficou parado comum olhar petrificado de susto na porta. Ninguém que estava bebendo, jogando ou brigando deu a menor importância, mal o viram chegar. Apenas o dono do estabelecimento, que estava do outro lado atrás do balcão, se pôs a dizer:

-Que cara é essa? Até parece que viu um fantasma! -Tirando risadas escandalosas de alguns que estavam próximos à ele.

O "príncipe" caminhou até o balcão.

-Então, o que manda?

-Me vê um copo de uísque...

E mais uma vez, quem estava perto caiu na gargalhada.

-Do que riem? Saibam que sou um príncipe, seus porcos!

-Há, há, há... e a princesinha pensa que está aonde? No palácio da Branca de Neve? -Retrucou o dono do bar retirando um copo debaixo do balcão e o enchendo com uma bebida escura. -... Aqui nós só temos isso! Beba duma vez!

O homem virou o pequeno copo numa única golada. Ao senti-la descendo pela garganta, não sabia decifrar que bebida era pelo gosto, mas obviamente era uma de alto nível de álcool, tanto que parecia pura gasolina!

Após tomá-la e fazer uma expressão de reprovação, o homem pediu que enchesse o copo de novo... depois, de novo... e de novo... Completamente embriagado, o sujeito disse algo sem coerência que só o dono do bar entendeu:

-Eu era pra ser o príncipe, ou presidente, ou sei lá como chamam, mas aquele maldito... me matou de novo... !

CAPÍTULO 2: OS GÊMEOS

O homem, completamente embriagado, continuava a xingar o outro, que até então, apenas o dono do bar sabia quem era.

-... E adianta toda essa raiva, "princesinha"? -Indagou o velho barrigudo, vestindo uma blusa suja e dando a entender que fazia dias que não tomava banho, isso é, se costumava a tomar, enchendo o copo com aquela bebida novamente. -Sabe, "princesa", me considero um homem sábio, talvez o mais sábio desta joça, pois construí este bar com uma mera lembrança de minha vida, há muito tempo, antes mesmo de você se tornar maduro, deixando de ser um primata que morava em cavernas, elevando um passo no degrau da sua "evolução". E desde os tempos antigos que venho mantendo este lugar, recebo milhares de almas que assim como a tua, chegam aqui em condição de miséria -, pobres mentes fracas!

"... Lembro-me muito bem," recordava o dono, mais uma vez enchendo o copo, só que dessa vez, encheu um copo pra ele também, a conversa seria longa, "de quando um homem entrou de repente, sendo chutado literalmente pra dentro por outro do lado de fora, esbarrando nas mesas que estavam perto da porta."

"O outro homem, que entrou imediatamente logo em seguida, possuía fúria no seu olhar, e um tamanho desejo de matar o primeiro homem espancado..."

Na recordação do dia em questão, Reginaldo empurrava Bruno contra as mesas, enquanto o encarava com a expressão fechada e raivosa, e dizia:

-Seu maldito serviçal! Como ousa a me trair?... -Puxando sua cabeça pelos cabelos e dando-lhe um murro na nuca.

Alguns bêbados, incomodados com a situação, seguraram Reginaldo contra a parede e lhe deram um soco na direção do estômago. Não gostavam de gente que entrava ali achando-se melhor do que os demais por statos na sociedade, por isso o repreendiam violentamente. Bruno se levantou meio atordoado por causa das várias pancadas que levou na cabeça. Reginaldo, sendo espancado num canto, berrava à alguns metros de distância:

-Não o defendam! Ele me traiu! Tínhamos um plano, e quando o concluímos, ele fugiu com o objeto furtado, após me matar!...

-Fugi? Você me matou primeiro! Nem sabe o que diz mais! -Bruno levantou a cabeça disfarçando sua felicidade em vê-lo apanhar, e o olhava.

-Me soltem seus porcos, vocês não têm ideia de com quem vocês estão se metendo! Deixe-me acertar as contas com esse verme rastejante!... -Mas levou mais um soco no estômago, cuspindo um pouco de sangue.

Reginaldo, ainda apanhando, olhou para Bruno com uma face assustadora e cruel, e lançou a praga da reencarnação:

-Pode ter certeza de que voltaremos juntos pra lá, no solo terráqueo, e eu vou me vingar de você! Vou fazer você comer merda e esfregar sua cara na lama, seu maldito! Que assim seja, em nome de Deus! Há, há ,há, há... !

A jovem levantou a blusa revelando sua barriga enorme de nove meses, e se deitou na cama do hospital. A médica passou um produto gelatinoso em sua barriga de gravidez e com um aparelho, fazia o ultrassom, mostrava a imagem dos bebês na tela, enquanto a mãe desviava o olhar evitando de as crianças.

