Festa Animada Banhada a Sangue

Era início de tarde. O genial detetive vienense Guilherm Friederich Fritz, franzino, de cabelos leve-mente avermelhados e portador de óculos, usando seu eterno companheiro, um sobretudo preto, sentava-se de frente a seu computador, enquanto esperava a comida “assentar no estômago”. Visualizava seus e-mails e suas páginas sociais; como estupendo detetive que era, seus serviços eram mui cogitados. Próximo a ele, na própria sala de estar de sua casa, estava o russo Alexandre Kajre , um homem levemente robusto, cabelo preto, portador de um bigode unido a um cavanhaque e portando roupas casuais, o eterno ajudante de Fritz. Kajre estava mexendo no rádio, a fim de achar uma boa estação. Achou e deixou-a no ponto. O locutor estava anunciando no momento a música mais pedida e mais tocada nas rádios nos últimos tempos, a música “Festa Animada”, de um grupo chamado Lukfaer .

- Sempre essa música... – reclamou Kajre, deslocando de perto do rádio

A música começou a tocar na rádio. Parecia animada. Tinham vários cantando a letra, de forma coesa.

- Mude a estação, oras! – disse Fritz, sem tirar os olhos do computador

- As outras estações estão falhando. – respondeu Kajre

Fritz ficou em silêncio por um instante, enquanto continuava a mexer no computador.

- Não entendo porque o povo gosta tanto dessa música. É só mais uma “modinha” por aí!

Fritz nada respondeu. Seus olhos estavam fixos no computador.

- Guilherm... – nada – Guilherm... – nada. Kajre desiste de chamar pelo amigo e vai até a frente do computador. – O que está vendo, Guilherm?

- Estou vendo meus e-mails! – respondeu Fritz. Repentinamente, o detetive parou. Parecia surpreso. – Veja, Alexandre!

- O que foi?

Fritz apontou a seta do mouse em cima de um e-mail. O nome era chamativo e estranho. “Ajude o povo, Fritz. Festa Animada Satânica”

- Ajude o povo, Fritz. Festa Animada Satânica... – leu Kajre – Será que faz relação à música “Festa Animada” ou será que é uma festa animada?

- Vamos ver... – respondeu Fritz. O detetive clicou com o mouse para abrir o e-mail. Estava escrito na carta:

“Caro Fritz,

Meu nome é Cláudio e venho através desse e-mail pedir encarecidamente que ajude, não somente a mim, mas a toda nação. A música ‘Festa Animada’ do grupo Lukfaer é satânica...”

- Realmente... – disse Alexandre. Guilherm o encara torto.

- Que é? – perguntou Kajre, fitando Fritz, que meneia negativamente a cabeça e depois volta a fitar o computador e a ler sua estranha carta recebida.

“..., faz alusão ao Diabo. Repare no vídeo, na coreografia, na letra da música. É mais do que certo que ela não é apenas mais uma música ‘da moda’. Ela hipnotiza a todos, sua letra vicia, sua coreografia vicia, ouvi-la uma vez ou vê-los dançando uma vez já lhe faz cantá-la ou dançá-la o tempo inteiro.

Uma grande prova da adoração ao Diabo da música é o crescente número de suicídios sanguinários ocorridos pelo país, desde que a música tornou-se famosa.

Por favor, Fritz, sei de sua capacidade de dedução; prove ao mundo a malevolência da música ‘Festa Animada’.

Encarecidamente,

Cláudio Menezes”

Abaixo da carta, havia um vídeo. Fritz clica no botão de “start” e o vídeo começa a tocar. Parecia ser um clipe, ou as filmagens de um show. Eram cinco jovens, com seus aproximadamente dezoito ou vinte anos, cantando, sem usar microfone, sobre um palco. Enquanto cantavam, os jovens dançavam. As pessoas que acompanhavam o show faziam as mesmas coreografias, de forma harmônica, com os vocalistas.

