Um conto de terror natalino

“O espírito daquele que deseja vingar jamais repousa; pelo contrário, transforma-se – de tal forma que se torna irreconhecível. E daí vem a caçada... um a um, até todos sucumbirem. Inclusive o próprio espírito”.

- Pare. Pare. – gritava a criança, continuadamente. Estava desesperada. Tinha pouco mais de oito anos de idade, tinha cabelos enegrecidos e arredondados – estilo capacete – e possuía sardas no rosto. Encontrava-se no chão, caída. Parecia fraquejada, devido a enorme quantidade de hematomas na cabeça e no corpo. Ao seu redor, se encontravam quatro rapazes, de seus aparentes catorze anos. Eram visivelmente mais fortes e pareciam rir da subjugação da criança. Chutavam continuadamente, revezando os golpes. Todos se encontravam em um pequeno e escuro beco.

- Você é muito ridículo. – disse um dos rapazes

- Você é fraco e me dá nojo. – completou o outro, antes de desferir um chute na cabeça do garoto. Neste instante, a criança perdeu a consciência. Sua cabeça pendeu para um lado, enquanto o corpo jazia no outro. Seu corpo estava imóvel, não mais mexendo.

Um terceiro rapaz riu da situação.

- É mesmo ridículo. Você não deveria nem existir.

- É mesmo. – disse o segundo rapaz. – Deveria sumir da Terra. Era um favor para todos.

- É horrível olhar para sua cara todos os dias. Todos os dias somos obrigados a te ver andando por aí com essa cara de bobo. Por que você não desaparece daqui? Por que não nos faz esse favor? Por que continua nos torturando tanto com a sua existência? – perguntou o rapaz que ainda não havia se pronunciado, antes de desferir um chute no abdômen do garoto, na altura do estômago. Este, entretanto, não demonstrou reação ao golpe.

- Por que não morre de uma vez? – perguntou o primeiro rapaz. Pisou na cabeça da criança e começou a apertá-la contra o chão. – Por que você não morre, hein? Faz esse favor. Ninguém liga para sua vida. Morre então.

- Morre. Morre. Morre. Morre. Morre. Morre. – incitaram os demais, aos risos. Em seguida, o primeiro rapaz desferiu um violento chute na cabeça da criança, jogando-a para trás, antes de todos saírem, aos risos, comentando sobre o poderoso chute desferido.

A criança foi deixada jazendo no chão frio do escuro beco, cheio de hematomas. A consciência foi aos poucos retornando ao fragilizado corpo do garoto. Tentou se levantar; todavia, devido à fraqueza do corpo, não conseguia sequer se mover. Ficou paralisado no chão, enquanto a dor pungente avançava por todo o corpo, como se rasgasse suas estranhas.

“Por que não morre de uma vez?”, tal frase – proferida pelo primeiro rapaz – apareceu repentinamente no interior da mente da criança. “Por que não morre de uma vez?”. “Por que não morre de uma vez?”. “Por que não morre de uma vez?”. “Por que não morre de uma vez?”. Repetiu-se continuadamente tal frase na cabeça do garoto. “Morre. Morre. Morre. Morre”, repetiu-se em seguida. “Por que eu não morro? Por que continuo vivo? Só pra sofrer?”. “Por quê?”. “Por quê?”. “Por quê?”. A criança reuniu os resquícios de suas forças para se locomover lentamente pelo chão, arrastando o próprio corpo. “Eu quero morrer”. “Eu desejo a morte”. “Eu quero sair deste mundo”, pedia desesperadamente em pensamento. “Eu quero morrer”. “Eu quero morrer”. “Eu quero morrer”. “Eu quero morrer”, pedia incessantemente.

Repentinamente, eis que algo surge logo acima de suas costas. Era um ser de silhueta humana, de tamanho idêntico ao da criança, deitado de bruços, na mesma posição e alinhado ao corpo do garoto. Asas brotavam das costas do ser, ocupando grandes partes do pequeno beco. Dedos excessivamente finos e compridos erguiam para frente, tomando o espaço compreendido entre o ser e a criança, fincados nas costas desta.

