Evzlet - O Jogo dos Sonhos

- Do que estão falando? – perguntou Nathan, um rapaz alto, jovem, de pele clara, cabelos loiros, olhos azuis. Encontrava-se sentado em uma mesa retangular, ornamentada com um vaso de flores central e uma toalha de mesa vermelha, em formato de losango. Estava acoplada em outras três mesas idênticas, à direita desta. Nathan se encontrava conversando com Miguel, um rapaz um pouco mais velho que o anterior, de pele escura, mas não negra e careca.

Nathan e Miguel conversavam animosamente lado a lado, em um dos cantos da mesma, no interior de um bonito bar, de paredes vermelha e verde, em cima e em baixo, respectivamente. O primeiro, todavia, percebeu algo interessante na conversa entre Nayara e Juliana, duas belas garotas, ambas de pele clara e cabelos compridos e enegrecidos, que andavam de decote, deixando à mostra parte de seus suntuosos seios. Juliana se encontrava no canto esquerdo da mesa, à esquerda de Nathan, enquanto Nayara se encontrava frontalmente ao rapaz, do outro lado da mesma, à esquerda de Juliana.

- É sobre um jogo! – respondeu Juliana

- Já ouviram falar do Evzlet? – perguntou Nayara.

- Ev-quem? – perguntou Nathan. Nem mesmo sua mente cogitou adentrar na subconsciência para tentar lembrar deste nome.

- Evzlet é um jogo oculto, pouco divulgado. – explicava Nayara. – Os jogadores devem rodar um objeto próprio do jogo, e aquele que for sorteado deve resistir a um jogo mental, feito pelo que rodou a peça. Vence o último que resistir aos jogos.

- Jogos mentais?! – perguntaram Nathan e Miguel, juntos. Estavam incrédulos.

- Sei que não estão acreditando, mas é verdade. – disse Nayara. Parou com alguns instantes, enquanto postou-se a mexer em sua bolsa. Nesse ínterim, Nathan fitou Miguel, com cara de deboche.

Nayara retirou da bolsa, e colocou sobre a mesma, encostando o vaso de flores do lado oposto ao de Juliana, diversos elefantes em miniatura de metal. Todos se encontravam adornados com trajes típicos do hinduísmo, e se encontravam com a tromba enrolada, para cima, na altura do centro de sua cabeça. A garota separou um deles, aparentemente o maior das miniaturas, e colocou os demais ao lado do vaso de flores.

- Elefantes? – perguntou Nathan, mais incrédulo do que antes.

- Esse é o tal objeto que eu falei que tem que rodar. – explicou rapidamente Nayara, enquanto terminava de deixar o centro da mesa livre para o jogo. – Vejam, com os seus próprios olhos. – Nayara rodou o elefante. Parou, após poucos segundos rodando. A frente do elefante estava direcionada a Nathan. – Começará com você. – disse a garota. Nathan engoliu em seco.

Repentinamente, a mente de Nathan o tragou para dentro. Ficou alguns segundos submerso na inconsciência, antes de acordar novamente. Entretanto, não se encontrava mais no bar onde se encontrava junto dos seus amigos. Estava no interior de um quarto, totalmente submerso na escuridão – apenas o que se encontrava logo à frente de Nathan era visível, iluminado por uma estranha luz; como se os olhos do rapaz iluminassem o local. À frente do rapaz, à esquerda, uma cadeira de balanço, parcialmente submersa na escuridão. Do outro, um móvel, indistinguível, devido à escuridão.

- Onde estou? – pensou o rapaz. Sentia a espinha arrepiar, devido a um estranho medo que sentia; embora não soubesse o porquê. Deu o primeiro passo para frente, temeroso. Temia aquela escuridão, temia os perigos que aquela escuridão poderia lhe oferecer. Preparava-se para dar o segundo passo, lento como o primeiro, quando percebeu uma movimentação à sua frente. Recuou o corpo, projetando-o para modo defensivo.

Era uma silhueta aparentemente humana, feminina, de longas madeixas, levemente alta e extremamente magra. Apesar de negra, a silhueta era facilmente identificada, ainda que mergulhada na escuridão. Caminhava com dificuldades em direção ao rapaz, curvada para frente, deixando os cabelos tamparem o rosto e parte do corpo.

- O que é aquilo? – perguntou Nathan, temeroso. Como se já não bastasse a escuridão, mais aquilo...!.

Repentinamente, algo segura o seu braço esquerdo. Assustado, tentou se desvencilhar-se, sem sucesso e virou o foco do olhar para o lado esquerdo. Encontrava-se lado a lado com a cadeira de balanço. Sentada sobre ela, alguém, cujo rosto se encontrava mergulhado na escuridão. Sua mão direita segurava firmemente o braço esquerdo de Nathan.

- Como assim? Eu não estava do lado da cadeira de balanço... – se perguntava, em pensamentos, um confuso Nathan. Virou-se o foco do olhar para frente, a fim de certificar-se de que a cadeira de balanço se encontrava, de fato, à sua frente. Nesse momento, sobressaltou-se. À sua frente, questão de centímetros, se encontrava a silhueta. Estava ereta, e era incrivelmente maior que Nathan – e olha que o garoto media 1,85m. Era humana, uma mulher, e se encontrava com a boca totalmente aberta, mostrando vorazes e gigantes presas, tanto na parte de cima, quanto na de baixo.

Ao fitar aquela cena, Nathan travou. A silhueta não perdeu tempo; aproveitou-se da paralisia temporária de Nathan e socou-lhe, com toda força, o seu peito, atravessando-o e adentrando no interior de seu corpo.

Nathan acordou, de inopino. Encontrava-se novamente no interior do bar onde outrora se encontrara, ocupando a mesma cadeira, junto das mesmas pessoas. Suava frio, respirava ofegante e sentia o coração doer dentro do peito.

- Viu? Agora acredita no jogo? – perguntou Nayara. – E sorte sua não estarmos jogando, ou você já estaria perdendo, pois não conseguiu completar o jogo mental.

Nayara virou-se para Juliana e Miguel.

- Então, vamos jogar?

Ambos apenas menearam positivamente a cabeça. Pareciam amedrontados; fitaram o rosto de Nathan enquanto este retornava do jogo e parecia que o mesmo se encontrava amedrontado.

- Está tudo bem? – perguntou Miguel, para Nathan, em um tom de voz incrivelmente baixo. Este respondeu balançando a cabeça.

Repentinamente, um garçom, vestindo trajes sociais, com camisa branca, gravata borboleta preta, da cor da calça. Caminhou até o quarteto, pois esta era a única das quatro mesas que se encontrava sem efetuar um pedido.

- Desejam alguma coisa? – perguntou o garçom, ao lado de Nayara.

A garota iria responder à garota do garçom, quando o mesmo fita a mesa e pergunta:

- Estão jogando o Evzlet?

Todos erguem a sobrancelha, surpresos.

- Tomem cuidado com o Evzlet. – o garçom diz. – Principalmente vocês dois. – continuou, fitando Nathan e Miguel. Os corações de ambos pularam nos interiores dos respectivos peitos. – A sorte está do lado delas, mas do lado de vocês só está o azar. – disse, antes de se retirar, sem anotar pedido algum.

Tão logo o garçom saiu do local, Juliana comenta:

- Que garçom esquisito.

Nathan, sem perceber a conversa que Juliana iniciara, postou-se a pegar os elefantes remanescentes e virar a parte traseira em direção à dupla masculina.

- O que estão fazendo? – perguntou Nayara, ficando irritada com a postura de Nathan.

- Virando a bunda dos elefantes para mim e para Miguel. Dizem que dá sorte.

Nayara suspira fundo. Não acreditava que os amigos estavam acreditando na fala do garçom.

- Vamos lá. – ela disse. Rodou o elefante. Nathan reza para Nayara não sair contigo; e realmente não sai. Acaba por sair com Miguel.

Este se assusta quando Nayara sai consigo, e fica levemente desesperado.

- Vamos lá. – disse Nayara. Fechou os olhos; era necessário, pois precisava concentrar-se no desafio mental. Miguel ainda se encontrava desesperado quando começou a perder a consciência, e foi fechando os olhos vagarosamente, até adormecer.

Nathan e Juliana ficaram ali, quietos, esperando o resultado do jogo. Percebiam pela feição de Miguel que o jogo não estava nada bem para ele. Repentinamente, eis que o mesmo abre os olhos. Ofegava; estava com as pálpebras dilatadas e com uma sombria face de desespero.

- Está tudo bem? – perguntou Nathan, preocupado com o amigo

- Você perdeu. – disse Nayara, firme. Virou-se para Juliana. – Sua vez.

