Lua Cheia

O vento soprava nas árvores e os galhos se agitavam, como querendo disputar espaço na dimensão sonora daquele momento. O riacho corria forte, sendo iluminado pela a brilhante lua cheia dominando o céu escuro da noite. Josué correu mais um pouco até a margem do rio e parou. Seu corpo ainda estava levemente tremendo e sua respiração era ofegante. Buscava o ar com tanta força que sentiu sua narina arder. A boca não se fechava e o terror em seus olhos era expresso com suas pupilas ainda dilatas e as íris foscas e sem brilho, como um céu desprendido de luz. Ouviu um barulho logo atrás e ergueu a cabeça rapidamente. Vinha da floresta. Às suas costas, apenas o riacho corria forte. Pegou um pequeno tronco que estava jogado no chão e se manteve em posição de defesa. Iria esperar o tempo que fosse necessário, mas não voltaria para a floresta. Não depois do que houve lá. Sua respiração ainda era desesperada e o medo percorria todo seu corpo. Uma mistura de ansiedade e apreensão. Sua vida dependia exclusivamente daquele momento. Pensou se Maria e os outros conseguiram escapar. Depois que aquela coisa apareceu e arrastou Mauro para a floresta, algumas pessoas que estavam ao redor da fogueira se desesperaram e correram. Josué correu atrás de Maria e agora estava ali, perdido, sem saber para onde ela foi e sem mais ninguém com ele, a não ser... Não, não podia pensar naquilo agora. Sua vida estava em jogo e precisava se concentrar em qualquer som ou movimento estranho. Sua cabeça girava para todos os lados, principalmente para a floresta. Estava muito atento e preparado para o que viesse. Certamente se acertasse a cabeça de uma pessoa com aquele tronco, a faria desmaiar ou até matá-la. Ouviu outro ruído, como alguém pisando em um galho e então um leve rosnado. O vento continuava soprando e os galhos mais altos geravam um som como se gritassem ao nada, gritando à favor do seu caçador à espreita no mato à sua frente. Em um momento rápido, talvez por alguma distração, ou pela a falha de seu reflexo, não percebeu a criatura que se aproximava em uma velocidade incrível pelo seu lado direito. Pulando de uma pedra para outra, com um salto final extraordinário, a fera se jogou na direção de Josué, que só teve tempo de erguer o tronco com toda sua força, de baixo para cima, na direção do monstro. Por uma grande sorte, o tronco acertou bem abaixo do queixo da fera, que foi arremessada uns dois metros para trás. Batendo as costas com força em uma das pedras que antes havia usado para saltar. A criatura emitiu um gemido alto, quase como um cachorro emite quando ferido. Munido da adrenalina do momento e de uma súbita vontade de viver, Josué se aproximou da fera e calculou instintivamente que ela devia ter uns dois metros de altura. Estava se contorcendo no chão e não percebeu a aproximação do humano, agora não tão indefeso. José se aproximou lentamente, o tronco levemente erguido na altura de seus ombros. Antes de aproximar da fera, as nuvens já cobriam uma parte da brilhante lua, diminuindo a iluminação do ambiente e dando início a uma leve chuva. Mesmo com a precária luz, seu foco na criatura era total e os olhos vermelhos do monstro indicavam que continuava no chão. Tudo parecia caminhar em câmera lenta, cada segundo parecia se arrastar e quando chegou ao lado da cabeça do monstro, percebeu que ela tentava segurar sua perna com garras gigantes e afiadas. Rapidamente ele acertou as garras com o tronco, fazendo-a recuar seu braço. Talvez o impacto com as costas na pedra foi tão forte que impedia a fera de se levantar e Josué não esperou para descobrir se estava certou ou não em relação a isso. Ergueu o tronco e o segurou com toda sua força, descendo violentamente em direção à cabeça do monstro. O primeiro impacto foi forte o bastante para fazer a criatura se agitar. O segundo impacto não demorou a vir e acertou em cheio o focinho. Com o terceiro impacto, ouviu-se o estalar de ossos quebrando e o sangue começou a jorrar da boca recheada de grandes caninos pontudos. E assim foram os outros impactos, cada vez mais destruindo a face do monstro, fazendo – a parar de se agitar e começar a se entregar para a morte. Josué não conseguia parar e mesmo quando percebeu que seu alvo não mais expressava sinal de vida, continuou batendo. Até que o tronco quebrou no meio e ele acertou o ar com a outra metade em sua mão. Caiu de joelhos no chão, ao lado do agora deformado e destruído corpo. Antes que pudesse pensar em algo, a fera começou a tremer, não de uma forma voluntária, mas como se algo a estivesse agitando por dentro. As convulsões aumentavam e estalos começaram a surgir por todo o corpo. Josué se levantou e deu dois passos para trás. Não podia ser! ele havia destruído a cabeça do monstro! Então uma mutação começou e o corpo da fera em forma de lobo começou a diminuir. A pelagem escura foi aos poucos sumindo e os músculos começaram a se reter, dando lugar à uma figura humana, branca e magra. Josué pôde perceber uma tatuagem no peito e algumas cicatrizes na costela. Estava assustado e não conseguia sequer visualizar a fisionomia do homem, pois o rosto estava completamente destruído. Destruído por ele mesmo.