A letra da música era:

“Você que anda sozinho pelas ruas

Você que está triste e solitário

Venha se divertir, venha para a festa animada

Kuy cloye asharb di Lukfaer

Pur quia clay wyuth saab oshbe

Klurb; karbt inenamete dase Muyusthren

In´dadadide daasharb dosviab heternum”

Todo mundo dança conforme a banda

Todo mundo canta a letra da música

Faça parte do ‘Todo mundo’

Não seja um simples alguém na vida

Venha para a festa animada

Kuy cloye asharb di Lukfaer

Pur quia clay wyuth saab oshbe

Klurb; karbt inenamete dase Muyusthren

In´dadadide daasharb dosviab heternum”

A música repete várias vezes durante o clipe, que possui quase 5 minutos. Durante o estranho refrão, o grupo fazia uma coreografia mais elaborada. Primeiro, rodavam os braços e mãos de uma forma como se estivesse rejeitando algo três vezes seguida, depois o grupo levava a mão esquerda ao ombro direito e depois vice-versa, fazendo um “X” com seus membros no centro do peito. Rebolavam e esticavam o braço esquerdo para frente, em seguida o braço direito. Balançavam horizontalmente a mão duas vezes em frente ao pescoço – primeiro a mão esquerda, depois a direita. Por fim, levantavam o braço esquerdo, depois o braço direito e batiam palmas, antes de fazer um movimento com o braço como se lançassem algo para o céu, duas vezes.

- Não acredito que perdi meu tempo lendo isso... – disse Fritz, desapontado e levemente irritado – É cada uma que me aparece! Música satânica! Há! – reclamou

- Realmente o número de suicídios aumentou! – disse Kajre

Fritz fitou seu amigo.

- Não vai me dizer que você acreditou no e-mail?

- Claro que não! – disse Kajre, irritado com a pergunta do amigo.

Fritz se levantou.

- Vai fazer alguma coisa em relação ao e-mail? – perguntou Kajre

Guilherm parou por um instante, de costas para o seu amigo. Respirou fundo, pensativo. Em seguida, respondeu:

- Não!

Voltou a caminhar.

- Mas bem que parece ser demoníaca!

- Só porque ela tem um refrão em um idioma desconhecido e que faz meio mundo cantá-la e dançá-la, não significa necessariamente que seja diabólica! – disse o detetive, fitando Kajre – É só mais uma daquelas correntes...

- Será realmente? Não é comum fazer refrãos em idioma desconhecido...

- Você realmente acreditou naquele e-mail, não é?

- Sim e não!

- Imaginei... – Fritz deu as costas a Kajre

- Não vai escutar o porquê da minha resposta?

- Não tem necessidade! – respondeu Fritz, sorrindo – Você quer que eu acredite no e-mail para eu provar a todos que a “Festa Animada” é demoníaca e, assim, acabar com seu sucesso... estou certo ou estou errado? – perguntou, virando para Kajre, mostrando seu sorriso

Kajre ficou espantado e boquiaberto.

- Como... fez... isso?

- Há mais coisas entre o céu e a terra do que as pessoas podem imaginar, meu caro Alexandre! – disse Fritz, enquanto arrumava seus óculos

- Tem vezes que eu me esqueço de que estou falando com o maior detetive dedutivo do mundo...

- Sem bajulações, Alexandre, que sua comissão não vai aumentar! – disse Guilherm, fingindo estar sério, dando as costas ao amigo

Kajre olha irritado para Fritz, não por ele dizer que sua comissão não vai aumentar, mas sim por acreditar que o bajulara para este fim.

Voltando ao estado normal, Kajre perguntou:

- Vai fazer alguma coisa em relação à música, Guilherm?

Fritz respira fundo. Iria responder algo que não queria, mas acabou assim fazendo. Responder de outra forma só iria prolongar a conversa.

- OK, OK, eu vou fazer. Vai ter show do Lukfaer aqui na cidade daqui a alguns dias, segundo os anúncios na cidade. Nós vamos nele investigá-los. Eu, você e o tal do Cláudio! Está bom para você?

- No show?! – perguntou Kajre, surpreso – Não tem outro jeito, não?

- Não! – respondeu Fritz – O vídeo nada tem de mais! – continuou – E o melhor lugar para ver a reação do público é no próprio show!

- E se o Cláudio não quiser ir ao show?