“O... quê...?”, se perguntou a criança, estufepata. Quando da aparição do ser, a criança sentiu um grande alívio saindo de suas costas e subindo aos céus. Até mesmo sua vitalidade voltou a se infiltrar pelas veias de seu corpo.

Em questão de poucos segundos, logo após a interjeição da criança, o anjo se modificou por completo, sem dar tempo de nenhuma reação por parte do garoto – nem mesmo virar de frente. As asas desapareceram. Um par de chifres de bode nasceram em sua cabeça. Os braços cresceram de tamanho, tornando-se mais musculosos.

“KRAAAAAAAMPUS”, gritou o monstro, com uma grossa e terrível voz demoníaca. O grito ecoou pelos quatro cantos. Em seguida, abaixou-se, adentrando no corpo da criança. Ao sentir a entrada do monstro em seu corpo, a criança gritou – um pavoroso grito de dor e sofrimento. Em seguida, começou a se estrebuchar violentamente no chão, gritando continuadamente.

“O Krampus é um monstro que nasce da alma de uma criança que foi morta violentamente e que deseja vingança de seus algozes. Só pode se transformar em Krampus crianças com desejos de vingança – por isso são tão raros, uma vez que crianças são puras e não desejam vingança. Este se torna um auxiliar do Pai Natal. Enquanto o bom velhinho visita as crianças boas no Natal, às crianças más é reservada a visita do Krampus para castigá-las.”, lia uma senhora de pouco mais de cinquenta anos, com um grosso livro infantil em seu colo. Encontrava-se sentada em uma cadeira de madeira frontalmente a uma farta mesa de jantar, com peru de Natal no meio e outras comidas natalinas no entorno. À frente dela, se encontrava uma amedrontada criança de cinco anos, cabelos loiros e bochecha arredondada, encolhida na grande cadeira que assentava. À esquerda de ambos, se encontravam o primeiro e o terceiro rapazes que agrediram a criança no beco. Estavam com roupas diferentes, bem arrumados. Eram praticamente idênticos, exceto pelas vestes que usavam. Ocupando o canto direito da mesa se encontrava um velho senhor de barba grossa e olhar profundo. À esquerda, um homem de idade semelhante a da mulher, com um sorriso farto na boca. No entorno do cômodo se encontrava a Árvore de Natal, guirlandas e outros enfeites natalinos.

- Você o está assustando, Matilde. – disse o último homem

Os valentões riram. Matilde soltou um sorriso de orelha a orelha.

- Estou contando sobre a história do Krampus, amor. – respondeu – É importante que ele entenda a história para saber o porquê de ser uma boa criança.

Um dos valentões comenta.

- Nossa, se isso fosse sério, nós estaríamos perdidos, não é Thomas?

- Com certeza, Matheus. – respondeu o outro. Ambos riram em seguida.

- Vocês não continuaram atacando aquele garoto não, né? – perguntou a mãe. Um sentimento de raiva tomou conta de suas palavras.

- Só um pouquinho, mãe. – respondeu Thomas

- É só uma brincadeira sadia.

- Não tem nada de sadio no bullying, Matheus. – disse a mãe, enfurecida.

- Amor, acalme-se. – respondeu o marido – Não tem nada de anormal em crianças brincarem umas com as outras. Isso faz com que a criança atacada saia de sua zona de conforto e aprenda a encarar de frente as mazelas da vida.

- Não tem nada de altruísmo no bullying, amor. Até porque isso é problema da família deles, não dos nossos filhos. – a mãe virou o rosto em direção a Thomas, fuzilando-o com o olhar. – Eu não quero mais saber de bullying com aquele garoto, ou com qualquer outro. Se eu ficar sabendo que vocês praticaram mais uma vez bullying com alguém, mando os dois pro colégio interno. E seu pai defender vocês, mando ele também. Vocês me entenderam?

Os gêmeos engoliram em seco.

- Veja só. – disse a mulher, se levantando. – Só me faltava essa.

A mulher distanciou-se da mesa, caminhando em direção à porta divisória de outro cômodo da residência. O senhor mais velho disse aos garotos:

- Cuidado com o Krampus garotos. Ele tem o costume de visitar as crianças malvadas na véspera do Natal.

