Cruel Eternidade

De tão cinzento que está o dia que nem parece ser 16 horas da tarde. O vento frio e úmido varre as folhas de amendoeira para juntos dos jazigos e sepulturas. O ruído do carrinho subindo cemitério acima é a única coisa boa a se ouvir naquele lugar sinistro e silencioso. As mãos cadavéricas que empurram o carrinho enferrujado são de Jair, um ex bruxo. Em cima do carrinho está a urna que em seu interior repousa para todo o sempre o corpo de sua filha Marli. Muito cansado, Jair para e olha ao redor, ainda falta bastante para chegar até onde estão enterrados seus familiares, a razão da vida de Jair.

O aspecto do ex bruxo é o pior dentre todos esses anos em que ele está sobre a face da terra. A calça surrada. A camisa xadrez perdeu suas cores e agora ela não passa de um pano de chão. As botas charfundam na lama podre junto com as rodas do carrinho. Jair quer chorar, só não consegue. Marli, sua filha caçula de oito filhos, a única que ainda restara de sua família, agora dorme profundamente num caixão barato.

Faltando apenas alguns metros para chegar à cova já aberta para sepultar Marli, Jair recorda quando ela tinha apenas meses de idade. Como ela era linda, fofinha, engraçada. Jair faz força para chorar. Uma gota de chuva cai em seu rosto flácido e ele pensa em se tratar de suas saudosas lágrimas. Pronto, enfim a cova de Marli, bem ao lado da de Juarez, seu filho mais rebelde. Os olhos úmidos do ex bruxo percorrem as sepulturas onda estão às fotos. A primeira guarda Tereza, sua mulher a quem amou desesperadamente. Ao lado de Tereza repousa Juarez o rebelde, Jorge, seu segundo moleque peralta. Em seguida Laura, sua eterna chorona, Laura chorava por qualquer coisa. A outra cova guarda Quincas, filho quieto, gostava de ficar sozinho e pouco falava. Ao lado de Quincas está à geniosa Lourdes, menina que deu trabalho para Jair devido o fogo no rabo que tinha. A quinta filha é Conceição, menina religiosa, foi a única a se converter ao Catolicismo. A outra cova tem em seu interior os restos mortais de Afrânio, gênio, bastante inteligente, Afrânio foi o único a salvar o nome da família. Foi autor de vários livros de sucesso, teve seu primeiro livro lançado no ano de 1890.

Agora resta apenas deixar o corpo de sua ultima filha na terra para que os vermes cuidem dela. Jair abaixa a cabeça. Tenta mais uma vez chorar, não consegue. Bem devagar ele vai abrindo a urna, ele quer dar a ultima olhada em sua caçulinha antes de depositá-la na cova fria. O ex bruxo afasta a tampa e lá está Marli, morta, parece dormir. Marli assim como seus irmãos viveu bastante. Aos 95 anos ela deixa cinco netos e outros bisnetos. Jair quase sem forças recoloca a tampa resmungando algo.

A ultima pá da terra negra deixa claro que Marli nunca mais voltará, nunca mais Jair ouvirá ela pedir seu colo, ou que lhe faça um cafuné. Fim de história. A ultima coisa a fazer e fincar a cruz feita de concreto pintada com cal e pronto. Um trovão faz os jazigos tremerem. Antes de ir embora Jair faz o sinal da cruz. Ao se virar ele bate de frente com um ser envolto de uma capa de chuva surrada. Friamente ele fala os nomes dos mortos de Jair:

- Tereza, Juarez, Jorge, Laura, Quincas, Lourdes, a besta da Conceição, Afrânio e finalmente Marli. – o ser olha para Jair com seus olhos vermelhos. – fez um bom trabalho, Jair, achei que você fosse desistir.

- Fiz o que me pediu, agora me dê a mortalidade, não aguento mais enterrar pessoas amadas.

O ser diz que não com o dedo indicador.

- Seu pacto diz que você deve sepultar os netos e bisnetos também.

- Meu Deus! – vocifera Jair. – quando isso terá fim?

- Em que ano estamos mesmo?

- Sei lá mil novecentos e pouco. – Jair mais uma vez tenta chorar e não consegue.

Antes de ir embora o ser bate no ombro magro do ex bruxo.

- Força meu camarada, força.

FIM

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 28/07/2015
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