- Vou deixar o Nathan jogar agora. Jogo no final da rodada. – disse a garota, deixando Nayara irritada, devido a sua fraqueza.

- OK. Você quem sabe. – disse Nayara, irritada. Entregou o elefante a Nathan. – Sua vez.

Nathan pegou o elefante. Respirou fundo, criou coragem e rodou o objeto animalesco. Rezava para não sair com Miguel, pois o mesmo já se desespera o suficiente com aquele sombrio jogo.

O elefante, após parar de rodar, apontou para Nayara. Ela era seu alvo! E ele iria vingar, ele e Miguel.

Fechou os olhos. Começou a criar o cenário. Era uma praça, grande, com imensas palmeiras em seu entorno. Era cortada ao meio por uma fina rua. Todo o calçamento era de paralelepípedo. As casas no entorno da praça eram antigas, o que só aumentava a sensação de ter voltado ao século XIX.

Nayara acordou no centro da praça, jogada no chão. Levantou-se. Percebeu se encontrar sozinha. Estava noite, mas não estava escuro – os lampiões acostados nas casas iluminavam o local. Começou a escutar um barulho, vindo de detrás de si. Virou-se. Fitou um monte de pessoas rastejando em sua direção. Andavam cambaleantes. Lembrava zumbis, mas não eram. Os rostos não estavam desfigurados por mordidas ou vírus mortais, mas sim por algo maquiavélico – os olhos estavam arregalados e brancos, a boca estava aberta ao máximo, com o seu interior enegrecido. Os braços eram distintos dos braços dos zumbis, pareciam extremamente magros, mas incrivelmente grandes. Igualmente magros eram as pernas e os abdomens.

Temendo-os, Nayara postou-se a correr, em direção à rua que cortava a praça. Adentrou-a. Era dos mesmos traçados da praça – irrigada a luz de lampião, casas históricas e rua de paralelepípedos. Era incrivelmente fina – não tinha calçadas, apenas a rua.

A garota continuou a correr, até que, para sua surpresa, algo agarrou os seus dois braços, simultaneamente. Virou os olhos. Surpreendeu-se. Braços saíam dos interiores das casas, atravessando as paredes. Segurou Nayara com firmeza, impedindo-a de desvencilhar-se, embora a mesma tentasse avidamente.

Nayara ainda se debatia quando os estranhos seres que corriam atrás dela chegaram perto da mesma. Esta fitou o primeiro deles, diretamente nos olhos, e sentiu a espinha estremecer e o corpo paralisar.

- Que sensação é essa? – se perguntou, em pensamentos. Não sabia responder. Repentinamente, para sua surpresa, o primeiro dos estranhos seres, o mesmo fitado por Nayara, enfiou a mão no seu peito e, com toda força, arrancou-lhe o coração, erguendo-o como troféu antes de enfiá-lo com toda velocidade em sua boca, engolindo-o em seguida, sem mastigar.

Nayara, todavia, ainda que com uma fenda gigantesca no peito, vivia. Sentira a dor de ter o coração arrancado, mas ainda parecida viver – e lucidamente. Sentiu nova pontada de dor quando o outro dos estranhos seres enfiou a mão em seu abdômen e arrancou de lá o seu fígado. E depois, quando arrancaram pulmão, estômago, intestino, até que, oca, desmaiou.

A garota e Nathan acordaram, no interior do bar. O rapaz mostrava um sádico sorriso no rosto, enquanto que Nayara estava ofegante, tentando recuperar os sentidos e com uma incrível dor por todo abdômen.

- Você perdeu. – disse o rapaz, com ar de vitória. Repetiu a fala de Nayara quando da derrota de Miguel, como se o estivesse vingando agora.

A garota fitou Nathan com ar de raiva. O rapaz percebeu e a encarou por alguns segundos. Miguel e Juliana perceberam o mal estar criado no local. Juliana quebra o silêncio, virando-se para Miguel, dizendo:

- Sua vez.

Miguel assustou-se. Estava temeroso demais por aquele jogo. Pegou o elefante, respirou fundo – uma lágrima queria escorrer de seus olhos – e, por fim, rodou. O elefante apontou para a parede, do lado esquerdo de Nayara. O rapaz respirou fundo.

- Parede. – disse Nayara. Pegou o elefante e colocou-o frontalmente a Juliana.

- Sua vez. – ela disse. Agora não tinha escapatória. Precisava jogar. Rodou o elefante, que parou segundos depois, apontando para Alberto, amigo da turma, que se encontrava sentado na primeira mesa adjacente, à direita de Miguel.

- Opa. Que sorte a minha. Saiu com o Alberto. Ele não está jogando, passo adiante. Sua vez. – dizia Juliana, com uma estranha sensação de felicidade e alívio no peito.

- Nada disso. – disse Nayara. – O Evzlet não se resume aos que estão prontamente jogando.

Juliana sobressaltou-se; seu rosto foi tomado pela face do desespero. Tentou argumentar, mas era tarde demais... começou a perder a consciência, no mesmo instante que Alberto, adentrando ambos em um profundo sono.

Todos da mesa adjacente surpreenderam-se com o sono repentino de Alberto. Miguel, para não perceberam que o mesmo sabia o motivo do desmaio repentino, fingiu preocupação, acudindo-o.

Pouco mais de um minuto depois, enquanto Miguel, Rafael, que se encontrava à direita de Alberto e outros acudiam o rapaz desmaiado, à sua volta, este acordou, de inopino, abrindo os olhos, arregalados. Todos assustaram-se. Em seguida, este levantou-se e correu, aos gritos, chamando a atenção de todos para ele. Rafael e João, sentado frontalmente ao xará, correram atrás de Alberto, chamando-o, inutilmente.

Juliana abriu os olhos, cabisbaixa, triste, tão logo Alberto correra. Todos perceberam, e fitaram-na.

- Eu tentei fazer o jogo menos insano possível, mas... a gente não controla esse jogo. – Nathan e Miguel arregalam os olhos.

- Você não quis controlar, o próprio Evzlet controlou o jogo por você. – explicou Nayara. Pegou o elefante para si. Juliana colocou sua mão sobre a de Nayara, impedindo seus movimentos com a mesma.

- Já foi uma rodada. Por que quer continuar esse jogo?

- Esse jogo só findará quando alguém for vencedor. Você ganhou pontos, o Nathan ganhou, eu ganhei e perdi, o Miguel perdeu. Você tem grandes chances de ganhar, então pare de ser medrosinha e vamos continuar esse jogo até o fim. – disse a garota. Quando ouviu ser chamada de medrosa por Nayara, Juliana recuou a mão.

Nayara rodou o elefante. Saiu contra o espaço vazio entre Juliana e a mesma.

- Novamente parede. – disse a mesma, desapontada. Os demais responderam fundo.

- Sua vez. – disse Nayara, para Nathan, entregando-lhe o elefante.

Nathan respirou fundo, fechou os olhos e rodou o elefante. Ouviu um pequeno choramingo do seu lado direito. Abriu os olhos, calmamente. Estava apontando para Miguel.

- Que merda! – pensou.

Miguel olhou com piedade para Nathan. Este compreendeu o significado daquele olhar.

Fechou os olhos. Começou a criar o seu cenário, o cenário de desafio de Miguel. Era um cômodo, pequeno, escuro. Estava todo abarrotado de objetos, dos mais variados tipos. Miguel aparece, no centro dele, deitado no chão frio de piso. Acorda, de sobressalto. Percebe estar no jogo. Apavora-se.

Embora totalmente de ausente de luz, o local era iluminado, como se os olhos de Miguel o fizessem, conseguindo o mesmo enxergar tudo aquilo que se encontrava a poucos centímetros à sua frente.

O local era fantasmagórico com a ausência de luz. Os objetos pareciam que iriam ganhar vida. Parecia que tudo que se encontrava ali dentro iria acordar e atacar Miguel. E o rapaz sabia disso: e isso só lhe apavorava mais.

Embora vagarosamente, Miguel caminha pelo local. Olhava por todos os lados, temeroso; inclusive, às vezes olhava para trás, para certificar de que não iria ser atacado pelas costas. Continuou a caminhar. Repentinamente, uma pilha de objetos que se encontrava à sua direita cedeu, indo ao chão e fazendo um gigantesco estrondo, que ecoou pelo local. O rapaz sobressaltou. Sentiu o coração parando na boca.