-Mãe, toda gravidez, todo bebê que vem ao mundo, é consentido pela graça divina. Acho sua atitude inadmissível e totalmente rude. -Criticou a médica.

-Foi um erro, não era pra ter acontecido. Se eu fosse um pouquinho mais inteligente, teria prestado mais atenção naquelas propagandas de conscientização sobre o uso de preservativos. E agora, tenho que olhar, admitir um erro monstruoso! -A moça apontou para a figura defeituosa dos gêmeos colados com tamanho desprezo na tela, caindo em choro desesperado!

Após o dificultoso parto na semana seguinte, a jovem fugiu do hospital com risco de abrir os pontos da cirurgia cesárea, abandonando as crianças no local. Uma freira, comovida com a história das criaturas, decidiu adotar os gêmeos xifópagos recusados pela própria mãe, arcando com todas as despesas para a cirurgia de separação. Infelizmente, só uma criança sobreviveu.

-... Você ainda não me respondeu, Reginaldo. Adiantou toda essa raiva? -Questionou o dono do bar de novo.

-Um dia... um dia eu vou pegá-lo com as minhas próprias mãos, e vou arrancar sua cabeça... -e caiu de bebedeira.

CAPÍTULO 3: O TRAIDOR

"Até a mais cruel das criaturas um dia pode amar..."

"Não suporto mais ver meu irmão tomar o trono! Eu mereço mais do que ele, mas meu pai, o rei, não vê o que eu vejo!"

"Príncipe Reginaldo, trago-lhe a solução."

"O que é isso?" Perguntou Reginaldo para Bruno desenrolando um pergaminho envelhecido e um pouco rasgado nas pontas, dado pelo mesmo. "Um mapa? Só um mapa?"

"Meu príncipe, isto é muito mais do que um simples mapa. Este papel nos levará até a arca roubada dos maias..."

"Sei, sei. Conheço a lenda. Meu pai a contava quando eu era ainda menino. Em uma das expedições de conquista de seus homens, encontraram essa arca. Há rumores de que ela está escondida dentro do castelo."

"Então, vossa majestade deve saber o 'por quê?' que os maias a adoravam." O príncipe deixou a dúvida aparecer em sua face. "Reza a lenda que a arca era venerada pelo fato de ter vindo do deus em que eles acreditavam, e que aquele que a abrir, libertará o mal na Terra."

"E por que alguém a abriria assim sendo?"

"Pelo motivo de que há uma segunda arca dentro da primeira e esta depois de aberta, realizará o desejo de qualquer homem!"

"..."

"Maldito, traidor! Como ousa? Você traiu todos nós, condenou seu próprio pai, Rômulo, à morte, juntamente de todos nós! MALDITOOOO..."

Bruno, que foi batizado como Gabriel por sua mãe adotiva, despertara assustado. Não era a primeira vez que havia tido aquele pesadelo, onde se via trajando roupas da época das grandes navegações, e conversava a respeito de uma arca com um príncipe. Todas as manhãs, antes de acordar do sonho, o príncipe discutia com ele, que era mais do que um serviçal -, um conselheiro -, e o acusava de ter traído-o.

Gabriel, um adolescente de 15 anos, se levantava de sua cama humilde, num quarto de pouca decoração: Na cabeça de sua cama, há um grande retrato de Jesus Cristo; em cima do criado-mudo, no lado esquerdo da cama, está uma bíblia aberta nos salmos; e na porta velha de madeira nobre, há uma cruz. O rapaz trajou suas vestes exigidas na catequese, logo após lavar o rosto e escovar os dentes, e se direcionou ao salão da igreja, onde o padre fará sua missa.

-Em meu sonho, me vejo discutindo com um homem que se diz príncipe... sinto medo, estou confuso, pois minha mãe quer que eu siga o caminho para se tornar padre um dia, mas no decorrer dos últimos dias, tive algumas revelações, não sei se tenho vocação para seguir os mandamentos do nosso Senhor. O que devo fazer, padre? -Indagou o jovem Gabriel no confessionário, ressabiado com sua reação, já que num dia atrás, quando disse sobre o sonho pra sua mãe adotiva, Madre Carolina, levou um tapa no rosto. Acreditava ela que o diabo estaria tentando se apossar de seu corpo.

Madre Carolina, apesar de ser uma mulher gentil e generosa, não suportava nada que ameaçasse sua crença. Desde o dia que salvou a criança no hospital, tinha uma certeza dentro de si que estava lidando com algum tipo de força maligna, não por sua condição, mas por aquele sexto sentido que possuía e achava que era Deus tentando se comunicar -, iria cuidar da criança para provar que o poder do Senhor é maior do que o das trevas.