- Isso é lenda, vovô. – disse Matheus, rindo. – Já somos grandinhos o suficiente para saber o que é real e o que não é.

O avô deu uma risada, alta o suficiente para inundar os quatro cantos do cômodo.

- Vocês que sabem, vocês que sabem... só quero ceiar agora e aproveitar o Natal.

Thomas fitou o seu irmão com um olhar amedrontado. Seu irmão rebateu o olhar, com um sincero sorriso no rosto. Ao perceber o medo estampado no rosto de Thomas, riu, deixando-o desconcertado.

- Você não acreditou no vovô não, né?

O rapaz engoliu em seco.

Era noite, mais tarde que a ceia natalina. Todas as luzes da residência de Thomas e Matheus se encontravam apagadas, com exceção dos piscas-piscas ligados na frente da residência e na árvore de Natal. Todos na residência já se encontravam repousando em seus quartos. Uma brilhante luz tomou conta da parte externa da residência, que foi se aproximando velozmente. Em poucos segundos, a luz já se encontrava irradiando no interior da residência. Algo pesado caiu no telhado da residência, fazendo um enorme barulho. Caminhou alguns passos até ficar frontalmente à lareira. Em seguida, desceu.

O irmão mais novo de Thomas e Matheus acordou com o brilho irradiante nos olhos. Ainda sonolento, escutou as pegadas no alto do telhado. Encolheu na cama, feliz. Imaginou se tratar do Pai Natal visitando a família e deixando os presentes. Pensou em levantar da cama; todavia, sabia que o bom velhinho não deixava presentes para as crianças acordadas até aquela hora. Era preciso, portanto, esperar. Para tanto, cobriu o próprio corpo e fechou os olhos. Deixou os ouvidos atentos, esperando ansiosamente o findar do barulho no interior da residência.

Matheus e Thomas também acordaram com os brilhos irradiantes nos olhos. Ao contrário do irmão mais novo, resolveram descer ao andar de baixo na expectativa de pegar o Pai Natal no flagra. Desde criança, acreditavam que aquele que deixava presentes na residência era o pai de ambos. Entretanto, nunca conseguia pegá-lo em flagrante, eis que sempre adormeciam antes. Esse ano, portanto, iriam pegá-lo no meio da sala deixando os presentes. Desceram as escadas a mil por hora, desembocando no salão principal da residência. Lá se encontravam apenas a lareira e uma árvore de Natal, além das portas para fora da casa e para os demais cômodos. Percebeu que algo grande, redondo e peludo se encontrava frontalmente a árvore de Natal.

- Que presente será aquele, Thomas? – perguntou Matheus, surpreso

- Não sei, Matheus. – respondeu o irmão. Receosos, postaram-se a descer as escadas lentamente, degrau a degrau.

- Olá? – perguntou o primeiro. Sua pergunta ecoou por toda a casa. Não obteve respostas. Perguntou novamente; sem êxito, contudo. Findaram os degraus, caminharam lentamente em direção à grande bola de pelo.

- Olá? – perguntou novamente Matheus. A bola de pelo se levanta. Percebe-se ser um bicho com braços fortes, alto e com chifres. Possuía mais de dois metros e vinte de altura. Os gêmeos sentiram as suas espinhas gelarem. Seus corpos começaram a tremer involuntariamente. O monstro virou-se de frente. Mostrou a ambos o seu rosto demoníaco, peludo e com dentes afiados para fora.

- O qu...?! – perguntou Matheus, assustado

- KRAAAAAAAAAMPUSSSSSS! – gritou o monstro. O grito ensurdecedor fez as bolinhas da árvore de Natal estraçalharem. Os gêmeos levaram as mãos aos ouvidos. Sentiram os tímpanos estourarem dentro dos ouvidos.

Quando o grito findou, os gêmeos estagnaram. O monstro parou e ficou fitando a ambos, com seu olhar raivoso. “O Krampus existe”, pensou Matheus, surpreso. “Merda”, pensou Thomas, amedrontado. “O que faremos agora?”, se perguntou, em pensamentos. Repentinamente, para surpresa de ambos, o Krampus rapidamente segurou as cabeças de ambos, cada um com uma mão. Em seguida, bateu violentamente uma cabeça na outra, fazendo um poderoso estrondo. Os garotos desmaiaram. O Krampus saiu arrastando os corpos de ambos em direção à saída da residência.