Visualizou o local. Tudo parado. Imaginou que a pilha cedera pelo próprio peso. Postou-se a continuar a caminhar, atravessando a pilha de objetos que cedera. Olhava de vez em quando para o chão, para certificar não pisar em nada que pudesse lhe derrubar, atrapalhar ou ferir – um buraco, algo pontiagudo, etc.. Deu três passos sobre o local, visualizando-o em dois, quando, ao retirar o pé esquerdo para dar o quarto, a pilha cede, rapidamente. Miguel postou o pé esquerdo no local, ao lado do direito, e visualizou o chão. Sentiu-o ceder novamente. Não visualizou nada de anormal. Cedeu novamente. Postou-se a acelerar os passos, antes da pilha ceder por completo. Quando esteve prestes a ultrapassar a pilha por completo, Miguel sente algo segurando sua perna.

O rapaz virou o foco do olhar em direção à sua perna direita. Um objeto a agarrava, firmemente. Ergueu a perna no ar. O objeto – uma pequena mesa de canto, com as longas pernas curvadas – veio agarrado na perna. Balançou-a, entretanto, o objeto não se desgrudou. Repentinamente, para sua surpresa, eis que os demais objetos da pilha começaram a ganhar vida – levantar-se, rastejar-se. Miguel, percebendo não ser aconselhado ali permanecer, postou-se a correr, em direção contrária. Correu, a toda velocidade, ainda com o objeto agarrado.

Após alguns segundos correndo, Miguel percebeu que, à sua frente, havia uma porta. Era disso que precisava para se salvar. Correu com mais afinco – apesar do passageiro nada agradável em sua perna -, distanciando-se dos objetos. Chegou perto da porta. Os objetos, percebendo que não conseguiriam alcançar Miguel, começaram a parar de correr. O objeto que grudava na porta do rapaz também distanciou-se, entretanto, arrancou a perna na qual grudava – na altura do joelho – e a levou consigo.

Miguel sentiu uma dor lacerante na perna, e gritou no momento. Saltitando apenas com a perna esquerda, chegou perto o suficiente da porta, ultrapassou-a e fechou-a, deixando para trás os objetos. Encostou-se na parede do novo cômodo e respirou fundo, fechando os olhos. Não conseguia enxergar nada naquele local e encostou-se na parede ao lado da porta por acreditar realmente existir por pura lógica – afinal, era necessário ter paredes no entorno da porta.

Depois de respirar fundo, abriu os olhos. Sobressaltou-se. Havia uma silhueta gigantesca à sua frente – era consideravelmente maior que o rapaz -, magra, com braços e pernas gigantescos e igualmente magros. Os enormes cabelos enegrecidos estavam jogados para trás. O rosto era diabólico, com enormes presas – tanto na parte de cima, quanto na de baixo – apareciam, como se o monstro estivesse gritando, próxima ao rosto de Miguel – se encontrava curvada para tanto.

O rapaz sobressaltou-se, tão logo visualizou o monstro à sua frente. Em seguida, o monstro levantou uma enorme foice – do seu tamanho – que aparentemente carregava na mão direita – ou estava passando a portar a partir daquele momento – e desferiu um violento golpe no ombro esquerdo de Miguel, em diagonal, atravessando o corpo do rapaz até perto das costelas direitas, partindo-o em dois.

Miguel acordou, de inopino, no interior do bar, já se levantando. Postou-se a gritar com um incrédulo Nathan:

- Seu maldito. Você falou que iria facilitar.

- Mas eu facilitei. – disse Nathan, levantando-se. – Eu não entendo.

- Deixa de ser mentiroso, Nathan.

- Não fui eu, Miguel. Eu não criei aquela fera.

- Deixa de mentir.

- O que aconteceu é que vocês tentaram facilitar o jogo. – disse Nayara, chamando a atenção de todos para si. – E não se pode fazer isso, ou o Evzlet aparece para equilibrá-lo.

- Evzlet não é o nome do jogo? – perguntou Nathan.

- E do ser que o controla.

- Eu não vou jogar mais essa porcaria. – gritou Miguel, enquanto evadia do local

- Você não pode desistir do jogo antes da hora, Miguel. – gritou Nayara, enquanto se levantava da mesa. – Ou o Evzlet vai atrás de você.

- Problema desse Ev-qualquer-coisa. Depois eu me entendo com ele. – disse o rapaz, já perto da porta.

Miguel saiu do bar. Nathan fitou primeiramente o rapaz, depois fitou Nayara, como se quisesse dela uma resposta para a pergunta que fazia mentalmente: “E agora?”. Não iria olhar para mais ninguém, pois sabia que todo o restaurante lhe fitava.

- Se preparem. – disse Nayara. – O Evzlet virá atrás daqueles que não concluíram o jogo, até que ele acabe. Principalmente de vocês, que estão com o azar. – completou, fitando Nathan. Este engoliu em seco.

Era noite. Lua nova. Escuridão reinava nos céus. Nathan se encontrava no interior de sua residência. Andava pelos escuros corredores até chegar a seu quarto. Adentrou-o no mesmo. Fechou a porta, deixando apenas uma nesga aberta. Nesse ponto, sobressaltou-se.

Parada no corredor, próximo a Nathan, estava o monstro magricelo, de silhueta feminina, de corpo e cabelos grandes que tanto invadira o jogo mais cedo. Apesar de o rosto estar coberto pelos enegrecidos cabelos do monstro, Nathan pôde perceber que o mesmo lhe fitava.

O rapaz paralisou-se no mesmo instante. “O que esse monstro está fazendo aqui?”, se perguntava, em mentes. “O Evzlet virá atrás daqueles que não concluíram o jogo”, pensou Nathan, relembrando-se com clareza da frase dita por Nayara no findar antecipado do jogo, mais cedo. “Será verdade?”, se perguntou. “Será que o Evzlet virá me buscar?”

Repentinamente, para surpresa do rapaz, eis que o monstro apenas abre a boca e diz, em um tom carregado e demoníaco:

- O Evlzet continuará até que haja um vencedor.

Após, Nathan adormeceu, junto à porta.

Era dia. O Sol reinava com toda sua majestade no céu, submergindo praticamente todo o solo com o seu calor. Nathan e Miguel se encontravam sentados sobre a mesa do professor, em uma sala de aula praticamente cheia de alunos. Conversavam animosamente sobre pontos variados. Em outro determinado ponto, sentada solitariamente se encontrava Nayara, anotando em seu caderno algo escrito em um segundo, colocado em seu colo. Repentinamente, para surpresa geral, eis que adentra na sala de aula, pela porta que se encontrava ao fundo, Juliana, com um semblante que causava preocupação em o que via. Adentrou afobada e procurou por alguém. Avistou Nayara sentada em seu local e caminhou rapidamente até a mesma, sob os olhares das pessoas da sala, incluindo Nathan e Miguel. Cochichou algo com a mesma, que arqueou a sobrancelha, tamanha a surpresa. Levantou a cabeça e procurou por alguém. Avistou Nathan e Miguel. Cochichou algo com Juliana. A dupla de amigos preocupou-se, pois perceberam que Nayara cochichou algo com Juliana tão logo os avistou.

- O que será que as duas estão cochichando? – perguntou Miguel, sussurrando ao amigo

- Não sei. Mas estou achando que tem algo a ver com aquele jogo que jogamos ontem...

Miguel arqueia a sobrancelha, tamanha a surpresa.

Nayara levanta-se de sua cadeira, vira o corpo à dupla de amigos e grita:

- Nathan, Miguel. Venham aqui fora. Preciso conversar com vocês.

O coração de Miguel pulou dentro de seu corpo. Nathan levantou-se da cama, seguido de Miguel. Saíram da sala logo atrás de Nayara e Juliana.

- O Alberto faleceu essa noite, vítima de ataque cardíaco fulminante! – disse Nayara, com um semblante demonstrando raiva. Estava de braços cruzados, do lado de fora da sala de aula, junto da preocupada Juliana e os agora incrédulos Nathan e Miguel.

A dupla de amigos arqueia a sobrancelha, tamanha a surpresa. Miguel começa a tremer o corpo, tamanho o medo.

- Que pena... – Nathan estava sério; entretanto, apenas por fora, eis que precisava demonstrar frieza perante Nayara – Mas por que nos contar em particular? O Alberto era da sala, todos deveriam... – sua fala foi cortada por Nayara, que, de tão alto que falava, parecia berrar

- Você sabe muito bem o porquê, Nathan! – o rapaz silenciou-se e não ousar contrariá-la – O Alberto entrou no jogo, ainda que momentaneamente. E na mesma noite ele falece, com um ataque cardíaco fulminante. Não é apenas uma coincidência, Nathan, e você sabe muito bem disso...

- Então, o jogo voltou para matá-lo? – perguntou Nathan.

- Sim. Eu disse que ele iria voltar, não disse? – perguntou Nayara

- Ele apareceu para mim essa noite. Disse que o jogo deveria terminar em 24 horas.... – disse Juliana, atropeladamente, de tão nervosa que se encontrava

Nathan assustou-se com a fala de Juliana. Veio à mente, como em um flashack, o rápido encontro com a silhueta preta que tanto apareceu durante o jogar do Evzlet, e a frase que a mesma proferira: “O Evlzet continuará até que haja um vencedor.”

