#LUTO# O BICHO DA MEIA NOITE (UM HORROR RURAL) - DTRL23

#Luto#

<<Estamos de luto devido ao falecimento de um autor participante do atual desafio e ex-membro da administração do site, Paulo Moreno. Pêsames para todos e Paz.>>

“O bicho da meia noite vai te pegá,” disse Ticão, rindo feito doido, cara vermelha de deboche com cachaça. Homem tosco e cru, Ticão era um tipo algo cômico.

“Aiiii, tio, não fala assim, dá medo,” diz a menina, já quase chorando.

“Qual teu nome, menina?” diz ele rindo do medo dela.

“Chiquinha, tio,” responde ela, olhando pra cima com os olhos brilhantes de criança inocente.

Era uma menina com tranças e vestido de chita, jeito de quem nunca viu quase nada na vida, e se viu, não entendeu.

“Nunca te vi por aqui, menina, você mora aqui?” ele pergunta.

“Mudamo gorinha, eu, mamãe e papai, mudamo tudo pra uma casinha aqui pertinho.”

“E que que uma menininha desse tamanho, que não conhece nada por aqui, tá fazendo quase meia noite nesses matos?” pergunta ele, cara misturando interrogação com larapiagem.

“Tava brincando com uns menino aí,” ingenuamente ela diz.

“Cadê eles?” Ticão pergunta, olhando em volta.

“Foram embora, moço, não precisa ser preocupá comigo não, eu moro logo ali,” diz ela, apontando para o mato.

Ticão olha e só vê mato, “Onde?”

“Atrás daquele morrinho ali,” ela aponta.

“Mas tá muito longe pra uma menininha sozinha. Tem muito homem mau nesses mato. O tio te leva!” diz Ticão, como se fosse grande conhecedor do assunto.

“É pertinho, tio, precisa não.”

“De jeito nenhum! Aqui enche de bandido daqui pouquinho, e ainda tem...” longa pausa dramática.

“... O bicho da meia noite!”

“Ai, tio! De novo isso!” diz ela, já com medo de novo.

“O tio vai te protegê,” diz ele, se inclinando e passando a mão na cabeça de Chiquinha.

“Mas, tio, mamãe e papai falaram pra eu não falá com estranho.”

Ticão fez que se ofendeu.

“Que é isso menina; sô estranho não. O tio Ticão gosta muito de criança, pode perguntá por aí. Tá comigo tá com Deus.”

Ela pensa alguns segundos, o olhos perdidos.

“Então tá, tio, você parece mesmo sê homem bom. Vamo, tio,” decide ela, e dá a mão para Ticão, eles entram no mato.

“Essa história do Bicho da Meia Noite,” começa Ticão a falar, a menina faz cara de medo, ”essa história começou há uns quatro anos. Foi numa noite feito essa. Tava tudo conforme Deus manda, até que uma pedra caiu do céu. Uma dessas que cai às vezes. Foi aqui pertinho. E daí começou: um, duas, tem vez que é três vezes na semana, some gente. Tem vez que não sobra nada; tem vez que aparece uma mão, um pé, até uma cabeça...”

“Ai! Pára tio, vai mata eu de medo!” Chiquinha protesta, branca e tremendo, o medo dela parece divertir Ticão, que ri muito.

“Mas tio, conta pra eu: esse bicho veio donde?”

“Ninguém sabe donde que veio. Das estrelas, de outro lugar que não é aqui,” diz Ticão, apontando para o céu da noite. “Não é desse mundo, sabe?”

Ticão olha em volta e percebe que eles já se afastaram bastante das casinhas e estão bem dentro do mato – quase sozinhos.

“E, como que é esse monstro? Conta pra eu pra eu fugi dele, tio!”

“Ai que tá o problema, Chiquinha. Ninguém sabe como é o bicho da meia noite. Tem gente que acha que ele muda de forma; pode ser qualquer um, até tua mãe ou teu pai. Pode ser até eu!”

A menina grita.

“Ai, moço, não assusta eu!”

Ele ri e olha em volta. Eles estão sozinhos, cercados por mato.

“Tio, me leva logo pra minha casinha, é depois daquela moita, vamo logo, por favor, tô com medo!”

“Calma menina. Antes de ir pra casa, você não qué brinca um pouquinho com o tio? Só um pouquinho, não vai demorá nada. Vamo brincá de namorá?”

Ticão, numa alegria grotesca, se abaixou, a boca se abrindo para dar um beijo em Chiquinha.

O que aconteceu depois não se sabe. Ninguém ficou sabendo pra contar. Só se sabe mesmo uma coisa.

Nunca mais ninguém viu Ticão por essas redondezas.

FIM

Você acaba de ler um conto de: Ricardo de Lohem

[TEMA: Pessoas desaparecidas]

#Luto#