Alguns instantes depois, quando finalmente percebeu o findar dos barulhos na sala, o irmão mais novo de Matheus e Thomas desceu as escadas, aparecendo no saguão principal. Ficou feliz ao perceber o seu presente sob a árvore de Natal, mas preferiu esperar o dia seguinte.

Matheus acorda. Sentia sua cabeça pesada e o mundo rodar. Sentia-se desencostado no chão, como se estivesse flutuando. Suas vistas começaram a focar no que se encontrava à sua frente. Percebia algo parecido com o chão a pouco mais de meio metro de seu nariz. Olhou para si mesmo. Percebeu estar pendido de cabeça para baixo em uma corda dependurada no teto. Entendeu o motivo de a cabeça estar tão pesada – era o sangue que, devido à gravidade, desceu para a cabeça.

Em seguida, olhou ao redor. Percebeu Thomas e os demais valentões dependurados próximos a ele. Estavam desacordados.

- Thomas. – gritou Matheus, surpreso ao ver o irmão. O garoto começa a acordar lentamente. Visualizou o irmão.

- Matheus? – percebeu-o pendido de cabeça para baixo. – O que está acontecendo?

- Onde estamos? – perguntou o valentão à esquerda de Thomas. Este olhou em volta. Percebeu se encontrar em um escuro e nojento porão, cheio de diversos materiais entulhados.

- Parece que estamos em um porão, Breno. – respondeu o garoto

- Mas porão onde? Na nossa casa não tem porão, Thomas. – disse Matheus, assustado

- Nem na minha. – disse Breno

- Nem na minha. – disse o quarto valentão, que havia acordado

- Onde estamos afinal?

- Na minha casa. – disse uma grave e demoníaca voz, oriunda da escada que dá acesso ao andar superior. Todos viraram os rostos em direção à origem da voz. Sobressaltaram-se. Visualizaram o Krampus parado no local.

- Krampus?! – perguntaram os quatro, sobressaltados

- Exatamente. – disse o rapaz. – Vocês se encontram no porão de minha casa.

- Mas... por que nos trouxeram aqui? – perguntou o quarto valentão, visivelmente amedrontado. – Por que estamos aqui?

- Vocês foram garotos muito maus. Durante todo o ano, vocês praticamente diversas maldades. Agora, no Natal, enquanto o Pai Natal visita as boas crianças, eu, Krampus, visito as más, para castigá-las. – disse o monstro, caminhando em direção ao quarteto.

“Enquanto o bom velhinho visita as crianças boas no Natal, às crianças más é reservada a visita do Krampus para castigá-las.”, lembrou-se Matheus, visivelmente surpreso. “Merda, era verdade então”.

- Você não passa de lenda, Krampus. Ninguém acredita em você. – disse o quarto valentão

- Será mesmo, Douglas? – perguntou o monstro. O valentão sobressalta. “Como ele sabe meu nome?”, se perguntou. O Krampus para frontalmente a ele. – Já que você não acredita em mim, será o primeiro a ser punido. – em seguida, desferiu um violento soco no rosto do rapaz, que foi para trás com o impacto. Em seguida, voltou para frente, ficando pendendo como um pêndulo. Ficou parcialmente desacordado, enquanto sangue vertia de seu sangue.

- O que você fará com a gente, Krampus? – perguntou Breno

- Castigar, ué. – respondeu o Krampus – O Krampus só aparece pra castigar crianças más. – terminou. Retirou de cima de uma das diversas prateleiras que ocupam o porão um chicote.

- Um... chicote? – perguntou Matheus, surpreso

- Sim. Um chicote para castigar crianças más. – respondeu o Krampus. Caminhou até dar a volta em Douglas e, após, rasgou sua blusa, deixando à mostra suas costas nuas. Em seguida, ergueu o chicote no ar.

- Pare. Não faça isso. – gritou Thomas.

- Pare?! Não foi isso que ele gritou para vocês? – perguntou Krampus. Em seguida, baixou o chicote no ar, acertando-o nas costas de Douglas, que acordou no mesmo instante.

