Vingança de palhaço DTRL 21

Eu poderia estar na minha casa, vendo um filme romântico, ao lado de um barril de sorvete, recordando e chorando por todos aqueles momentos ao lado do meu ex. Mas, ao invés disso, estou sentada na segunda bancada de um circo. Sem graça!

Ainda não sei como permiti que Paul me convencesse a vir a um lugar como este. As pessoas gritam e pisam nos pés umas das outras. A pipoca no meu cabelo e a gritaria nos meus ouvidos é o que mais me irrita. Não. Definitivamente, o que mais me irrita é aquele cara de cabelos vermelhos no picadeiro.

A moça ao meu lado também me assusta, ela esta rindo descontroladamente, assim como o restante da plateia. Os gritos das crianças empolgadas até me animam, mas, é olhar de novo aquele cara vestido de azul no centro do palco, que tudo o que posso fazer é revirar os meus olhos.

O nome do palhaço é Fanfarra. Um mico total!

Como eu disse, ele estava vestido de azul e com uma cabeleira vermelha. Não é assustador, é cômico. Vou ser sincera...

Talvez as pessoas achem que é medo, mas, não é. É um não gostar mesmo. Detesto palhaços, detesto, detesto... Enquanto me divago em pensamentos, Fanfarra cai de bumbum no chão. A plateia vai à loucura e se levanta em um movimento que também me deixa irritada.

Fala sério! Quem teria medo de uma criatura tão patética?

Parece que Paul me deu um bolo, não virá me encontrar coisa nenhuma.

A plateia ainda está histérica, balões voam por todo o lugar e baldes de pipocas estão revirados. Aqui está um dos motivos de me trancar em casa no sábado à noite, odeio multidões desesperadas. Ao contrário da plateia, o único movimento que faço é com a cabeça, negativamente.

De repente, o barulho se foi, não ouço mais nada. Deixo de me concentrar no celular e quando ergo os meus olhos todo mundo ainda está de pé... Calados. O palhaço também está calado... Ainda está no centro do palco. Tudo igual! Não. Há uma diferença: seus olhos agora estão única e exclusivamente voltados para mim.

Aqueles segundos, míseros segundos, confesso, até me deixam um pouco intrigada. Então, tudo que se houve no salão é sua risada estridente que logo é acompanhada pela multidão. Não vi graça nenhuma.

Mas, aqueles olhos...

O espetáculo continuou. Cada coisa mais idiota que a outra, flores que esguicham água, quedas não espontâneas... Tão chato! Eu poderia ter ido embora, mas, por algum motivo, não fiz isso. Minutos depois, tudo ainda estava na mesma, mas, eu estava com sono e percebi que a plateia estava se esvaindo, o “show” finalmente tinha acabado.

Estava me retirando, quando uma mão tocou meu ombro. A mão coberta por uma luva branca causou uma leve suspeita, que se confirmou quando meus olhos estavam mais uma vez nos olhos dele. Não havia mais ninguém ali, exceto por mim... E o palhaço.

-Você tem medo de palhaços?

-Não. Não é medo.

-Sabia que, na plateia, apenas você não estava rindo?

-Eu... – Não me importei em responder, mas, nem poderia, ele estava gargalhando feito louco. Não gosto de pessoas felizes demais... Virei-me para sair e, no minuto seguinte, senti uma dor insuportável na cabeça. A névoa diante dos olhos não permitiu que visse nada, apenas que sentisse o baque no meu corpo no chão.

Estava amarrada...

Seguindo a ordem natural dos acontecimentos, acordei, me percebi amarrada a uma cadeira, tentei gritar. Apenas tentei, pois estava amordaçada. Eu tinha consciência de onde estava, parecia um calabouço antigo, mas, por todo o lugar, se conseguia ver aparatos de espetáculos circenses. Acho que já mencionei o quanto odeio circos e tudo neles.

A próxima coisa que vi foram os olhos acinzentados de Fanfarra, o seu nariz ridiculamente vermelho e a cara pintada de branco. Patético e sem nenhuma criatividade, ainda por cima, agora, assustador.

-Deixe que eu tire uma gargalhada de você.

