Um Feto no Vaso

A balada estava cada vez mais louca e Tiago se esbaldava na pista de dança.

Misturou energético ao seu Whisky 12 anos e colocou uma bala na ponta do dedo.

“Bala” é a gíria usada nas Raves para as pequeninas pílulas de Ecstasy.

Pouco depois ele dançava feito uma locomotiva.

Suou muito e como era enfermeiro sabia que precisava ingerir bastante líquido para não ficar desidratado.

Comprou duas garrafinhas de água mineral bebendo-as prontamente.

Dançou mais algum tempo e logo precisou ir ao banheiro.

Entrou “em qualquer um, pois acostumado como estava àquelas baladas, sabia que as placas “masculinas” e femininas” eram meras convenções.

Logo na entrada, um casal de homossexuais trocavam carícias apertando-se mutuamente.

Um deles analisou a bela figura de Tiago com gula, mas foi ignorado pelo rapaz.

Hétero convicto o enfermeiro já tinha “ficado” com uma dezena de garotas só naquela noite.

Tirou o membro para fora das calças e começou a urinar apoiando um dos braços na parede.

O dono daquele bar para evitar que lhe pichassem as paredes do banheiro, recobriu-as de Post-its.

O enfermeiro lia divertidamente os recados pornográficos quando notou o barulho.

Sua urina não caía diretamente no vaso sanitário.

Olhou para baixo com curiosidade e viu algo que a princípio imaginou estar envolto em um saco plástico.

Logo seus olhos desacostumados deram um sobressalto arregalando-se.

Era um feto!

Um feto ainda envolto em sua placenta que ele inadvertidamente confundira com um saco plástico.

- Ai meu Deus! – gritou Tiago.

O aborto devia ter acontecido pouco antes, pois o sangue em volta do vaso ainda não coagulara.

- Socorro! Socorro! – chamou ele.

Os gays assustados correram para acudi-lo.

- Que foi gato? – perguntou um deles.

- Um... Um... Um feto no vaso! – gaguejou.

O mais masculino dos dois se precipitou no cubículo mirando o sanitário com atenção por alguns momentos.

Saiu dando largas risadas.

- Olha lá Gê!

O outro entrou para olhar e saiu rindo.

- Ai fofo. Eu sei que filho é uma merda, mas não precisa exagerar!

Os dois se abraçaram e saíram do banheiro as gargalhadas.

Tiago estático não entendeu nada. Tomado por calafrios olhou mais uma vez.

Merda. O vaso estava cheio de fezes de uma provável diarréia; o mal-cheiro característico tomando seu nariz de assalto.

Não entendia o que fora aquilo.

- “Já sei! Foi a droga! Só pode ter sido isso...” – refletiu ele um pouco mais calmo.

Saiu do banheiro e resolveu tomar mais uma dose só para espairecer.

- Vodka! –ordenou completando em seguida - deixa garrafa que estou precisando!

Encheu um copo virando-o imediatamente.

Completou outro copo e debruçou-se sobre o balcão encostando a testa úmida de suor gelado sobre o mármore frio.

Olhou de relance a sombra da garrafa, algo flutuava.

Saltou para trás empurrando uma garota que dançava alucinada.

Ela nem se deu conta tão louca estava.

Dentro da garrafa, um feto flutuava em um líquido rubi.

- Não! – gritou Tiago.

O enfermeiro pegou a garrafa pelo gargalo despedaçando-a contra o balcão.

Os seguranças vieram rapidamente agarrando o atônito rapaz.

- O feto... O feto. Onde está ele? – perguntou-se.

Fizeram com que pagasse o que consumiu com seu cartão de crédito e o expulsaram do bar em seguida.

O enfermeiro pegou um táxi, pois não estava em condições de dirigir.

Chegou a casa e foi direto para o banho. Começou a chorar no Box.

Sabia que aquilo era um castigo.

E sabia que era um castigo merecido.

Vendia pílulas abortivas a preços exorbitantes para mulheres desesperadas em qualquer período de gestação.

Que morressem. O problema não era dele.

A água do chuveiro começou a escorrer tingida de vermelho.

- Tiago... – ele ouviu uma voz finíssima como de um bebê.

O corpo morto de Tiago foi encontrado no outro dia.

A autópsia revelou traços de ecstasy no sangue e estranhamente, liquido amniótico nos pulmões.

CAUSA MORTIS: Asfixia acidental por afogamento, causada por excesso de drogas.

Fim

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 24/06/2007
Código do texto: T538588
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.