-Filho, acho que você deve dar um tempo aos seus pensamentos. Procure relaxar, tire umas férias, você é tão jovem pra ter tanta responsabilidade, não que seja ruim, mas em excesso ela acabará te enlouquecendo. -Dizia o padre. -Com relação ao seu sonho, não é comum sonharmos com gente que não conhecemos. Sabemos que o diabo é astuto, age em etapas até tomar o controle sobre o corpo do indivíduo.

-Então o senhor acha que eu possa estar sendo vítima do Satanás? -Perguntou o moço com extrema preocupação na tonalidade de sua voz.

O padre deu uma suava risada antes de lhe responder:

-Jamais devemos tirar conclusões precipitadas. Faça o que eu te digo e então veremos o que acontece. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo eu lhe dou a bênção, Amém.

Na manhã seguinte, Gabriel despertou num pulo de sua cama. Havia acordado diferente, o sonho lhe trouxe muitas revelações e ele tinha um novo e grandioso objetivo. Uma frase não saía de sua mente: "Eu sei onde a arca está!"

21 anos depois...

Últimas notícias...

"Bruno, o novo presidente do Brasil, vence as eleições com 75% de aprovação nos votos válidos, disparando na frente de Tiririca, com 18%, e de Dilma, com apenas 6%!..."

"... O novo presidente já põe as mãos no cargo e diz que seus planos transformaram o Brasil na maior potência mundial..."

"... Pesquisas afirmam: Bruno, o novo presidente do Brasil, é o homem mais invejado do mundo!..."

Bruno, com um largo sorriso de satisfação estampado no seu rosto, trocava de canais pulando de notícia em notícia que só tinham ele como destaque, sentado numa poltrona de couro, dentro de sua luxuosa sala presidencial.

A grande verdade ocultada de todos é que Gabriel, o adolescente que se tornaria padre, assumiu a identidade de sua vida passada. O rapaz cresceu sendo atormentado por pesadelos que mostravam sua vida anterior, afirmando sua personalidade cruel a cada ano que passou.

O mais novo presidente que diz fazer tanto pelo nosso país, é um verdadeiro charlatão! Desvia dinheiro de verbas que seriam pra hospitais e escolas, toma posse de terrenos protegidos para negociá-los com empresas estrangeiras... saqueia, saqueia e saqueia até não poder mais, por lucros que beneficiam apenas ele, almejando aumentar sua fortuna que conquistou de forma duvidosa.

Bruno se levantou de sua poltrona, foi até um retrato na parede afastando-o com a mão, revelando a porta de um cofre. Bruno digitou a senha num painel eletrônico e a pequena porta se abriu, mostrando as arcas abertas, só uma ainda não estava aberta, a terceira e última, a mais pequenina e a pior!

As fumaças da vida na Terra mostram aos espíritos atormentados e residentes do Vale da Morte quem eles quiserem ver, e Reginaldo passou todo esse tempo observando cada passo de Bruno, enquanto vagava desorientado pela escuridão.

O príncipe viu Bruno assassinar sua mãe adotiva, assim como fez com muitos outros em sua vida passada, para roubar dela toda a sua fortuna e começar uma expedição em uma terra remota do sul da Europa, em busca da arca.

Reginaldo sabia sobre a história do objeto. Sabia que não era apenas uma e sim três, uma dentro da outra, e sabia que a que realizava o desejo de qualquer homem, era a média, a segunda, mas para isso era necessário abrir a primeira, a qual libertava um terrível mal na Terra, que aguardaria o sujeito abrir a terceira e última, a menor, a mais derradeira das três, pois ela só deve ser aberta pela mesma pessoa que abriu as outras, para restaurar o desejo concebido caso haja algum problema ao longo do tempo, mas também liberta aquele mal duma vez.

Reginaldo alimentava sua sede de vingança. Pensou em voltar para a Terra em muitas ocasiões, contudo poderia reencarnar em lares pobres e ou até mesmo distantes de Bruno, o que o dificultaria em encontrá-lo.

Entretanto, as fumaças da vida, que se encontram na escuridão do Vale, revelaram um fato que Reginaldo se surpreendera: Bruno havia se apaixonado!

Enquanto os corpos nus de Bruno e sua amada se entrelaçavam no fogo ardente da paixão em sua cama quente e confortável, o príncipe os olhava com tamanha satisfação e certo de que aquele era o momento de reencarnar!

-... Que assim seja, em nome de Deus!

CAPÍTULO 4: DESFECHO

-Ele vai se chamar Reginaldo... -Falou Lana, a esposa de Bruno, segurando o bebê recém-nascido em seu colo.

-Por que este nome, querida?

-Gosto dele, além de ser o nome de meu pai.

-Acho que devemos escolher outro nome, este me traz más lembranças...