Desgraçado! E essas risadas macabras? Estão me torrando as últimas centelhas de paciência, ele tirou a mordaça e nem consigo mensurar todos os insultos que joguei pra cima dele. Mas, não aconteceu nada, por que ele ainda estava diante de mim e eu queria matá-lo. Hoje, estava mais para o contrário.

-Eu vou matar você de rir.

-Não vejo como. – Eu podia imaginá-lo caindo de bunda no chão de novo e nenhuma risada sarcástica escapava dos meus lábios. Mas, então, Paul estava diante de nós dois, amarrado a uma roda, como aquelas usadas pelos atiradores de facas. Meu desespero aumentou quando vi facas sobre uma mesa próxima. Paul era meu irmão, o único rapaz de uma geração cinco filhos. Estávamos ferrados!

Fanfarra girou a roda em grande velocidade, Paul gritou desesperado. Mas, doeu em nós dois quando a primeira faca lhe atingiu, não sei onde. Gritei, era a única coisa que poderia ser feito, mas, ninguém nos ouviria, ninguém... Na sala, além dos nossos gritos, cada vez que uma faca atingia o meu irmão, também se ouvia as gargalhadas dele. Uma música de fundo também começou a tocar, mas, parecia trilha sonora de filme de terror. Eu não sabia mais o que era lágrima e o que era suor no meu rosto, pelo choro e pelas tentativas de sair dali.

-E agora? Está gostando do show?

-O que é que você quer? – Ele passou a mão enluvada pelo meu rosto, mas, eu senti asco ainda assim.

-Porque não está sorrindo? Você devia sorrir... – Meu desespero apenas crescia à medida que o sangue de Paul escoava pelos meus pés descalços. Seu silêncio disse a mim que ele... Ai, não... Isso é tudo minha culpa. Não, a culpa é desse palhaço.

“Quem teria medo de uma criatura tão patética?”

Agora eu tenho.

Se ele apenas me matasse de uma vez, mas, algo fazia com que eu tivesse certeza de que não seria assim.

O vermelho do sangue agora estava espalhado pelo rosto, pelos meus braços nus e pelo meu cabelo loiro. Cortesia dele... Nojento. Mais lágrimas desesperadas. Ele queria que eu sorrisse, mas, eu não poderia fazer isso. Até tentei fingir, mas.

O choro era a única coisa que não me abandonava, a esperança se foi junto com a vida de Paul. Fechei os olhos por algum tempo e quando os abri novamente havia pessoas na minha frente. Não. Não pessoas, mulheres, cadáveres! Corpos, mutilados, e Fanfarra ao lado deles gargalhando.

-Você vai ser a mais bonita delas. Minha bonequinha!

-Não, por favor!

-Você foi uma garota má hoje, precisa ser castigada. – Percebi que cada uma das mulheres estava sorrindo, não espontaneamente, seus lábios haviam sido cortados, ampliados, bonequinhas sorridentes...

“Não, Clara, não acredito que está com medo de palhaços, aquelas pessoas tão inofensivas e de bons sentimentos.” Ah, Paul, se você soubesse disso, certeza de que não teria dito nada. A roda já parou de girar e, infelizmente, não me senti melhor por isso. Ainda me esforçava para sair daquela prisão.

-Pare, bonequinha! Não vai doer muito... Ou será que vai? – Vi ainda uma navalha em sua mão, e pelo corte na garganta dos cadáveres, talvez ele tivesse pena e me matasse antes. O que já seria ótimo a essas alturas. Ele largou o corpo e veio em minha direção, navalha na mão, respirei fundo para encarar o que quer que fosse ele planejava pra mim. Ergui o queixo e esperei... Esperei, afinal, sou objeto de vingança de um palhaço. O que esperar disso?

Quando a navalha tocou minha pele e se afundou na minha garganta, percebi a respiração se ausentando. Sua gargalhada ainda ecoava pela sala e ampliava os poucos ruídos que eu conseguia distinguir. E ela ainda me irritava.

Aconteceu mais rápido do que eu esperava... E só por um fio de momento, eu sabia que enquanto a risada não morria em sua garganta, a vida morria em mim...

Tema: #Palhaços

Daniela Lopes
Enviado por Daniela Lopes em 27/03/2015
Reeditado em 01/04/2015
Código do texto: T5185357
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