- Ele tem que ir! – respondeu Fritz, enquanto caminhava em direção a seu computador. – A menos que não queira a “veracidade” dos fatos! – completou, enquanto se sentava de frente ao aparelho e começou a digitar algo.

- Está escrevendo o quê?

- Estou respondendo o e-mail do Cláudio!

Kajre espichou o pescoço para ler o que Fritz escrevera.

“Caro Cláudio,

Aqui é o detetive Fritz. Obrigado pela gentileza de procurar-me. Depois de muito discutir sobre a veracidade dos fatos e por muita insistência do meu assistente Alexandre Kajre, resolvi aceitar seu pedido.

Para começar a análise, pedirei a sua presença no próximo show do grupo Lukfaer nesta cidade, que será realizado nos próximos dias. Esteja presente em frente ao estádio onde será realizado o show do grupo, uma hora antes do início do espetáculo. A sua investigação custará $65.000,00.

Se, por ventura, desistir da investigação, favor avisar-me por antecedência. Uma vez iniciado o trabalho, a investigação será cobrada mesmo com sua desistência.

Grato,

Guilherm Friederich Fritz”

- Você vai cobrar dele? – perguntou Kajre, surpreso

- Claro! – respondeu Fritz, enquanto se levantava – Não sou altruísta...

- E será que ele vai querer?

Repentinamente, um barulho veio do computador. Os dois fitaram a tela do aparelho. Fritz havia recebido um novo e-mail.

Guilherm fitou Alexandre e lhe disse, enquanto voltava a se sentar:

- Parece que sim!

Era uma noite fria. Os ventos cortavam a pele das pessoas que estavam na rua, mesmo estas estando fortemente protegidas.

No interior de um estádio de futebol, estavam Fritz, Kajre e mais um homem, de pele branca e protegido com gorro, cachecol e um par de blusas e calças. Kajre estava com roupas de frio, enquanto Fritz portava seu eterno companheiro.

- Ainda acho que não é uma boa ideia estarmos aqui! – disse o homem. Parecia nervoso e trêmulo.

- Você já reclamou isso umas trinta e cinco vezes, Cláudio! – disse Fritz, levemente irritado, enquanto o grupo achava um espaço para passar entre a multidão

- E por que tem que vir no show para saber se a música é satânica ou não? Vamos acabar sendo hipnotizados! – disse Cláudio

- Eu disse isso a ele, mas ele não me ouviu! – disse Kajre

- Parem de reclamar os dois. Ninguém será hipnotizado. Seria ridículo vê-los dançar como os garotos do grupo! – reclamou Fritz. Kajre e Cláudio ficam irritados. O detetive continuou seu reclame – Além do mais, aqui é o jeito mais fácil de investigar. Em um clipe, tudo pode ser alterado para ficar como desejarem, mas, em um show, isso é impossível!

Kajre e Cláudio ficam em silêncio.

- Faremos o seguinte – retomou a palavra Fritz, fitando seu assistente – Você e Cláudio vão ficar aqui, e irão investigar a reação das pessoas e o palco! Enquanto isso, eu irei investigar o camarim do grupo!

- Como irá se infiltrar no camarim?

- Evasão é um dos atributos de um detetive, Kajre! – respondeu, apenas.

- Tome cuidado!

Fritz abriu um sorriso.

- Eu irei escutar seus conselhos, Alexandre. Pode ficar tranquilo!

Repentinamente, para surpresa do grupo e delírio geral das pessoas, os cinco integrantes do grupo Lukfaer aparecem no palco. Era o início do show.

- O camarim está vazio. É hora do show! – Kajre e Cláudio fitam torto o detetive – Desculpa, não foi por querer! – a dupla meneia a cabeça de forma reprovável, constrangidos.

Fritz se afasta da dupla, enquanto estes se separavam um do outro. Kajre foi para frente do palco, enquanto Cláudio ficava nos fundos. Assim, iriam analisar a reação do público de forma diferenciada à exposição da música.

Assim que chegou de frente ao palco, Kajre sente seu celular vibrar. Retirou do bolso. Viu ser uma mensagem de Fritz. Abriu-a.

“Vou me contatar contigo desta forma”, era sua mensagem.

“OK”, respondeu apenas.

