O corredor das almas

Mais de 30 anos convivo nesse ambiente, corredores imensos de uma cor branca com lâmpadas fracas, quase todas apagadas durante a madrugada.

Quatro andares, cada andar um tipo de paciente. Todas as noites um vulto a circular pelos corredores.

Quantas mortes ocorreram ali naqueles quartos, enforcados, envenenados, assassinados por outros pacientes. Quanta dor e quanta maldade atrás de cada porta.

E os espíritos ali aprisionados. No começo era tudo assustador, muitas pessoas desistiam nas primeiras noites de trabalho.

Aprendi que muitos almas que circulavam pelos corredores estavam apenas perdidas, desamparadas, algumas nem mesmo sabiam que haviam falecido.

Mas haviam aquelas almas desesperadas e cheias de ódio, aqueles que foram assassinados e que rondavam todos os andares e corredores, à procura de seus assassinos ou de qualquer pessoa que pudesse causar algum mal. Mesmo que fosse apenas causar um arrepio e um medo que os fazia passar noites de olhos abertos.

E entre essas almas perdidas nos corredores do manicômio havia também aqueles que nunca tiveram corpos, demônios insanos com seus olhos vermelhos de raiva e dor. Demônios procurando corpos para possuir.

Cada noite uma tortura. Cada noite ...

O tempo foi passando e uma noite de chuva e trovões ficou marcado em minha mente para sempre. As visões macabras já eram rotinas, faziam parte de meu turno. E por incrível que pareça descobri que outros funcionários não viam nada disso durante os plantões.

Mas naquele noite algo aconteceu. Já ia alta madrugada , todos dormindo, sai pra fazer uma ronda e sabia que os encontraria. Toda madrugada eu os encontrava. E ele estava lá no fim do corredor, agachado, abraçado aos joelhos.

Me aproximei, ele me olhou com os olhos revirados, apenas o branco aparecendo.

E com uma voz assustadora me perguntou:

- Sabe porque você nos vê? Sabe porque não tem medo de nós? Nunca pensou nisso?

Confesso que nunca tinha pensado nisso, mas naquela hora tive medo. Olhei para ele e sem que eu respondesse nada, aquele ser me respondeu:

- Um dia você estará nesses corredores, dormirá nesses quartos. E será um de nós. Seu destino. Não tem como fugir disso. Falou isso, olhou em meus olhos com um misto de dor e angústia, e foi se encolhendo mais em seu canto até que desfez em um pedaço de pano imundo jogado no fim do corredor.

Mas isso foi a muito tempo atrás, e fiquei pensado no que ele disse, nunca mais o fim, os outros sim. E eram muitos.

A partir daquela noite sinais de demência foram surgindo em meu comportamento até o dia em que meu convívio com pessoas normais se tornou inaceitável.

Fui diagnosticado como demente e necessitava de tratamento. Fui colocado nos mesmos quartos, e eles estavam lá. Perambulando dias e noites. A loucura estampada em seus rostos.

Encostei no canto do quarto e ali passava meus dias. Sim, eu era um demente. Um louco. Minha família não me visitava. Aquele lugar era o inferno.

O fim. Eu precisava acabar com aquilo. Eles me diziam o que fazer. Tudo ia acabar. Um dia me fizeram uma corda com lençóis e me deram a ideia. A cura para sua loucura, me disseram. Vá, seja forte. Acabe com isso.

A loucura chegou ao limite. A corda. O nó apertando. A falta do ar. O fim.

E eles estavam lá, rindo um sorriso infeliz. Eles me deixaram demente. Louco. Eles me enforcaram.

O corredor é o que me resta. Toda noite, todo dia. Eles estão aqui comigo. Nem todos nos veem.

Mas quando nos veem, é hora de agir, é hora de plantar a semente da loucura em suas mentes.

Não sei há quanto tempo perambulo por esses corredores nas madrugadas frias e escuras,

Só sei que vai ser assim....

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 03/10/2015
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