- I...Iremos todos morrer? – perguntou um amedrontado Miguel

- Não. Mas o jogo deve continuar. – disse Nayara

- Eu não quero jogar mais este jogo. – disse Miguel

- Não tem que querer ou não querer. É preciso, ou podemos todos morrer. Principalmente vocês, que estão com azar, lembra?

- Eu não vou mais jogar! – gritou Miguel, saindo correndo, em direção ao corredor da faculdade.

- Miguel! – gritou Nayara – Volte aqui!

Todavia, Miguel não escutara – ou fingira não escutar. Continuou sua corrida pelo interior do prédio da faculdade, a toda velocidade.

- E agora, o que faremos? – perguntou a ainda amedrontada Juliana

- Não sei. Mas precisaremos dele para continuarmos o jogo... – disse Nayara

O Sol já havia se posto e a escuridão da lua nova reinava nos céus. Nathan, Nayara e Juliana procuraram o dia inteiro por Miguel, entretanto, o mesmo ficara incomunicável - não se encontrava em sua residência e não atendia aos chamados no celular. Era madrugada e o prazo estabelecido estava próximo a findar.

Nayara estava sentada em uma cama, arrumada com travesseiro e colchas para dormir. Estava de pijama com camisa branca e short rosa. Encontrava-se com a cabeça enterrada entre as pernas levantadas. Choramingava.

- Por que você quer faz isso? – ela perguntou, sussurrando, entre soluços – Eles são meus amigos... – continuou a dizer, em sussurros, com frases entrecortadas por questão de poucos segundos – Não faça isso.... – pausa – Por favor.

Em outro ponto da cidade, Miguel se encontrava dormindo na cama de mogno do seu quarto de paredes azuis. Todo o local se encontrava submerso na escuridão da lua nova. Em um dado momento, o rapaz acorda, sonolento. Espreguiça-se ainda deitado e levanta-se, em seguida, após afastar a coberta de seu corpo. De pé, caminhou, ainda sob a escuridão, em direção à saída de seu quarto. Abriu a porta e saiu do local, fechando-a atrás de si, logo após. Adentrou no interior de um pequeno cômodo central, onde todas as portas nele desembocavam. Virou-se à direita e caminhou em direção a uma porta afastada. O local estava parcialmente iluminado por uma fraca luz, oriunda de algum lugar desconhecido. Miguel andava calmamente, com os braços para frente e com pouca abertura das pernas nos passos. Parecia um sonâmbulo, entretanto, estava acordado.

Chegou frontalmente à porta, onde a abriu. Adentrou no interior do recinto. Acendeu a luz, que o fez abrir completamente os olhos. Encontrava-se dentro do banheiro. Caminhou até o vaso sanitário, levantou a tampa e postou-se a utilizá-lo.

Após terminar de usar o banheiro, Miguel apagou a luz do cômodo e saiu, adentrando no cômodo e mergulhando novamente na escuridão – ainda que houvesse a dita fraca luz. Neste instante, visualizou uma silhueta aparentemente humana, feminina, de longas madeixas, extremamente magra, curvada, com os finos braços jogados para frente, no interior do cômodo. Era ele! O monstro que apareceu durante o jogo!

Tão logo o vira, Miguel sobressaltou-se. O coração disparou no interior de seu peito e o desespero tomou o seu corpo. Perguntou repetidas vezes, em questão de segundos, o que faria.

Repentinamente, para sua surpresa, o monstro simplesmente se levanta, deixando à mostra o seu real tamanho – mais de dois metros de altura. Miguel dá um passo para trás e fica em posição de defesa. O coração começou a pular com mais intensidade no interior de seu peito.

- O... O que voc... você quer? – perguntou Miguel, receoso

- O jogo deve continuar. – disse o monstro – Ou todos sentam e jogam, ou o jogo os perseguirá e jogará, querendo ou não. O prazo para escolha está acabando. E o Evzlet nunca para sem ter um vencedor.

Em seguida, Miguel caminha, em direção ao banheiro onde acabara de sair. Parecia desacordado.

Nathan caminhava por uma floresta escura e densa. Apenas a luz da lua adentrava no interior daquela floresta. Havia pouco espaço entre as árvores e o galho seco tomava conta do chão, o que dificultava a caminhada do rapaz. Andava o mais rápido que podia, pisando na ponta dos galhos secos, para não se ferir. Olhava para todos os lados, na expectativa de encontrar algo.

O rapaz ainda não tinha consciência, mas estava sonhando. Não lhe importava o anterior daquela passagem – o porquê de estar procurando algo em todos os lados, o porquê de estar em uma floresta escura e densa ou o que o levou a ali se encontrar -; estava em um sonho, e como em qualquer sonho, nós só possuímos lembranças já com a história iniciada – ninguém se lembra do começo de um sonho.

No mundo real, Nathan se encontrava deitado em sua cama, apenas vestindo uma bermuda – tamanho o calor. Estava esparramado pelo local, com um dos braços projetados para fora da cama. Perto de sua cabeça, o guardarroupa, do outro lado de seu pequeno quarto.

Nathan continuou a caminhar pela floresta, sem cogitar a hipótese de se encontrar no interior de um sonho. Repentinamente, percebeu algo. Avistou-o e caminhou em sua direção. Era uma clareira. No interior desta, uma pequena e velha cabana. Era de madeira já aparentemente mofada e carunchada. Do alto desta, havia uma chaminé, na qual, no momento, soltava fumaça.

O rapaz caminhou até o interior da cabana. Abriu a velha porta de madeira e adentrou no local, fechando-a nas suas costas. Nesse momento, surpreendeu-se. A cabana parecia magicamente muito maior do que o lado de fora. E parecia feita para gigante, pois toda a mobília, as portas, janelas, quadros eram incrivelmente maiores, o que dava a sensação a Nathan de o mesmo ser uma formiga em uma casa comum.

Caminhou pelo local olhando para cima, a fim de visualizar todo o cenário. Encontrava-se em um corredor, com uma estante cheia de livros, uma mesa de canto, com pernas curvas e tampo de vidro espalhados pelo cenário e diversos quadros. Nathan tentava enxergar, mas devido à altura era impossível.

Não logrando êxito em sua empreitada, o rapaz desistiu e postou-se a continuar sua caminhada pelo cenário, sob a forte luz de uma lâmpada gigante que ocupava parte do teto do corredor. Saiu do corredor e adentrou em outro, perpendicular ao primeiro. Avistou diversas portas ocupando parte das paredes do segundo corredor e percebeu que, da primeira à esquerda, do lado oposto ao que se encontravam, emitia-se som. Caminhou até o local e adentrou pela nesga da porta entreaberta. Avistou uma sala comum, exceto pela mobília gigante. Percebeu que, sentado sobre um sofá gigante, havia alguém – que não se conseguia enxergá-lo, por causa do tamanho do sofá, que se remexia constantemente, rindo e jogando comida em sua boca, enquanto assistia a um possível programa de televisão no aparelho de igual tamanho.

“Quem será que está ali?”, se perguntou, em pensamentos, Nathan. Repentinamente, surpreendeu-se, ao perceber que o ser que ocupava o sofá parou o que estava fazendo e perguntou, em voz alta: “Tem alguém aí?”. Nathan se jogou na parte traseira do sofá. Tampou a boca com as mãos e pensou:

“Meu pensamento... saiu algo”

“Tem alguém aqui e vou descobrir quem é!”, disse o ser, que parecia irritado. Começou a levantar-se – ainda que com dificuldades – do sofá. Nathan, percebendo a situação, adentrou na parte de baixo da mobília, na tentativa de se esconder. Percebeu o ser dando a volta no sofá, a fim de encontrá-lo. Com receio, acreditou que o melhor lugar seria o lado oposto da mobília, onde resolveu atravessar sua parte de baixo.

O rapaz assustou-se – e amedrontou-se – no tamanho das aranhas que se encontravam afixadas na parte superior do local, povoando-o com suas teias – como todo o local, elas também eram enormes. Estas, ao sentirem algo tocando suas teias, começaram a agitar-se. Saíram de seus lugares e caminharam por suas teias em direção a Nathan, que acelerou o passo e saiu rapidamente de debaixo do local.