“Como... assim...?!”, se perguntou Thomas, sobressaltado. O monstro continuou a chicotear as costas de Douglas, cujos gritos agonizantes ecoavam por todo o recinto e amedrontavam os demais.

- Sinta. Sinta. Sinta. A dor. A dor. A dor. Ouça. Ouça. Ouça. Os gritos. Pavorosos. Horripilantes. Os gritos. Da dor. Do sofrimento. Do mal. – repetia incessantemente o Krampus, enquanto chicoteava na mesma intensidade as costas de Douglas. Thomas, Matheus e Breno gritavam continuadamente para o monstro parar; entretanto, tais gritos pareciam incitá-lo a continuar a chicotear.

Repentinamente, o Krampus parou o ataque. Douglas pendia semiconsciente, com os braços jogados para o chão. Sangue vertia generosamente de suas costas, através dos incontestáveis machucados, pingando no chão.

- Pare com isso. – gritou Breno. – Por favor.

- Por favor... – repetiu o Krampus, em tom de deboche. Em seguida, virou-se para o rapaz e desferiu um violento chute em sua cabeça. O rapaz foi para trás com força, chegando a bater com as costas na prateleira atrás. Os gêmeos sobressaltam. Voltou inconsciente, na mesma posição que Douglas pendia naquele instante.

O Krampus corta a corda que segurava Breno, fazendo-o cair de cabeça no chão. Uma onda de esperança adentrou no interior do corpo do rapaz. Todavia, rapidamente se esvadiu, dando lugar ao medo. O monstro segurou a cabeça do rapaz pela parte traseira e começou a batê-la com força no chão, enquanto dizia “Por favor”, “Por favor”, “Por favor”, repetidas vezes.

- Para. Para. – gritou Matheus. – Por fa... – neste instante, recordou-se do que aconteceu com Breno e do motivo pelo qual o Krampus batia sua cabeça no chão. Silenciou-se no mesmo instante e fechou os olhos.

Pequenos hematomas começaram a aparecer na testa de Breno, enquanto a pele começou a se esfolar. Após, começou a rasgar, vertendo sangue. Ao mesmo tempo, foi sendo rompido os lábios do rapaz, inchando e depois rasgando da mesma forma que a pele. O Krampus começa a bater mais violentamente a cabeça de Breno no chão. O seu nariz se quebra, fragmentando em vários pedaços, vertendo sangue do local. Após, um de seus olhos cai de sua órbita, rolando no chão. Thomas se segura para não vomitar, fechando os olhos e virando o rosto. O outro olho se rompe, se transformando em pedaço de massa branca e sangue. Por fim, a testa e a mandíbula do rapaz se rompe, quebrando da mesma forma que o nariz. E o Krampus continua batendo a cabeça de Breno no chão, até todo o crânio do rapaz se partir e quebrar, inundando o chão com sangue, pedaços de massa encefálica e pele.

O Krampus se levanta. “Por favor”, disse. Neste instante, Matheus abre os olhos. Visualiza Breno com a parte superior de seu corpo toda destruída no chão e segura para não vomitar. Thomas também abre os olhos. Percebe o Krampus caminhando em direção ao ainda desacordado Douglas, até parar atrás do mesmo. Retira da prateleira uma fina e grande estaca de madeira, com mais de 2 metros de tamanho e pontiaguda na ponta oposta.

- O qu...?! – se perguntou Thomas.

- Ei. Está acordado, Douglas? – perguntou o monstro. Não obteve resposta. Desferiu um violento chute no pescoço do garoto. Um crack pôde ser audível em todo o ambiente. Thomas e Matheus arregalaram as sobrancelhas. O rapaz gritou de dor. – Finalmente acordou. – disse o Krampus. – Não se pode punir as crianças dormindo. É contra as regras. – enquanto falava, o monstro rasgava a parte inferior da roupa do garoto, deixando-o completamente nu. Douglas, percebendo a situação, começou a se debater.