- Será que tem alguma coisa demoníaca nessa banda? – se perguntou Kajre, enquanto investigava o palco com os olhos, a primeira vista normal

Fritz caminhava pela arquibancada em direção aos vestiários, onde estavam funcionando os camarins. Percebeu haver diversos guardas logo na entrada. Percebe, naquele instante, não haver como entrar nos camarins sem ser visto. A menos que...

O detetive remove da cintura uma pistola e atira para o alto. O barulho foi minimizado ao máximo pelo som do show, entretanto, os guardas escutaram. Cinco deles apareceram na entrada do camarim, perguntando para a plateia:

- Onde foi esse tiro? Vocês sabem?

- Foi para lá! – disse Fritz, apontando para outro lado da arquibancada, próximo a ele

A plateia que se encontrava em sua volta nada contestou. Nem parecia assustada por alguém ter atirado, de tão compenetrados no show estavam.

Os guardas saíram correndo iguais a loucos em direção à apontada pelo detetive. Tão logo o quinteto saiu do local, Fritz fitou o corredor que dava ao vestiário. Vazio. O detetive saltou no local e saiu correndo o mais rápido que pôde.

Saiu procurando onde era o camarim do grupo, principalmente do líder da banda, Jack Oclazie . Se a banda fosse satânica, com toda certeza, a influência maior seria de Oclazie, já que a banda era dele, o nome e as músicas principais foi ele quem as criou.

Fritz continuou procurando. Encontrou uma porta escrito “Jack Oclazie” do lado de fora. Imaginou ser do líder. Abriu a porta. Era um local diminuto, transformado em camarim para o show do Lukfaer. Havia um espelho com um balcão em frente à porta, um sofá à esquerda, junto a um guardarroupa. Por todos os lados, pôsteres do líder da banda, normalmente fotos mostrando-o seminu, reforçando a ideia da beleza corporal. Fritz ficou enojado diante de tanto narcisismo.

- Vamos logo para o serviço! – disse

Começou a procurar pelo camarim por alguma coisa que pudesse provar ao mundo de que Oclazie era satânico. Daí, era só provar que a banda era satânica.

Investigou o balcão, as gavetas, o guardarroupa, e nada. Fritz nada achou. Continuou a procurar. Repentinamente, por puro acaso, enquanto abaixava a cabeça para procurar sob o sofá, fitou de relance uma das diversas fotos de Jack na parede, e percebeu que o mesmo portava no pescoço um estranho colar. Era redondo, grosso e cinza, tinha um desenho de um pentagrama com linhas avermelhadas e um obelisco no encontro das linhas.

- Já vi esse desenho em algum lugar... – disse, pensativo, tentando se lembrar de algo

Bateu com a lateral da mão direita, fechada, na palma da esquerda, aberta. Havia se lembrado de algo.

- É claro... – disse. – Kayuyugi!

Continuou sua conversa enquanto andava pelo quarto, sem rumo.

- Será que o Oclazie pertence à ordem dos Kayuyugi? – ficou em silêncio por um minuto. Retirou do bolso seu celular. Digitou uma mensagem endereçada a Kajre:

“Kayuyugi, Alexandre. Parece que Jack Oclazie, líder da banda, pertence à ordem dos Kayuyugi”

Enviou a Kajre. Enquanto aguardava resposta, entrou na internet pelo seu celular e ficou procurando sobre a ordem.

- O que eu sei é muito pouco para deduzir algo... – disse, a si mesmo.

Investigou na internet sobre os Kayuyugi. De modo resumido, descobriu a crença dos seus membros em assuntos ocultistas. Creem também no Demônio bíblico, chamado por eles de Lúcifer. Entretanto, a crença principal dos membros da ordem dos Kayuyugi é mais tétrica: a seita acredita em suicídios coletivos, que devem correr o líquido que significa o fluxo da vida para que sua alma seja entregue a Lúcifer. Assim, se todos fizessem esse ritual de passagem, a Terra se tornaria livre de seu maior algoz e os humanos pagariam seus pecados no Inferno.