Tão logo saiu da parte de baixo do sofá, Nathan adentrou no interior de um felpudo – e gigantesco – tapete, que ocupava toda a área entre a estante e o sofá. Caminhou pelo local com dificuldades, eis que os felpos do tapete eram de seu tamanho – o que o fez lembrar-se da caminhada pela floresta, no começo do sonho. Olhou para trás, a fim de procurar o gigante, e o percebeu perguntando onde Nathan se encontrava estando atrás do sofá, invisível por causa do mesmo – aparentemente se encontrava abaixado. Neste instante, percebeu algo, que logo lhe chamou a atenção: encostado no braço esquerdo do sofá havia um pacote de comida. Entretanto, a mesma possuía um formato diferente, pois parecia haver uma parte redonda pequena sobre uma segunda porção de comida, menor – que também parecia ser diferente do normal -, ligada por fino istmo.

“O que é aquilo?”, se perguntou, em pensamentos. Começou a escalar o sofá, por seu lado direito. Estranhamente subiu a mobília saltando de um ponto da escalada para outro, segurando-se no próprio sofá – afinal, era um sonho.

Chegou à parte superior do sofá, perto do pacote de comida. Virou-se em direção ao mesmo. Sobressaltou-se. A comida que se encontrava no interior do pacote tinha as medidas e o formato idênticos de um ser humano. E mexia! - Debatiam-se constantemente os braços e pernas naquele mar de gente. – E gritavam, pedindo socorro! – Tão logo avistaram Nathan, a comida começou a lhe pedir ajuda.

- Shhhhhhhh! – disse Nathan, desesperado. Olhou para trás, a fim de se certificar de que o gigante não escutara os gritos de socorro. Ao perceber que o mesmo ali não se encontrava, postou-se a tentar romper o pacote.

- Quem ousa profanar minha comida? – gritou o gigante. O coração de Nathan pulou no peito. Sentiu um frio em sua espinha. Sentiu os seus braços começarem a tremer violentamente.

Virou-se de costas. Sobressaltou-se, ao perceber um enorme amontoado de lixo – dos mais variados; orgânicos, metais, vidros – com dois olhos, uma boca e um par de braços. “O que é isso?”, se perguntou, estupefato. Instintivamente, se escondeu atrás do pacote de comida.

O monstro – por aparentemente não ter enxergado Nathan – levou novamente a mão ao interior do pacote, onde retirou de lá alguns seres humanos – que começaram a gritar incessantemente por ajuda. Levou-os à boca, onde os gigantes dentes pontiagudos começaram a mastigá-los. Os gritos de ajuda se transformaram em dor, e começaram a competir, em altura, com os gritos de suas carnes sendo trituradas. Sangue e pedaços de pessoas começaram a escorrer – devido ao excesso – da boca do monstro.

Nathan, percebendo que o gigante se encontrava ocupado devorando outros seres humanos, postou-se a correr para fora daquele inferno. Correu em direção à ponta oposta do sofá e, de lá, desceu, sem se preocupar com a altura. Chegou ao chão, sem sentir nenhuma dor por ocasião da queda – afinal, era um sonho. Saiu correndo em direção à ponta oposta do sofá – não se sentiu encorajado de adentrar novamente na parte de baixo da mobília. Neste instante, ouviu um grito logo atrás dele:

“Volte aqui!”

Sobressaltou-se. Virou-se de costas, de inopino. Percebeu que o monstro lhe enxergara, e partiu em sua direção. Acelerou os passos. Saiu da sala e correu em direção ao corredor. Atravessou-o a passos largos.

Olhava incessantemente para trás, a fim de certificar da ausência do monstro no corredor. Encontrava-se momentaneamente certo; todavia, em determinado momento, eis que o monstro surge na porta da sala. Nathan, que se encontrava perto da entrada do primeiro corredor, acelerou os passos e adentrou no mesmo. Encostou-se na parede para descansar, durante poucos segundos, e postou-se novamente a correr, em direção à porta de saída da cabana. Atravessou o primeiro corredor a passos largos. Surpreendeu-se ao perceber os quadros próximos ao chão – “Eles estavam dessa altura?”, se perguntou o rapaz, em pensamento.

Assustou-se, a ponto de pular, quando tentáculos começaram a sair dos quadros, em sua direção. Por serem rápidos – e por pegarem Nathan de forma desprevenida -, acabaram por segurarem os braços e as pernas do rapaz, imobilizando-o.

“Merda, merda, merda...”, disse Nathan, constantemente. Começou a se debater e a tentar se desvencilhar dos tentáculos. Conseguiu soltar primeiramente o braço direito. O tentáculo recuou e atacou novamente, entretanto, Nathan utilizou o próprio braço para se defender. Com o braço solto, desprendeu o restante de seus membros. Caiu sentado no chão e rolou em seguida para a direita, desviando-se assim, do ataque dos mesmos tentáculos.

Do chão onde se encontrava, avistou o monstro adentrando no corredor onde se encontrava. Apesar de não possuir pernas – se locomovendo arrastando pelo chão, portanto -, o monstro estava demasiadamente rápido, o que fez Nathan levantar em um salto e a começar a correr.

Novos tentáculos, oriundos de outros quadros, começaram a atacar o rapaz, que desviava saltando. Avistou a porta, à sua frente. Felicitou-se. Porém, toda essa felicitação esvaiu-se de seu corpo quando percebeu a porta encolher, à medida que o rapaz dela se aproximava. Acelerou os passos, entretanto, a diminuída igualmente acelerou-se.

Ao chegar perto da porta, esta se encontrava com tamanho inferior a 60 centímetros. Jogou-se em direção à porta fechada, a fim de atravessá-la, entretanto, acertou-o e voltou, indo ao solo, ainda do lado de dentro.

“Merda. E agora?”, se perguntou, em pensamentos. Pensou no que faria, em como sairia agora daquela cabana. Todavia, surpreendeu-se, ao perceber uma mão gigante, feita de lixo, segurar sua cintura e erguê-lo, retirando-o do solo.

“Ai, meu Deus. Ai, meu Deus.”, começou a gritar o rapaz, tamanho o medo. Começou a se debater, chutando e socando a mão, mas não logrou êxito. Virou-se de frente, frontalmente ao rosto do monstro. Sentiu o medo subir por sua espinha e tomar conta de todo o seu corpo, que tremia constantemente.

“Você perdeu o jogo”, disse o monstro. Daquela distância, a voz do monstro era terrivelmente grossa e assustadora. O monstro jogou Nathan no interior de sua boca, sob gritos do mesmo.

Era manhã. O Sol adentrava preguiçosamente no interior do quarto. Sobre a cama, Nathan ainda dormia na mesma posição de antes. Uma mulher, de seus cinquenta e poucos anos, adentrou no interior do quarto do rapaz, com uma muda de roupas em mãos.

- Acorda, Nathan. Já é de manhã. – ela disse, enquanto adentrava no local. Caminhou em direção ao guardarroupa, afastou-se do braço lançado para fora da cama e parou frontalmente a este, virando-se de costas para a cama. Abriu uma gaveta e guardou as roupas em seu interior.

Repentinamente, sentiu um soco na altura da batata da perna, que lhe fez perder rapidamente o equilíbrio. Virou-se de costas. Sobressaltou-se, ao ver Nathan deitado sobre a cama, com a cabeça na beirada e o braço esquerdo projetado em sua direção. Os olhos se encontravam abertos, completamente tomados por um tom negro. Da boca saía saliva, que, devido ao acúmulo, fazia uma espécie de espuma no local.

- Nathan. Nathan. – começou a mulher a chamar pelo rapaz. Começou a balançá-lo, enquanto o chamava pelo nome. Nathan balbucia algo. A mulher o ouve, mas não conseguiu entender, devido ao balançar. “O quê?”, disse. Estagnou-se e silenciou-se.

- Socorro... – ele disse, em tom de sussurro

A mulher larga Nathan e sai correndo, para fora do quarto, chorando.

Juliana estava caminhando por uma cidade que se encontrava deserta. Os prédios se encontravam parcialmente destruídos – a grande maioria retorcida. Escombros tomavam conta do chão, o que dificultava a caminhada.

A garota caminhava pelo local junto de diversas outras pessoas – aparentemente cerca de trinta pessoas. Estavam todos fortemente armados, com sub-metralhadoras 9mm e vestimentas próprias de guerra. Apesar de não se lembrar como havia parado naquele local e o porquê de estar vestida daquela forma, Juliana não se importava; além disso, agia como se soubesse exatamente qual era sua missão ali – afinal, tudo aquilo era um sonho.

Atravessavam a pequena cidade deserta com cautela. Analisavam todos os pontos. Pareciam procurar algo e o caçavam em todos os locais possíveis. Repentinamente, para surpresa de todos, eis que um homem que se encontrava ao lado de Juliana tomba, com a cabeça explodindo em diversos pequenos pedaços, jorrando sangue e massa encefálica para todos os lados. Juliana assustou-se. Jogou instintivamente o corpo para o lado esquerdo, ficando protegida por pedaços de escombros de uma velha casa. Uma segunda pessoa tombou em seguida, da mesma forma que a primeira. Os demais começaram a se esconder, enquanto alguns ainda eram abatidos com tiros na cabeça ou no peito.

