Assombro

Aquela coisa me perseguia em meus sonhos. Me perdoe pela pressa, mas estou a um triz de enlouquecer agora, e quero relatar tudo isto antes que não seja mais possível.

Aquela coisa me perseguia em meus sonhos. Uma entidade que me enregelava até a alma, sem forma concreta, esfumaçante e de olhos macabramente avermelhados. Enquanto eu corria por aqueles campos de grama acinzentada, preenchido com árvores e vegetação morta, eu podia ouvir aquele som horrível se aproximando. Um canto tão macabro quanto Deus poderia permitir que fosse, que parecia estar vindo de longe e, ao mesmo tempo, partindo da minha própria cabeça. Era a voz daquela criatura que me perseguia durante dias nos meus sonhos, me chamando para fazer parte dela.

Eu sempre sei quando é um sonho, porque nos meus sonhos eu não tenho tatuagens.

Quando acordei naquele dia, eu resolvi pintar aquela figura horrenda em uma placa de madeira. Foi uma coisa rápida, usando tinta de caneta e cotonetes. Consegui representar bem a figura, e a coloquei sobre a mesa no meu quarto. Tudo fluiu normalmente naquele dia, e consegui até ficar mais calmo, até a hora em que novamente eu tive que adormecer. Eu estava correndo de novo, naqueles campos, e dessa vez a criatura estendia os braços para me abraçar. Eu estava exausto, e suas mãos pareciam ficar cada vez maiores se esticando até mim. Foi quando tropecei em uma raíz e caí de cara no chão, acordando em um pulo, suando frio. E aquele não seria o único susto que eu iria tomar naquela noite, porque quando eu olhei para o lado vi um vulto preto de pé ao lado da mesa observando o desenho e comecei a gritar em pânico pedindo socorro. Quando eu notei que o vulto simplesmente não se movia, eu corri até a porta e acendi a luz.

Era meu irmão.

Meu irmão estava acordado, vidrado naquele quadro. Eu me aproximei dele, e reparei que os olhos estavam vazios, arregalados e sem expressão. Chamei seu nome, e ele sem desviar o olhar me disse:

- Cara, que desenho lindo você fez!

Aquele tom de voz me fez cair no chão. Não só a voz dele estava assustadoramente fria, mas se assemelhava a voz que eu ouvia nos sonhos.

Eu acordo na minha cama novamente. Já é de manhã, e porra, eu não sei se o que aconteceu na noite passada foi verdade ou foi um sonho, porque não reparei nas minhas tatuagens. De qualquer forma, o quadro não estava mais na mesa do meu quarto, estava na mesa da cozinha. Quando eu desci para tomar café, minha mãe estava lá de pé ao lado do quadro me olhando, e começa a falar:

- Caíque, você que fez esse desenho?

- Sim.

- Você está bem? Pessoas normais não costumam fazer esse tipo de coisa. Quer conversar? De repente você pode ir para um psicólogo ou algo do tipo.

- Mãe, eu estou tendo alguns sonhos estranhos... e eu vejo esta criatura... espera um pouco...

- Você quer conversar? Você quer conversar? Você quer conversar? – Minha mãe começa a repetir, enquanto sua voz começa a mudar, e eu tenho a impressão de que seus olhos estão mudando.

- Essa voz...

- Precisamos conversar Caíque. Você. Bem. Está? Pessoas. Pessoas. Normais. Quer conversar?

Eu corri até o meu quarto e tranquei a porta, e estou aqui até agora escrevendo esta carta. Meu braço... as tatuagens estão aqui. Já não sei mais... o que está acontecendo. Vou deixar isto aqui, sendo realidade ou não, alguém precisa saber.

Foto:

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