Fritz ficou chocado com a descoberta. Oclazie, líder da banda de maior sucesso do mundo momentaneamente, acredita em assuntos sanguinários. Entretanto, aquilo não provava a teoria de Cláudio. Jack era sanguinário; a banda ser já era outros quinhentos.

Continuou a procura sobre a Kayuyugi. Fez duas descobertas simultâneas: primeiro, descobriu que o nome da ordem, em um idioma antigo chamado “ikrish”, reutilizado hoje só pela ordem, é “Mal”. A segunda descoberta é que o lema do grupo é: “Lukfaer an mur yukrush”. Não faria nenhum sentido as descobertas de Fritz se uma delas não citasse um idioma desconhecido por todos e a segunda o nome da banda de Oclazie.

- Isso está ficando mais estranho do que imaginei... – disse

“Um idioma desconhecido...”, veio à sua memória. “Será?”, se perguntou. Ficou parado, sem se responder, por uns segundos. “Não... é só coincidência”.

Ficou em silêncio por mais alguns segundos. Respirou fundo. “Vou ter que investigar isso. É a prova final”.

Sentou-se no sofá e procurou na internet a letra da música “Festa Animada”, copiou o refrão indecifrável da letra e colocou em um site de tradução. Traduziu os quatro versos de ikrish para português, e quase sobressaltou quando leu a tradução. Arrumando os erros de português e colocação provindos da tradução, traduziu-se como:

“Doe seu sangue a Lúcifer

Para que sua alma seja salva

Mate-se; morra em nome do Prometido

E obtenha o sangue da vida eterna”

Repentinamente, veio à mente de Fritz, como em um flashback a coreografia da banda Lukfaer no refrão.

O detetive levou a mão à boca.

- É claro... – disse, enquanto se levantava involuntariamente do sofá – Por que eu não pensei nisso antes? Era claro que a coreografia indicava algo satânico...

“Doe seu sangue a Lúcifer”, o movimento de abandono de algo do corpo; “Mate-se; morra em nome do Prometido”, enquanto passava a mão em frente ao pescoço, em sinal de degolação; “E obtenha o sangue da vida eterna”, o movimento de como estivesse lançando sua alma para os céus, ou seja, morrendo, deduziu o detetive.

Fritz socou a parede com ódio.

- O Cláudio tinha razão... – disse, horrorizado. Repentinamente, seu ódio apaziguou-se; lembrou-se de algo.

- Cláudio... Kajre... – lembrou-se - ele não respondeu à minha mensagem.

Fritz saiu correndo até a porta. Abriu uma nesga e espreitou o corredor. Havia cinco guardas na entrada do corredor, virados de costas para ele. Saiu do camarim, fechou a porta com extremo cuidado e andou pelo corredor sem fazer qualquer barulho. Sem os guardas verem, subiu na arquibancada. Achou estranho nenhum deles virar, mesmo quando estava a poucos centímetros deles, mas não reclamou. Voltou ao local que estava anteriormente. Entretanto, naquele momento, percebeu algo de diferente: toda a plateia estava paralisada, com olhos inertes ao centro do palco. Fritz passou a mão em frente aos olhos de um deles, em vão. Socou sua barriga, mas o homem continuou estático.

Olhou para o ponto fixo onde todos estavam olhando: o centro do palco. Não havia nada. Nem instrumentos nem pessoas. Menos um problema para resolver, principalmente por ser um homem andando quando deveria estar estagnado, como os demais.

Correu em direção ao gramado, para procurar Kajre e Cláudio. Como o silêncio imperava no estádio, teve uma ideia para facilitar a procura de seu amigo. Retirou do bolso seu celular e discou para Alexandre. Um celular começou a tocar no local, quebrando o silêncio. Só poderia ser o de seu assistente.

Avistou Kajre, parado, fitando o palco. Chegou ao seu lado e começou a balançá-lo e a gritar seu nome. Repentinamente, para seu espanto, de forma uníssona, todos gritavam: “Lukfaer. Lukfaer”.

- Não é o nome da banda... – disse Fritz. “Lúcifer, Lúcifer”, era assim que Guilherm escutava todos gritarem.

Virou o rosto para Kajre ao percebê-lo também gritando. Sacolejou seu amigo enquanto gritava por ele.

- Acorde, Alexandre. Acorde!