Juliana e os demais estavam espalhados pela rua, de um lado ou de outro, todos cobertos. Os tiros cessaram. A garota colocou rapidamente a cabeça para fora, a fim de avistar o que estava acontecendo. Avistou um sem número de pessoas ocupando diversos prédios do outro lado da rua, depois de uma pequena ponte de madeira. Estavam protegidos pelas estruturas dos prédios e fortemente armados. Um deles, ao avistar a cabeça de Juliana desprotegida, mirou com sua sniper e atirou. O tiro, entretanto, acertou a orelha direita da garota, arrancando sua parte superior.

A garota encolheu a cabeça e começou a gritar de dor. Sangue jorrava pelo local. Levou a mão direita à orelha e começou a se contorcer, na vã tentativa de diminuir a dor, enquanto se segurava para se manter de pé – seu equilíbrio parecia afetado. Todavia, a única forma que a dor cessou foi com o tempo.

Enquanto Juliana se contorcia por causa da pungente dor, os demais soldados começaram a atirar, eventualmente, em direção aos inimigos. Colocavam parte do corpo para fora, atiravam a esmo – ou a quem viam – e depois escondiam os corpos, antes de os inimigos posicionarem para atacar. A grande maioria dos soldados conseguiu com êxito o seu intento, entretanto, alguns vieram a tombar, levando tiros na cabeça ou no peito que lhes ceifaram a vida.

- Precisamos ir com tudo. – disse um dos soldados, aos demais. Todos concordaram e postaram-se a correr, em campo aberto, em direção aos inimigos. Juliana não conseguiu escutar o que o soldado dissera, eis que sua audição se encontrava afetada pelo tiro no ouvido. Ao perceber todos correndo, correu logo atrás.

A garota corria em um descampado, onde não havia construções laterais. Alguns soldados já se encontravam na estreita ponte que ligava um lado a outro por cima do rio. Do outro lado, os inimigos atiravam freneticamente em quem se movia, e a cada segundo vários aliados tombavam perto de Juliana.

Os aliados retribuíam o tiro, e vez e outra um inimigo caía do alto dos prédios, sem vida. Juliana, entretanto, devido ao estado em que se encontrava, apenas corria a esmo, seguindo os demais. Correu em direção à ponte, entretanto, foi jogada para trás no exato momento em que a construção explodiu, se transformando em um mar de fogo e engolindo os pedaços remanescentes de seus ocupantes e os soldados que se encontravam próximos.

Levantou-se e continuou sua caminhada, em volta do precipício por onde o rio corria. Apesar de ainda se encontrar atordoada, possuía consciência suficiente para procurar uma segunda ponte para atravessar o precipício.

Repentinamente, eis que escuta um estranho barulho oriundo do outro lado do precipício. Virou o foco de seu olhar em direção ao local. Visualizou uma metralhadora .50 sendo colocada no chão, tendo um pente carregado de munição ao seu lado. Sobressaltou-se. Dois soldados – um segurando o pente, outro montado na metralhadora – se posicionaram para atacar. Juliana, percebendo ser alvo fácil onde se encontrava, virou-se de costas e começou a correr – entretanto, percebeu-se ainda ter dificuldades para andar devido ao seu labirinto ter sido afetado pelo tiro. Ouviu a metralhadora começar a girar e a cuspir tiros, atrás dela. Continuou a fugir. Sentiu um disparo acertar-lhe o seu corpo, na região do rim esquerdo, arrancando sua carne pelo trajeto que fez, até sair do outro lado. Começou a sentir dor no local. Em seguida, em questão de segundos, outros disparos, simultaneamente ao primeiro, atravessaram o seu corpo na mesma direção que o primeiro, todos à direita do anterior.

Juliana caiu no chão. Sentia sua força esvair rapidamente do corpo. Sentia também o seu sangue sair pela região dos disparos. Tentou se erguer, entretanto, não sentiu suas pernas. Começou a se arrastar, enquanto perdia suas forças e consciência. Olhou para trás. Visualizou primeiramente os soldados atirando com a metralhadora em todos que se moviam. Após, surpreendeu-se, ao visualizar um par de pernas, inundada em sangue, jogada solitariamente próxima a ela. Além disso, um filete de carne, de cor rosa, ligava as pernas a outro local, a qual Juliana posteriormente percebeu se tratar de seu corpo. Fora partida ao meio pelos disparos da .50 e um lado de seu corpo somente se encontrava ligado ao outro pelo seu intestino.

Continuou a se arrastar pelo local, a fim de esconder dos disparos incessantes da metralhadora. Repentinamente, gritou de dor, ao ter suas costas novamente trespassadas por diversos disparos, na região entre as omoplatas. Perdeu suas forças e acabou por ficar parada no local, esperando a morte iminente. Começou a perder a consciência, mas ainda percebeu a aproximação de um soldado, pelo barulho do coturno próximo ao seu ouvido. Este parou ao seu lado e agachou, fitando o seu rosto. Sobressaltou-se, ao visualizar o rosto do soldado – era uma mulher, de longas madeixas enegrecidas, com enormes presas, tanto na parte de cima, quanto na de baixo no lugar dos dentes e com rosto diabólico.

“Você perdeu o jogo!”, disse a mulher, com voz macabra

Juliana ainda conseguiu sentir uma faca enfiando no seu couro cabeludo, atravessando o seu cérebro, rasgando sua língua e saindo em seu queixo, antes de perder a consciência.

Era madrugada. A escuridão da lua nova reinava no ambiente, cuja única luz era a do poste, que invadia fracamente o quarto de Juliana. A garota estava deitada de lado, virada em direção ao guardarroupa que ocupava a parede do lado oposto, coberta por uma fina colcha, com a cabeça sobre o travesseiro. De repente, eis que a garota se levanta em um único pulo, ficando sentada sobre a cama em seguida. Parecia sonolenta ou desacordada, e ali permaneceu durante alguns segundos. Em seguida, levantou-se, caminhou em direção à saída do quarto e virou à esquerda, adentrando no interior do corredor da residência. Caminhou alguns segundos e depois voltou. Passou rapidamente pela porta do quarto portando algo em suas mãos. Continuou a caminhar pelo restante do corredor até chegar ao seu findar, que desembocava em três portas, sendo uma frontal ao corredor e duas laterais, uma de frente à outra. Abriu a porta à esquerda, deixando-a escancarada e adentrou no recinto. Era um quarto grande, com uma cama de casal central, um guardarroupa que ocupava a parede esquerda e uma esquerda ao lado da porta, em direção ao guardarroupa.

O local estava tomado pela escuridão completa, não tendo nenhum raio de luz adentrando no recinto. Apesar disso, Juliana conseguia andar normalmente pelo quarto, como se enxergasse. Caminhou até ficar do lado direito da cama. Parou ali e fitou momentaneamente os seus pais dormirem tranquilamente em seus leitos. Em seguida, ergueu no ar o que carregava na mão direita – uma faca de cozinha – e a desceu com força, cravando na cabeça de sua mãe, atravessando-a completamente. O corpo ainda soltou pequenos grunhidos e tremeu, mas logo se silenciou.

Juliana retirou a faca do interior da cabeça de sua mãe e deixou o sangue da arma pingar no chão. Caminhou até dar a volta ao outro lado, até o instante em que ficou frontalmente ao seu pai. Fitou-o por alguns segundos. Em seguida, desceu a faca em suas costelas. Sentindo a dor lacerante, o pai de Juliana acordou, gritando, momentos antes de receber uma segunda facada no local. Logo após, a garota cravou várias vezes a faca nas costelas do pai. Este ainda tentou se defender com as mãos, entretanto, não logrou êxito. E Juliana só terminou de cravar a faca em seu pai no momento em que o mesmo se silenciou, deixando de falar e de se mexer.

Após os assassinatos, a garota soltou a faca no chão e continuou sua caminhada, desacordada.

Era de manhã. A luz do Sol iluminava fracamente o ambiente. Uma senhora levemente gorda, de pele morena e cabelos amarrados caminhava sozinha pelo interior de uma residência. Estava vestindo uma blusa regata e um short cinzas, de pijama. Saiu do interior de um cômodo onde fechou a porta atrás de si, chegando a um pequeno cômodo central, onde todas as portas nele desembocavam. Caminhou em direção à porta à sua esquerda, um pouco mais afastada. Ao ficar frontalmente à porta, abriu-a. Neste instante, sobressaltou-se a tal ponto que gritou. Avistou Miguel dependurado por uma corda amarrada em seu pescoço no meio do banheiro, ao lado do vaso sanitário.