A CRIANÇA INFERNAL

"Como o velho ditado diz: 'Quando saíres pra vingança, cave duas covas, uma para o inimigo e outra pra si mesmo.'"

Cinco anos se passaram.

Bruno enfrenta diversos problemas com a justiça. Políticos do partido oposto apontam-o como o principal suspeito da corrupção que afundou o nosso país. Além disso, Bruno estava sendo acusado justamente pela morte de Madre Carolina, sua mãe adotiva, e por fim, de falsificação de identidade, se passando por outro para fugir da culpa.

Foi numa tarde que Bruno entrou desesperado na sala presidencial e se trancou lá dentro, se deparando de repente com seu filho, Reginaldo, sentado em sua poltrona e segurando a terceira arca, com uma expressão madura e sádica, a qual demonstrava sua idade muito mais avançada do que seu corpo infantil aparentava ter (cinco anos).

-Sabe, "papai", as coisas do universo são engraçadas. Quem diria que depois de longos anos sem nos vermos, desde que nascemos gêmeos xifópagos, estaríamos aqui face a face. O mais engraçado de tudo isso é a mulher com quem se casou, talvez a única pessoa que você ama nessa vida, ter colocado meu nome de minha vida passada! -E com tanta euforia em falar aquelas palavras, arregalou os olhos!

-Você devia estar morto! Esquecido de uma vez por todas naquela bar, na podridão que é depois da morte de pessoas infelizes assim como nós! -Afirmou Bruno com ferocidade querendo agredir seu filho, ou melhor, Reginaldo.

-Eu estou aqui, Bruno! Queira você ou não, eu voltei porque um dia jurei vingança contra você!

-Quer voltar ao passado então?... Foi você mesmo quem queria tomar o trono de seu irmão! Você é o verdadeiro culpado dessa paranoia!

-Mas você traiu a todos nós! Nos culpou pelo furto! Deixou seu próprio pai, Rômulo, e seus irmãos serem enforcados em praça pública e fugiu com a maldita arca! Enquanto a mim, fui esfaqueado enquanto o ajudava a tirar a arca do castelo!

-Te matei porque você havia me ferido antes! A missão era muito simples, era só ter escondido a arca num local seguro!

-Seu maldito,... ordinário! Você é mesmo um homem que veio do inferno!

-Cale a boca e saía daqui!

-O que mais me alegra, "papai", é que mais cedo ou mais tarde você terá que abrir esta arca, e então, todos vão descobrir quem você realmente é, inclusive a pobre Lana... Ah, como ela ficará decepcionada... Mas não tenha medo, eu estarei com muito prazer aqui, sentado em sua poltrona, vendo seu grande reino despencar até o último pedaço de concreto, como já está acontecendo. A minha vingança vem logo em seguida, por isso não tenha pressa! Vamos, o que está esperando? Abra-a...

"Toc! Toc!" Alguém bateu na porta. Bruno a abriu. Era Lana procurando por Reginaldo, achando estranha as fisionomias carrancudas. Antes de sair, o menino olhou bem no fundo dos olhos negros de Bruno, e disse:

-Pense nisso, "papai". Você não tem escapatória.

Na noite do mesmo dia, Bruno estava sentado na poltrona olhando para a arca em cima da mesa. Num último e angustiado ato, ele a abriu para enfim salvar sua pele de novo, e foi neste exato momento que sua vista começou a ficar embaçada e sentia-se com uma forte tontura.

Um grito de terror de sua esposa no quarto do casal, o fez se levantar e começar a andar com dificuldade, enquanto trombava nos móveis da casa e se apoiava nas paredes pra não cair no chão.

Ao chegar no quarto, se deparou com a pior imagem que poderia ver -, viu sua esposa morta em cima da cama! -O mal que ele libertou da arca havia a matado e estava matando-o lentamente desde o dia em que ele abriu a primeira.

-Parabéns, "papai"! -Comentava o filho, com a mão esquerda na barriga como se estivesse com dor, e com a direita esfregava os olhos, tentando enxergar melhor. -Mais uma vez você fez! Matou a única pessoa que amava!

-Lana... -Bruno abraçou o lindo corpo falecido de sua amada, com o rosto se desmanchando em lágrimas.

O menino morreu na porta, logo em seguida do pai, ambos vítimas do mesmo mal que habitava a arca.

-Outra! -Ordenou o príncipe.

-Pra mim também. -Pediu Bruno.

O dono do bar Purgatório encheu os dois copos com a bebida de puro álcool, olhando para os dois homens com reprovação. Após enchê-los, se pôs a dizer:

-Só me respondam esta dúvida: Toda essa raiva adiantou pra alguma coisa?

Rafael Contos
Enviado por Rafael Contos em 11/12/2014
Código do texto: T5066254
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