De repente, todos começaram a andar em direção à saída do estádio, gritando o nome diabólico. Entretanto, para azar do detetive, alguém lhe golpeou no ombro direito, empurrando-lhe ao chão. Não seria muito problema, se estivesse a um passo de ser pisoteado, e seus óculos não tivessem saído de seu rosto.

- Só me faltava essa... – reclamou, enquanto tateava o chão à procura de seus óculos

Além de evitar ser pisoteado vivo, Fritz ainda procurava seus óculos. Estava desesperado, porque sabia que perdera de seu amigo.

- Depois falam porque prefiro lentes a óculos! – reclamou.

Achou seus óculos e o colocou no rosto, voltando, assim, a enxergar perfeitamente. Olhou em volta. O estádio estava vazio.

- Merda! – reclamou – Alexandre!

Correu em direção à saída do estádio. Chegou ao local e viu uma cena um tanto peculiar: no barranco do fim da rua, havia um aglomerado, que diminuía seu contingente a cada segundo.

- Isso está pior do que imaginei. Será que os shows da Lukfaer sempre terminam assim? – se perguntou. Corria em direção ao barranco.

- Espero que o Alexandre não tenha pulado! – disse.

No meio do caminho, começou a ficar ofegante.

- Nunca mais eu abro meus e-mails... não é de se esperar que um gentleman corra!

Quase enfartando, Fritz chega ao grupo que estava na beira do barranco. Começa a atravessar o grupo, à procura de Kajre. Avistou-o, na beirada do precipício. Correu como um insano em sua direção, gritando seu nome. Chegou à sua frente. Segurou-o; Kajre estava prestes a pular.

Começou a sacolejá-lo, enquanto dizia, em tom de desespero:

- Pare com isso, Alexandre. Acorde. Acorde!

A conduta de Fritz, no entanto, foi em vão; Kajre não ameaçava pular, entretanto, continuava hipnotizado.

- Só há um jeito! – pensou. – “Lukfaer acresh di tlatus: wyuth dids skyth, hovin criashab ” - gritou

Todas as pessoas que se encontravam em volta do barranco, com exceção de Fritz, foram ao chão, em profundo estado de sonolência.

- Consegui... – disse o detetive, em tom de alegria

- Você atrapalhou tudo! – disse alguém, atrás de Fritz. A pessoa parecia muito irritada.

O detetive virou-se de costas. Os cinco integrantes do grupo Lukfaer se encontravam logo em seu encalço. À frente, Oclazie.

- Parece que sim... – disse Fritz, sorrindo

- Como ele fez isso? – perguntou outro dos integrantes. Parecia surpreso com o ocorrido.

Fritz abriu um sorriso.

- Foi fácil! – disse – Era mais do que óbvio que um dos seus vários fãs adolescentes descobriria o ladro negro do grupo e iria colocar em seus blogs a descoberta, apesar de o mesmo nunca iria ser levado a sério, pelo menos não por todos. Assim, foi fácil descobrir o ideal de vocês e, também, o idioma que vocês utilizam para dar suas ordens pós-hipnóticas - o ikrish, que nada mais é que o antecessor de um idioma atual chamado ashrab, conhecido por muitos estudiosos como eu!

- Você realmente é digno de ser considerado o maior detetive dedutivo do mundo, Fritz! – disse Oclazie. Parecia sorridente, mas não estava feliz.

Os demais membros da banda se surpreendem ao ouvir o nome do famoso detetive.

- Obrigado, mas aqui não é hora nem lugar para elogios!

- De fato...

- Por que está no caso, Fritz? - perguntou o integrante da Lukfaer que já perguntara

- Um cliente meu, que infelizmente está morto e não mais vai poder me pagar pelo serviço, me contratou para investigá-los, e acabei tendo de vir ao show de vocês, mesmo a contragosto.

- Esteve no show? – perguntou Oclazie. Estava surpreso. – Como evitou a hipnose?

- Seu camarim é antissom! – respondeu, apenas

- Entendo... – parecia pensativo – Entretanto, não vai fazer diferença você ter sido hipnotizado ou não! – o líder começou a andar em direção a Fritz. Os demais vieram logo atrás.