Repentinamente, Miguel tossiu e começou a se mexer. A mulher correu em direção ao rapaz e o segurou. A porta onde a mulher saíra abriu com violência e de lá saiu um homem negro, alto e forte – porém já de certa idade – que procurou saber o motivo dos gritos da mulher. Avistou-a segurando Miguel, para que a corda não o efetivamente enforcasse e correu ao local, para ajudá-la a salvá-lo.

Incomodado com uma luz solar em seu rosto, Nathan acordou. Encontrava-se no interior de um enorme quarto completamente branco, com várias camas próximas, com pessoas nelas deitadas e ligadas a diversos tubos. Estava assentado em uma dessas camas – embora não ligado a nenhum aparelho. Perto dele, andando de um lado a outro, havia um homem, de seus trinta e poucos anos, usando jaleco branco e carregando consigo uma prancheta na mão.

Ao perceber que Nathan acordara, o homem virou-se em sua direção e perguntou-lhe:

- Está tudo bem?

- Estou sim. – Nathan ajeitou-se no encosto da cama. – Só um pouco zonzo. – de fato, se encontrava. Olhou ao redor – Estou em um hospital?

- Sim. – respondeu o homem. – Você deu sorte... – o médico afastou-se um pouco de Nathan

- Por quê?

- Você teve um início de um Acidente Vascular Cerebral. Sua mãe quem percebeu que você estava estranho, pela manhã, e ligou para a ambulância, que te trouxeram para cá. Conseguimos conter o quadro e não deixou nenhuma sequela. Ainda te mantemos aqui para análise do seu quadro.

- Entendi... – disse o rapaz

Adentra pela porta próxima a Nathan uma mulher de quarenta e poucos anos. Olha em direção a Nathan e após caminha até o médico, onde cochicha algo com ele. Este último olha em direção a Nathan – deixando-o curioso – e lhe cochicha algo, como uma resposta. A mulher sai do local.

- Você tem visita. – disse o médico, fitando Nathan, enquanto caminhava em direção ao outro canto do quarto

Nathan surpreendeu-se com a fala do médico. Iria perguntar quem era a tal visita, entretanto, tinha consciência de que o médico não sabia quem era a pessoa – e mesmo que soubesse, se encontrava longe o suficiente para lhe responder.

Aguardou ansiosamente à chegada da visita, até o momento em que a mesma adentrou no recinto. Parecia afoita e procurou com os olhos avidamente por Nathan, até encontrá-lo embaixo de seus olhos.

- Finalmente lhe encontrei! – disse a visita, em direção a Nathan

- Nayara?! – perguntou Nathan, surpreso. Ela era a visita? – O que faz aqui?

- Sua mãe lhe contou o que aconteceu contigo. Está tudo bem? – perguntou a garota, enquanto se sentava na beirada da cama

- Sim. – respondeu Nathan – Foi só um susto.

- Com você, pelo menos, foi tranquilo.

Nathan estranhou a frase.

- Você não foi o único que teve problemas essa noite. Juliana e Miguel também tiveram.

- O que aconteceram com eles?! – perguntou o rapaz, surpreso.

- O Miguel foi encontrado enforcado dentro do banheiro de sua casa. – Nathan arregalou os olhos, tamanha a surpresa. Sentiu uma estranha sensação no peito, como se tivessem enfiado uma faca. – Ele está a salvo. Está em outro hospital da cidade. – nitidamente, Nathan se aliviou. – O problema maior é com a Juliana.

- O que tem? – Nayara sentiu o desespero tomar conta de Nathan novamente

- Ela assassinou os pais a facadas e agora está foragida, escondida sabe-se Deus lá onde.

Nathan não conseguiu esconder a surpresa. Juliana era uma pessoa tão tranquila. Como teria coragem de assassinar os próprios pais?

- Meu... Deus! – disse um perplexo Nathan

- Precisamos reunir os quatro. O Evzlet não irá sossegar até que o jogo termine.

- Você está me dizendo que isso tudo que aconteceu comigo e com eles é obra do Evzlet?

- Provavelmente. Você viu a Juliana dizendo... que ele daria 24 horas para o jogo terminar. O jogo não terminou, ele deve estar terminando o jogo por conta própria.

- E por que você não foi atingida?

- Eu consegui vencer o desafio... – disse.

- Desafio? Que desafio?

- Já se esqueceu de como funciona o Evzlet? Cada jogador é obrigado a vencer um jogo mental... provavelmente os quatro sofreram os jogos mentais durante os sonhos. E vocês devem ter perdido... por isso a situação de vocês.

Veio à mente de Nathan um flashback de seu sonho, quando tentava escapar das garras do monstro em formato de lixo. Demonstrava a Nayara toda sua perplexidade.

- Bom, preciso que você saia daqui o quanto antes. Já localizei o Miguel, tentarei conversar com ele para nos encontrar e terminar o jogo o quanto antes... – disse Nayara

- Entendi... – disse Nathan. Despediu-se de Nayara. Contudo, quando esta já se encontrava com a mão direita na maçaneta, Nathan lhe perguntou:

- Só uma última pergunta. Como você sabe tanto do Evzlet?

Nayara surpreendeu-se com a pergunta de Nathan. Pensou em responder, entretanto, apenas abriu a porta e saiu do local, fechando-a em seguida, sem soltar uma única palavra como resposta.

Nathan comprimiu parcialmente os olhos, enquanto fitava a porta, já novamente fechada. Desconfiava de algo.

O Sol se punha no horizonte, jogando os seus últimos raios solares no solo antes de partir. Nathan corria por uma movimentada avenida da cidade, vestindo ainda as roupas do hospital. Sentia-se um pouco tonto ao correr – talvez fruto do mal que sofrera -, mas não chegava a lhe atrapalhar. Avistou uma praça arborizada logo à frente, no lado direito da avenida e sorriu. Sabia que lá era o seu destino.

Continuou a correr e postou-se a atravessar a avenida sobre uma faixa de pedestre, abaixo de um sinal de trânsito. Esperou os carros pararem – por ocasião do fechamento do semáforo para o tráfego de automóveis – e atravessou aceleradamente a avenida. Chegou ao outro lado e continuou a correr em direção à praça – que, àquela altura, se encontrava a poucos metros de distância.

Após alguns segundos correndo, Nathan adentrou no interior de uma praça, cheia de árvores que escureciam o local. Caminhou por seu interior, onde avistou a fonte central, o outro lado e diversos bancos, com pessoas de diferentes personalidades e idades lhes ocupando. Um destes, entretanto, era ocupado por Miguel e Nayara, que, ao avistarem Nathan, se levantarem – com dificuldades o primeiro.

- Miguel! – gritou Nathan, surpreso e feliz ao ver Miguel bem. Abraçou e apertou o amigo com forças, até o mesmo se sentir necessitado de ar. – Que bom que te ver bem.

- Eu digo o mesmo... – disse Miguel, também feliz por ver Nathan

Este último reparou que Miguel possuía um a cicatriz de sulco oblíquo que marcava todo o pescoço, de lado a lado, sendo que atrás a mesma era maior – fruto do laço. Miguel realmente se enfocara. Miguel realmente tentara retirar a própria vida. “O que Nayara contou realmente é verdade”, pensou. Desviou o olhar em seguida. Cumprimentou Nayara.

- O que faremos agora? – perguntou Nathan, à garota

- Precisamos procurar a Juliana para continuarmos o jogo. – disse Nayara

- E você tem alguma pista de onde ela se encontra? – perguntou Nathan

- Eu sei de um local onde ela sempre se escondia na infância e ninguém a achava. – disse Nayara

- E onde é esse lugar? – perguntou Nathan

O Sol já havia se posto completamente no horizonte, fazendo a terra ser completamente tomada novamente pela escuridão. Nathan, Miguel e Nayara atravessam uma densa floresta, de longas árvores e mato alto. Lembrava-se do seu sonho na última noite, e temia de que aquele não fosse mais um.

Os três procuravam Juliana pelo interior da floresta, jogando o feixe de luz da lanterna que Nayara segurava em todos os pontos possíveis.

- Tem certeza de que é por aqui? – perguntou Miguel – Na Mata Acklen? – Miguel se referia à densa floresta no entorno da cidade onde moravam

- Ela me contou que sempre quando era criança, escondia-se dos seus pais em um precipício no interior da Mata Acklen. Por ser de difícil acesso e o local ser perigoso, jamais a encontrariam por ali.

- Realmente é de difícil acesso... – disse o rapaz, enquanto pisava em um graveto, que quebrara ao seu pé

Repentinamente, para surpresa de todos, eis que diversos galhos começaram a aparecer do solo, enroscando-se às árvores.