- Ora, você não pode atrapalhar a punição do Krampus. – dizia o monstro, calmamente. Enquanto dizia, segurava a perna direita de Douglas – a que não estava amarrada na corda - na altura do joelho. Virou-o para o lado. Um enorme crack ecoou pelo local. Em seguida, o porão foi inundado pelos gritos desesperados de Douglas.

- Não pode debater a perna, senão vai atrapalhar o Krampus na sua punição. – disse o monstro. Após, ergueu a estaca no ar e a cravou no oríficio do corpo de Douglas mais próximo. Thomas e Matheus erguem a sobrancelha, tamanha a surpresa. O rapaz gritou de dor. Sentiu suas entranhas se rasgarem aos poucos.

- Precisamos fugir daqui! – cochichou Thomas a Matheus.

- Mas como faremos isso? – perguntou o irmão, na mesma tonalidade.

O rapaz virou o próprio corpo em direção a sua perna. Fitou a corda.

- Ela tem um nó fácil de desamarrar. É só não chamarmos a atenção do Krampus até conseguirmos fugir.

Matheus engoliu em seco. Lembrou-se do Krampus esmigalhando a cabeça de Breno só porque ele pediu “por favor”. Se o “por favor” já fez isso, imagina a tentativa de fuga...

- Vamos. Rápido. – cochichou Thomas, já começando a desamarrar a corda que segurava a sua perna, acordando Matheus de seus devaneios.

Enquanto isso, Douglas desmaia, ainda com a estaca cravada no interior de seu corpo e abrindo caminho. Começa a tremer involuntariamente, enquanto sangue esvaía em generosas quantidades de seu corpo.

- Ah, não. Desmaiou de novo? – perguntou o Krampus. Virou-se para trás e retirou uma faca de cima da prateleira. Cravou-a nas costas do rapaz, que treme involuntariamente. – Acorda. Acorda. Acorda. Acorda. – dizia o monstro, calmamente, enquanto fincava várias e várias vezes a faca nas costas de Douglas.

Thomas cai no chão, de costas. Levanta-se em um só pulo enquanto Matheus caía. O Krampus escutou o baque e parou os golpes. O rapaz postou-se a correr em direção à escada, seguido pelo irmão. Abriu a porta do porão e evadiu do local, ainda acompanhado.

- VOCÊS NÃO PODEM FUGIR DO KRAAAAAMPUUUUS!!!! – gritou o monstro, no auge de sua fúria

Os gêmeos se encontravam no interior de uma pequena sala de jantar. À direita da porta que dá ao porão havia uma escada, que dava ao andar superior. À direita, um par de vãos sem porta, que davam a uma sala de TV. À frente, uma porta de madeira mais caprichada, ao lado de um par de janelas que aparentemente davam ao lado externo. Dentro da sala, havia uma mesa com quatro cadeiras e uma árvore de Natal suja.

Matheus e Thomas nem se preocuparam com o interior da residência. Correram em direção à saída. Abriram a porta e evadiram do local. Escutaram a porta do porão se romper. Era o Krampus.

- Vamos. Rápido. – disse Thomas, puxando Matheus. Evadiram do interior da residência. Distanciaram alguns segundos do local. Krampus chegou à porta e gritou:

- VOCÊS NÃO FUGIRÃO DO KRAAAAMPUUSSSSS! EU VOU CAÇÁ-LOS E PUNI-LOS!

Thomas virou-se para trás. Fitou a cena. Ademais, acabou por fitar toda a frente da casa. Era uma pequena residência de dois andares estilo cabana, de cor pérola um tanto quanto suja, com pequenas janelas verticalmente retangulares.

- Essa casa.... não é daquela criança que sempre atacamos? – perguntou Thomas, estupefato. Matheus olhou para trás e fitou a residência.

- É mesmo. – disse. Neste instante, lembrou-se da fala de sua mãe, na mesa de jantar, horas atrás: “O Krampus é um monstro que nasce da alma de uma criança que foi morta violentamente e que deseja vingança de seus algozes. Só pode se transformar em Krampus crianças com desejos de vingança – por isso são tão raros, uma vez que crianças são puras e não desejam vingança”. – Meu Deus. – disse, surpreso. – Ele se transformou no Krampus.

