O porão
— Você vai rir, mas uma garota morreu aqui, neste porão – disse o corretor.
O homem olhou para sua mulher, e os dois deram risadas.
— Quer nos assustar?
— Longe de mim, só não quero ser aquele corretor malandro que esconde dos futuros proprietários que a casa onde vão morar foi cenário de algo sinistro, como a mãe enforcar sua filha com uma corrente.
— Quando foi isso? – perguntou Helena.
— Faz tempo.
— Mas o que aconteceu?
— A mulher era uma viúva que tinha uma filha com problemas mentais. Isolada nesta casa de campo, longe de tudo e de todos, cuidando sozinha de uma criança com problemas, você pode imaginar no que deu? A mulher acabou surtando. Arrastou a menina para o porão, e a enforcou com uma corrente. Foi assim que me contaram...
— Então é uma lenda? – debochou Beto.
— Eu nunca investiguei a veracidade do fato. De qualquer forma, é bom deixar a porta do porão fechada quando anoitecer.
— Por quê? – perguntou Helena.
— Senão ela pode sair.
— Quem?
— A menina. Se deixar a porta aberta, ela poderá sair do porão durante a noite.
Beto e Helena não deram bola para a conversa do corretor e se mudaram para a casa de campo.
No segundo dia, Helena teve que ir ao porão para pegar um relógio antigo. Ela acendeu a lâmpada e desceu a pequena escada de madeira. Enquanto revirava as caixas, encontrou no chão uma corrente velha e enferrujada.
— Olha o que eu achei no porão – falou Helena mostrando a corrente para Beto.
— Aposto que foi o corretor, para nos assustar.
— O que eu faço com ela?
— Deixa comigo, vou devolver pra ele quando encontrá-lo.
Beto pegou a corrente e a colocou perto do sofá da sala.
Naquela noite, de madrugada, Helena acordou de um pesadelo. Enquanto ainda se recuperava do susto, ela ouviu o barulho de corrente batendo.
— Beto, acorda! – chamou cutucando o marido.
— O quê? – perguntou ele, dentro do sono.
— Não está ouvindo?
— Não...
Helena levantou-se e saiu do quarto. Ela seguiu pela escuridão e parou ao lado da porta do porão – estava vindo dali. Helena abriu a porta com cuidado – o barulho continuou, agora mais forte, como se alguém estivesse batendo com uma corrente na parede.
Ela apertou o interruptor e acendeu a luz. Instantaneamente o porão foi iluminando e o ruído cessou. Helena viu a mesma corrente, que havia encontrado anteriormente, ali no chão.
Helena recolheu a corrente, depois virou sua cabeça e olhou por cima do ombro vendo a figura de uma menina – a cabeça dela pendia para o lado, como se o seu pescoço estivesse quebrado. Seus olhos estavam abertos, vivos. Em sua boca havia um sorriso.
Helena soltou um grito e correu para a escada. A porta do porão fechou-se sozinha.
— Beto, socorro! – gritava Helena enquanto tentava abrir a porta. Ela olhou mais uma vez para trás e viu a menina ao pé da escada de madeira. A lâmpada que iluminava o porão estourou e tudo escureceu.
Beto acordou com o grito estridente de Helena. Saiu da cama e foi em busca da esposa. Procurou por todos os cômodos, saiu para vasculhar os arredores da casa, já estava quase ligando para a policia, quando viu a porta do porão se abrir e a luz do seu interior acender.
— Helena, você está aí? – perguntou ao entrar no porão. Encontrou a esposa jogada no chão, ao pé da escada. Beto a pegou no colo e a levou para a sala.
Ela abriu os olhos meio assustada, perdida.
— Você está bem?
— Onde está ela?
— Quem?
— A menina. Eu vi uma menina no porão.
— Acalma-se!
— Eu juro que vi.
— Vou levá-la para o quarto.
Beto colocou a esposa na cama e trouxe-lhe um copo de água com açúcar.
— Tente relaxar querida, amanhã conversaremos sobre isso.
Helena bebeu a água e devolveu o copo para Beto. Ele foi até a cozinha levar o copo e na volta, parou para apagar a luz do porão. Mas não fechou a porta e nem viu que debaixo da escada de madeira estava Helena, com o pescoço estrangulado por uma corrente.
Beto voltou para o quarto, que estava totalmente escuro, e deitou-se na cama.
— Boa noite, querida!
— Boa noite, querido!
— Helena, é você?
O corretor mostrava a casa de campo para um senhor aposentado. E quando chegaram no porão, o corretor disse:
— Você vai rir, mas um casal morreu aqui, neste porão.
— Que coisa triste.
— Pois é, o cara trabalhava fora e deixava a mulher aqui nesta casa isolada, longe da cidade. Não podia dar outra: ele descobriu que a esposa estava lhe traindo. Em um fim de semana qualquer, ele simplesmente trouxe a mulher aqui no porão, e a enforcou com uma corrente, depois também se enforcou com a corrente. Vai entender uma coisa dessas...
— E por que está me contando isso?
— Eu não quero ser aquele corretor malandro que esconde do futuro proprietário que a casa onde vai morar foi cenário de algo sinistro.
— Tudo bem, eu não preocupo com isso. Nunca acreditei em assombrações.
— Pois é bom acreditar.
— Por quê?
— Por nada, apenas deixe a porta do porão fechada quando anoitecer.