- O que é isso? – perguntou Nathan, surpreso

- É o Evzlet... – disse Nayara, fitando constantemente os galhos

- Como assim, o Evzlet?

- Ele está nos fazendo terminar o jogo, mesmo que não queiramos...

Miguel surpreendeu-se com a resposta de Nayara. Lembrou do encontro com o monstro na noite anterior. “O jogo deve continuar. [...] Ou todos sentam e jogam, ou o jogo os perseguirá e jogará, querendo ou não. O prazo para escolha está acabando. E o Evzlet nunca para sem ter um vencedor.”, disse o monstro, na ocasião.

- Ele me disse isso... – disse o rapaz

- Quem? – perguntou Nathan

- Ele. Aquele monstro que apareceu pra gente no jogo. – disse Miguel. – Ele apareceu para mim na noite passada e disse que “o jogo deve continuar. Ou todos sentam e jogam, ou o jogo os perseguirá e jogará, querendo ou não. O prazo para escolha está acabando. E o Evzlet nunca para sem ter um vencedor.”

Nathan surpreendeu-se com a fala de Miguel.

- Isso explica tudo... – disse o rapaz. Percebeu os galhos vindo em suas direções – Vamos.

Nayara, Nathan e Miguel começam a correr, adentrando rapidamente nos espaços contidos entre as árvores e esmagando, a passos largos, os arbustos contidos no chão. Os galhos começaram a fechar o espaço entre as árvores, atrapalhando-os no caminho. Ademais, postaram-se a, eventualmente, atacarem-nos, obrigando-os a desviar.

- Eu tenho um mau pressentimento... – disse Nathan, enquanto todos corriam

- Do quê? – perguntou Miguel, ao seu lado

- Está muito fácil esse desafio do Evzlet... – ele disse – Não estou gostando disso...

Continuaram a atravessar as florestas. De repente, o trio escuta um estrondo logo à direita, como se algo incrivelmente pesado houvesse caído no chão.

- O que é isso? – se perguntou Nathan, em pensamentos

Nathan ainda tentou avistar o que era a fonte causadora do estrondo, entretanto, não logrou êxito. Estava com o coração afoito no interior do peito – possuía um grande mau pressentimento, e aquele estrondo só piorara.

Continuaram a correr e a desviar dos galhos, quando algo caiu muito próximo ao trio, à esquerda. Fez uma grande pressão no local, levando as árvores abaixo ao chão e causando um enorme estrondo. O que se encontrava próximo – como Nathan, Miguel e Nayara – foram jogados para trás, por uma forte corrente de vento. Por sorte, nenhum dos dois bateu em nenhuma árvore.

Nathan foi o primeiro a se mover após a queda. Procurou enxergar o que se tratava. Sabia que, no fundo, aquilo também era parte o jogo. Acreditou se tratar de um cometa ou algo do tipo, mas, ao fitar o que se tratava, sobressaltou-se, tamanha a surpresa.

Virou-se de costas, rapidamente. Visualizou algo, que o deixou de queixo caído, de tão estupefato estava.

- Meu... Deus!

Logo atrás do trio, havia um monstro gigantesco – de cerca de trinta metros de altura ou mais -, com silhueta humana, carrancudo, esverdeado, de aparência grotesca. Carregava, na mão direita, um bastão, com uma gigantesca bola de ferro ao fundo. Possuía três dedos em cada mão e pé e, nestes últimos, eram pontiagudos.

O monstro parecia irritado. Procurava constantemente no chão por algo – possivelmente para atacar.

Miguel e Nayara assentaram-se no solo onde se encontravam. Percebeu Nathan tremendo enquanto visualizava algo nos céus.

- O que foi, Nathan? – perguntou Nayara, enquanto se levantava. Estranhou o comportamento do rapaz e, logo após, fitou os céus

Nayara sobressaltou-se. O monstro começou a rodar o bastão que carregava em sua mão direita.

- Vamos. Vamos. Vamos. Depressa. – gritou a garota

Nathan levantou-se em um pulo. Miguel levantou-se mais vagarosamente, pois ainda não avistara o monstro. Percebeu a Nayara o que estava acontecendo, entretanto, não obteve resposta. Virou-se para trás e sobressaltou-se ao ver o dito monstro. Começou a correr com afinco.

Ao perceber o trio correndo pelo interior da floresta, o monstro começou a caminhar em suas direções. Cada passo dado era um estrondo ocorrido, além de desmatamento da floresta logo abaixo de seus pés.

Enquanto corriam, Nathan, Nayara e Miguel desviavam dos galhos que lhes atacavam – que, àquela altura, já se encontravam mais numerosos. Em um dado momento, um dos galhos tentou segurar a perna esquerda de Miguel que, surpreso, desviou-se. Todavia, perdeu o equilíbrio e foi ao chão.

Nathan e Nayara perceberam a queda de Miguel e rapidamente voltaram para lhe ajudar. Tentaram lhe postar de pé, enquanto o primeiro percebia a movimentação dos galhos. Colocaram-no de pé, antes de os galhos voltarem a atacar. Desviaram-se dos ataques e postaram-se novamente a correr.

Atravessaram alguns metros, com o monstro logo atrás e diversos galhos no entorno. Repentinamente, Nathan enxerga algo por entre as árvores – era um local com maior luminosidade.

“Uma clareira”, pensou. Felicitou-se.

- Olhem. – disse Nathan, apontando para frente – Há luz mais intensa ali. – pausa – Possivelmente é uma clareira.

- Verdade. – disse Nayara. – Vamos.

Correram até saírem do interior da floresta. Alguns galhos ainda tentaram lhe atacar, mas não lograram êxito. Entretanto, ao contrário do que Nathan acreditava, ali não era uma clareira – era um penhasco. À direita, havia um imenso precipício, com um enorme vale – tomado pela escuridão da noite, naquele momento - tomando conta do cenário – e uma cidade ao fundo. À esquerda, uma íngreme montanha. Ao centro, um fino corredor – cujo cumprimento não era superior a um metro – que margeava as curvas da montanha. Na primeira curva – à direita -, havia três pessoas, portando arcos. Tão logo visualizaram o trio, postaram-se a atirar-lhe flechas.

Nathan sentiu apenas uma flecha passar ao lado da sua orelha direita, dando-lhe um pequeno corte na região. Sentiu uma pequena dor localizada, como se fosse atingido por uma agulha. Levou a mão ao local e percebeu um pequeno filete de sangue escorrer. Nayara e Miguel conseguiram desviar das flechas que lhe foram desviadas.

O trio pensou em retornar ao interior da floresta – correr de peito aberto em um descampado com inimigos lhe atacando flechas do outro lado era suicídio -, entretanto, o monstro se encontrava demasiadamente próximo do final da floresta – e adentrar lá com ele perto igualmente era suicídio.

- Onde a Juliana normalmente fica é longe daqui? – perguntou Nathan, a Nayara

- Não é não. É logo atrás daquela pedra. – disse Nayara

- Certo. – disse o rapaz. – Então vamos.

Naquele instante, mais flechas foram soltas pelos arcos. Atravessaram o ar fazendo formato de abóbada, enquanto se dirigiram ao trio de desafiados. Estes escutaram o barulho do ar sendo atravessado e viraram os respectivos focos dos olhares, onde saltaram rapidamente para trás, distanciando-se um do outro, com o intuito de desviarem as flechas próximas a eles.

- É suicídio ir até o outro lado. – disse Miguel

- Não temos outro jeito. – disse Nathan. – Vamos.

O rapaz foi o primeiro a correr. Atravessou a passos largos o corredor entre a montanha e o precipício. Os inimigos viraram os arcos em sua direção, atirando-lhe um trio de flechas. Todavia, Nathan correu mais rápido, deixando as flechas para trás.

- Vamos. – disse Nayara, a Miguel

De repente, para suas surpresas, eis que sentem a terra vibrar logo atrás, ao mesmo tempo em que escutaram um estrondo na mesma região. Viraram-se para trás. Perceberam o monstro logo atrás deles, girando o bastão no ar, pronto para lhes atacarem. Sobressaltaram-se, tamanha a surpresa, e postaram-se a correr logo atrás de Nathan, a toda velocidade – motivados pelo desespero.

Àquela altura, Nathan já se encontrava próximo aos atiradores. Estes tentaram atacar-lhe, todavia, o rapaz foi mais rápido. Jogou o próprio corpo contra os três, jogando a todos no penhasco. Os três atiradores caíram, porém Nathan conseguiu se agarrar a um galho próximo da beirada do precipício. Tentava erguer o próprio corpo, para dali sair, e rezou para aquele galho não se transformar em um daqueles que lhes atacaram na floresta.

[continua]