- Mas para se transformar no Krampus é necessário que ele morra. Mas não chegamos a matá... – neste exato momento, Thomas lembrou-se de algo. “Por que não morre de uma vez?, lembrou que havia proferido tal frase, enquanto pisava na cabeça da criança. “Por que você não morre, hein? Faz esse favor. Ninguém liga para sua vida. Morre então.”, continuou, enquanto os demais incitavam, aos risos. “Morre. Morre. Morre. Morre. Morre. Morre.”, proferiram, antes de Thomas desferir um violento chute na cabeça da criança, jogando-a para trás. – Meu Deus. Pedimos tanto para que ele morrer, que ele deve ter atendido aos nossos pedidos. – o garoto começou a chorar.

- Vamos. – disse o irmão. Fitou o exterior da residência da criança e a percebeu toda vazia. – O Krampus logo chegará.

Os gêmeos evadiram rapidamente do local, a passos largos. Distanciaram da residência em poucos segundos. Sentiram-se livres.

- O que faremos agora? – perguntou Matheus, ao irmão. Apesar de ter parado de puxar Thomas, ainda continuava na sua frente

- Vamos para casa. Está gelado aqui fora. – respondeu o irmão. De fato estava um vento nada agradável, comum nas altas madrugadas.

- Mas o Krampus não irá nos buscar lá? Diz o livro que a mamãe leu que o Krampus castiga as crianças más até o raiar do dia de Natal.

- Mas no livro que a mamãe leu diz que o Krampus visita as crianças más junto com o Pai Natal, cujo trabalho termina no raiar do dia de Natal. Provavelmente devem ter outras crianças na cidade para o Krampus punir além da gente.

- Será mesmo? – perguntou Matheus, visivelmente amedrontado. – O Krampus é aquela criança. E foram raptados apenas eu, você, o Breno e o Douglas. Exatamente os quatro que faziam bullying a ele. E se...?

- Matheus?

Lágrimas começam a verter dos olhos do garoto.

- E se ele estiver atrás da gente para vingar a sua morte? Afinal, o Krampus nada mais é do que a transformação da vingança de uma criança. – o garoto leva a mão à cabeça, em total desespero. – Eu não vou ficar em casa esperando a morte chegar. Eu não vou ficar em casa. Não vou. Eu vou fugir. Fugir. Fugir. Até o dia raiar. É isso que farei. É isso que farei.

- Matheus? – perguntou Thomas, preocupado

- EU NÃO VOU FICAR AQUI. – gritou Matheus. Postou-se a correr a toda velocidade. Thomas surpreendeu-se.

- Matheus. – gritou. Começou a correr logo atrás de seu irmão. Todavia, Matheus era corredor, sempre ganhando as corridas da escola. Não tinha como Thomas alcançá-lo.

Em poucos segundos, Matheus desapareceu do campo de visão de Thomas. Este não diminuiu o ritmo, embora gritasse continuadamente o nome de seu irmão. De repente, sobressalta. Um grito ocorre em uma das ruas paralelas à que se encontrava, à sua esquerda. Thomas acelera os passos, já ofegante. Chega frontalmente à rua e solta um arquejo. O Krampus se encontrava no meio da rua, com a boca completamente suja de sangue. À sua frente, jazendo no chão, seu irmão, com o tórax e abdômen abertos, encharcado em sangue próprio. O monstro cravava suas presas no interior do corpo do rapaz, puxando pele e vísceras para fora e as mastigando.

- Math... – gritou Thomas. Todavia, foi interrompido pelo Krampus.

- Você! – disse. Em seguida, desferiu um violento golpe no rosto de Thomas, jogando-o no chão, desacordado. – Você foi o sujeito que me mandou morrer. Graças a você, hoje eu sou poderoso. Hoje eu sou imbatível. A você, eu darei um grande presente de Natal. – em seguida, evadiu do local enquanto puxava Thomas pelas pernas, rua afora.

No dia seguinte, a Polícia encontrou o corpo de Thomas completamente esquartejado no porão de uma casa abandonado. A cabeça se encontrava dependurada em um gancho cravado no teto, junto do tórax completamente aberto. Os demais membros do corpo foram achados espalhados pelo local. E o caso foi dado por encerrado sem nunca terem encontrado o autor dos fatos.