- Er... Era um homem... – Falou baixo para si mesmo.

Josué segurou firme o tronco e olhou para a floresta. Ainda estava tremendo muito e a chuva agora aumentara sua intensidade, lavando o sangue do chão. Estava com medo de adentrar a floresta. Suas pernas estavam travadas. Sentia que não deveria sair dali. O lugar era aberto e poderia notar qualquer aproximação. Não faltava muito para amanhecer e Josué percebeu isso, sendo mais um motivo para aguardar naquele lugar. Mas que diferença isso faria, afinal? Pensou então nas histórias de lobisomens e nos filmes que já havia assistido. Se fosse daquela forma, a luz do dia seria algo seguro. Resolveu esperar. Em pé, agora com outro tronco nas mãos, maior que o anterior, se negava a sentar ou relaxar. Não iria facilitar caso outra criatura daquela aparecesse. Sentia-se um pouco mais confortável por ter conseguido se defender. Sentia-se tão monstro quanto seu agora morto caçador. Queria gritar e demonstrar para o que pudesse estar ali à sua espreita que ele não iria ceder, não iria se entregar, lutaria até o fim, com todas as suas forças. Estava tão focado na floresta que não percebeu quando algo saiu do rio atrás e fincou as garras em seus ombros. O susto do impacto, misturado com a dor espontânea o fez gritar tão alto que encobriu até mesmo o som da chuva. Virou lentamente o rosto para trás a tempo de ver uma fileira de dentes enormes se aproximando de seu pescoço. Com um movimento rápido, ignorando a dor absurda que sentia, moveu o tronco na direção dos dentes que se aproximavam. Sentiu alguns músculos se romperem em seu ombro, pois as garras tornaram a apertar. O tronco atingiu o rosto do lobisomem, fazendo-o recuar levemente para trás, soltando os ombros. Aproveitando o momento, Josué se afastou, com os ombros sangrando e com pouca força nos braços, até mesmo para manter o tronco erguido. Era sua única arma, seus braços eram sua única esperança até então e agora estavam enfraquecidos. Mas não ia desistir. A fera se recompôs rápido e avançou na direção de Josué, com sua boca aberta e seus dentes afiados apontados para ele. Rapidamente, tentou jogar o corpo para o lado, mas a mordida acertou em cheio sua perna direita, fazendo – o cair no chão. A criatura puxou um pedaço de carne e Josué gritou forte. Uma das garras fincou em sua barriga e a dor aumentou ainda mais. Não havia o que fazer, se sentia paralisado e esperou a morte chegar. Havia perdido. Mas antes que o lobisomem pudesse morder outra parte do corpo de Josué, um estalo enorme cortou o ar. Um tiro. Depois outro e mais três tiros em seguida. Josué abriu os olhos e percebeu que a fera não estava mais sobre ele. Ouviu alguns passos apressados e viu dois homens se aproximarem dele. Os dois seguravam um rifle cada e antes que pudesse identificar mais algum detalhe, sua consciência foi apagando e então desmaiou...

Luiz P Medeiros
Enviado por Luiz P Medeiros em 05/07/2015
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