A GORDINHA DO WHATSAPP - Lenda Urbana - DTRL 20

Mês passado o primo da namorada do meu cunhado foi atropelado.

Dias antes ele havia recebido e compartilhado um vídeo da internet onde uma garota, aparentemente de uns quinze anos, se mostrava em cenas eróticas com o namorado. Na filmagem feita por um celular ela aparecia tirando a roupa e mostrando a bunda para câmera, depois passava as mãos pelos seios dançando ao som de um funk qualquer, sempre satisfazendo os pedidos do rapaz.

Era um vídeo até mal feito, às vezes fora de foco. Passados alguns segundos em que ela ficava gemendo a câmera ia direto focalizar seu rosto, aí a imagem ficava piscando sendo possível ver a cena onde uma garota gorda aparecia chorando antes que a tela ficasse totalmente escura e terminasse a gravação.

Um amigo aconselhou que denunciasse e excluísse a postagem. O carinha riu e disse:

- Foda-se para a garota, quem mandou ser besta. Ela não quis se mostrar? Então agora que arque com as consequências.

Uma semana após compartilhar o tal vídeo ele foi morto no ponto de ônibus por um carro que aparentemente perdeu o freio.

Estão dizendo nas redes sociais que quando a pessoa assiste e compartilha este vídeo da gorda chorando fatalmente será atropelada em menos de um mês.

A ORIGEM

A turma do colégio Dona Prudência em Belo Horizonte nunca perdia uma balada. Todo final de semana uma “rave” diferente.

Vivendo por cinco anos nas sombras daqueles corredores frios, sempre humilhada a compenetrada Custódia, diga-se de passagem, odiava sua avó por aquele nome, era amarga e solitária. Em tempos onde a ditadura da beleza se mostrava como fator preponderante para aceitação social, seu tipo físico parecia ser mais uma aberração, pior que quanto mais hostilizada mais gorda ficava.

Lidar com ofensas, cochichos e olhares de reprovação não era obviamente fácil. A bolinha de banha tentava resolver as dificuldades à sua maneira. Nunca se queixava, poderiam dizer que até já tinha se acostumado com tantos insultos. Como realmente se sentia, nunca ninguém iria saber. Seu coração era como um enorme buraco negro devorando tudo de bom que poderia brotar no espaço vazio de sua sofrida alma.

Naquela idade, dezessete anos, os namoros eram frequentes, para as outras meninas é claro. As baladas, o face, as mensagens instantâneas, os grupos de bate-papo, tudo intensificava o volume da “pegação”. As outras, contabilizavam mais de três parceiros sexuais abatidos. Os garotos se vangloriavam de superarem a casa das dezenas, em "off", mesmo os “BVs” afirmavam tal proeza.

Custódia, coitada, ninguém queria, também vivia dizendo que odiava homens, amava apenas um bom pacote de salgadinhos tipo “porcaritos”.

Mais um sábado, mais uma festa, desta vez num sitio alugado bem próximo da cidade. Todos compareceram ostentando seus cordões e bonés de marca.

Quem diria, a gordinha também apareceu. Como pode? Alguns se perguntavam.

Enquanto a música rolava, o tempo parecia ter parado. Os olhares fustigaram a "baleiazinha" adentrando ao salão. Péssimo gosto, um vestidinho tipo capinha de botijão, com flores azuis num fundo branco, pior, mostrando aquelas coisas horríveis parecidas com duas beterrabas enormes no lugar dos joelhos. Sandálias com meias... Aí já era apelação, implorava para ser ridicularizada... Na verdade seus pés inchados como dois pacotes de pães sovados doíam sobre o salto plataforma, queria parecer mais alta... Ridícula.

Os grupinhos foram se formando. Entre um piscar e outro das luzes, um farto gole de energético animava a moçada. As “selfies”, os vídeos, os “posts”, até na Alemanha eram curtidos.

Thiago e Sandro postaram uma “selfie” com as tradicionais testas enrugadas e uma lata de bebida na mão. Descuidadamente não perceberam que ao fundo, como um apêndice inflamado a baranga dava tchauzinho.

Nos primeiros quinze minutos a casa do primeiro milhar de curtida foi vencida, tantos outros comentários pipocavam de tão grande popularidade dos rapazes. Em plena madrugada de sábado para domingo quanta gente na net. Êh povinho sem o que fazer!

Lucas, primo de Sandro cutucou:

“Kolé Sandrão? Tá pegando a mocréia, nem quero ver o filme”

No mesmo instante, como um “viral”, vários desafios foram lançados. Babaca aquela proposta. Assustadora a imagem na mente de Sandro... Impossível.

Nada. Bastou um “raio”, que antes do pó fazer o efeito em seus neurônios o plano havia sido traçado. Sandro topou a brincadeira, havia muitas assim na “net”.