- Errado... – disse Guilherm, enquanto retirava seu celular do bolso. Apertou alguns poucos botões e ergueu o aparelho.

“Kyodai dasa onirice nefasta, kajiri

Inidai did archaich dasa cloy churche

Lukfaer kakigi ine cloye inenamete,

Indai inolokattalin” , disse o aparelho, com voz do próprio Fritz. Não estava cantada, parecia um pronunciamento.

- Como você… - perguntou Oclazie. Parecia temer algo. Não somente ele, mas todos da banda Lukfaer.

- Eu gravei só por desencargo de consciência. Nunca imaginei que seria útil! – respondeu Fritz

Todos que se encontram dormindo começaram a se levantar. Pareciam zumbis, pois continuavam sob efeito de uma hipnose. Enquanto todos se levantaram, vagarosamente, os membros da Lukfaer começaram a retroceder, no mesmo ritmo.

Quando todos já estavam de pé, os integrantes de Lukfaer saíram correndo. Os hipnotiza-dos correm atrás dos seus algozes, a toda velocidade. Eram rápidos, fortes e sagazes, pareciam extremamente dispostos a cumprir a ordem proferida por Fritz.

A polícia estava em todos os lugares em volta do estádio. Carros e mais carros tomavam conta da paisagem. Todos aqueles outrora hipnotizados estavam juntos, conversando com meia-dúzia de policiais. Fritz estava afastado de todos, conversando com um policial senhor de cabelos grisalhos e barriga sobressalente.

- Obrigado por ter ajudado a população de nosso país, Fritz. Estamos imensamente gratos! – o senhor estica o braço direito

- De nada, senhor delegado. Só fiz o meu trabalho! – disse Guilherm, cumprimentando o senhor

O delegado estende a Fritz um envelope lacrado.

- O que é isso? – perguntou, já com sua posse

- Uma pequena retribuição! – disse o delegado.

O senhor parte do local. Fritz analisava os escritos do envelope. Kajre aparece no local.

- Obrigado por ter salvado minha vida!

- Sei que faria o mesmo por mim! – disse Fritz. Os dois começam a andar. – O único problema é que quase enfartei, de tanto correr!

Kajre gargalha.

- Um gentleman nunca corre! – disse, entretanto, no meio da frase, Fritz completou-a junto. Em seguida, os dois gargalham.

- Pena que ficamos sem receber... – disse Kajre

- Ah, há! Engano seu! – disse Fritz. Estava feliz.

- Como?! – Alexandre parecia surpreso.

Guilherm abre o envelope e retira de seu interior uma enorme quantidade de notas.

- $ 1.000.000! – disse o detetive

Kajre fica bastante surpreso.

- Como conseguiu isso tudo? – perguntou

- O delegado da cidade me pagou como gratidão pelo trabalho realizado!

- Bom...

- Muito bom! – completou Fritz

- Bom que vamos poder jogar durante um bom tempo!

- Nem vem, Alexandre! – disse Fritz – Quem recebeu o dinheiro fui eu. Você ficou hipnotizado o tempo inteiro. Nem me ajudou a solucionar!

- E quem deu o golpe final na banda? Quem? Você ficou lá, parado, enquanto eu e o resto do povo fizemos a parte pesada.

- Parte pesada?! Eu que salvei vocês de pular do precipício, aprendi o ikrish para tirar-lhes do encanto, descobri o podre da banda, enquanto isso, você estava hipnotizado, dançando “Festa Animada”. Nem vem, Alexandre. O dinheiro é meu, e não vou permitir você gastar tudo em jogos.

- Eu quero minha parte, Guilherm! – Alexandre tenta pegar o envelope da mão de Fritz, mas este foi mais ágil e saiu correndo.

- Se quiser, vem pegar... – disse o detetive. Ele e Kajre não pareciam irritados um com o outro.

No dia seguinte, todos os jornais tinham em suas respectivas capas a mesma mensagem:

“INTEGRANTES DO GRUPO LUKFAER PRESOS,

DESCOBERTA SANGUINÁRIA FEITA PELO FAMOSO DETETIVE GUILHERM FRIEDERICH FRITZ”