Sidney se juntou a turma trazendo um vidrinho que continha o famigerado “Tesão de Vaca”, bastavam algumas gotinhas que a pessoa ao ingerir tal estimulante ficaria louca de luxuria. Seu tio havia usado e foi “batata”. Outros chegavam atiçando ainda mais o ímpeto do rapaz, até meninas incentivavam o “trote”.

No sítio, já bem conhecido dos frequentadores, havia um cantinho reservado como depósito, não era de acesso ao público, o que em nada impedia a invasão dos de má índole.

Sorridente, simpático, Sandro se aproximou. Elogiou seus cabelos, suas roupas, disse que nunca havia reparado o quanto era bela. Claro que ela não caiu na cantada logo de cara, mas no íntimo todos necessitam ser elogiados. Ele usou de todo seu charme, não era tão popular entre as garotas por nada.

Depois de uma boa conversa, vários sorrisos sedutores, ofereceu um refrigerante que finalmente a gorda aceitou, ele tomava um energético de cor esverdeada, beberam da mesma dose e ela gostou.

Sandro foi ao bar, voltando com duas latas já abertas. Na mão esquerda o energético puro com sua própria carga de malefícios, na direita o coquetel estimulante.

Não tardou a sentir seus efeitos. Um calor terrível enrubesceu suas fartas bochechas, a respiração acelerou, o coração parecia querer saltar pra fora do peito. Os sorrisos parcos aos poucos se tornaram gargalhadas medonhas, seus gestos antes contidos agora pareciam mais a ginga de um capoeira. Se deixassem o salão só para ela, isto ainda seria pouco.

Com a desculpa do calor e som muito alto saíram para tomar um pouco de ar fresco. Sem saber por que achava a ideia maravilhosa, queria estar bem distante das outras pessoas. Caminharam pelo jardim, circularam a construção principal. A música muito alta abafava qualquer outro ruído. Um portão amarelo deveria estar trancado, porém facilmente deu passagem ao deposito escondido.

Custódia estava “pilhada”, flutuava ao som da batida eletrônica.

Entraram numa sala bem iluminada, cadeiras e mesas além de outros moveis estavam amontoados por toda parte, no canto um sofá que brevemente seria descartado.

Ali, pensando estar a sós, pela ação da química se deixava levar aos pedidos do rapaz. Até tentava dizer não, mas uma força maior a impelia naquele frenesi luxuriante. Suas roupas aos poucos caiam revelando mais do que parecia ter. As dobras de seu abdômen, antes ocultas pelas vestes largas agora revelavam suas reentrâncias bizarras. As pernas excessivamente mais grosas nas coxas se penduravam numa bunda desproporcional. Os seios eram um caso a parte, certamente um era maior que o outro, só não pareciam ser caídos, pois se apoiavam sobre a generosa pança.

Três celulares captavam ocultamente por ângulos diferentes as tenebrosas imagens. O rapaz, é obvio mantinha-se vestido, não iria aparecer na filmagem.

Ela se mexia fazendo uma dança louca, repetia palavras que nunca ousou pronunciar, se soltou como uma libélula extremamente desengonçada, rodopiava pela sala como um elefante ferido de morte.

A dose foi forte demais, o vômito não tardou. O mundo girava arrancando todo o conteúdo de suas entranhas. Nem assim a gravação parou. Desmaiada com seu corpo inerte teve toda sua vergonha exposta com direito a closes impudicos.

Acordou no outro dia bem tarde. Estava nua, fedendo a vômito azedo num lugar que não reconhecia, em sua mente uma completa amnesia da noite anterior.

CAIU NA NET

Em poucos dias a postagem contabilizava mais de um milhão de visualizações.

Sua vidinha que não era boa tornou-se ainda pior. Acostumada com os comentários sádicos, no primeiro momento fingiu não se importar. Mesmo apontada na rua teimava em não ver o clip. Seus pais, de tanto desgosto quase nem saiam de casa. Sofriam com os comentários.

Cansada, mudou de atitude, tornou-se agressiva exatamente como a turma queria. Pela primeira vez assistiu o vídeo, como naquela noite também enjoou, botou tudo pra fora, menos a humilhação de ter sido tão vilmente violada. A polícia nada podia fazer. Não tinham como saber de onde partiu a “postagem”.

Tornou-se então mais arredia. Nada lhe era agradável. Parou de frequentar as aulas, de conversar com os pais, só não parou de comer.

Finalmente o desespero. Caminhou sem destino pela cidade, saiu do seu bairro, atravessou o parque, andou por onde nunca antes havia estado. Deteve se na beira da rodovia. Como uma mariposa encantada pela luz ficou horas admirando o intenso movimento. Foi seduzida pelo ir e vir frenético dos veículos, sem tempo de arrependimento se jogou em meio ao trânsito.

Como tantas outras que “caíram na net”, encontrou seu triste fim debaixo das rodas de um caminhão.

Gilson Raimundo
Enviado por Gilson Raimundo em 21/01/2015
Reeditado em 27/01/2015
Código do texto: T5108986
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