Um estudo em branco

Vamos começar nosso café, os pães-de-queijo ficaram meio queimados, prometo acertar na próxima vez. A história que vou te contar é totalmente verídica! A história da Mulher de Branco das baixadas de sobradinho.

Na verdade, eu sou testemunha da pessoa que me contou esta história, seu nome era “Maritaca”, ganhou esse nome por seu pai ter muitas maritacas e diziam que ele as imitava com maestria; embora, eu mesmo nunca tenha ouvido.

Na minha época, ninguém ficava sem “nome” a primeira coisa que acontecia na escola assim que você chegasse era que seu nome civil virava seu apelido, e você era batizado com um novo “nome”; obviamente não vou te contar o meu, não vou me expor ao ridículo, talvez algum dia, isso daria outro café, outra história.

O ano era 1996, eu era apenas um menino, um novato de 15 anos de idade, recém-chegado ao internato sagrado de uma escola sagrada, que ensinava uma atividade sagrada, a agricultura!

O fato é que “Maritaca” conheceu o personagem de nossa história, o nome dele era “Dadinho” e acredite, isso foi antes do filme que tem um personagem com o mesmo nome.

Sabia que os grãos de café mais claros são os que têm mais cafeína? Por incrível que pareça, os grãos mais escuros têm menos cafeína. Chega de enrolação vamos a história.

Certa noite, conversando com o terceiranista Maritaca ele vira pra mim e diz:

– Ei pense bem antes de ficar neste lugar! Além de ter trabalho braçal nas aulas práticas e de conviver com um monte de moleque doido, isso daqui é assombrado!

Nessa época eu certamente era bastante bobo, mas não tão bobo a ponto de cair em conversa de veteranos espertinhos, mas resolvi dar corda:

– Como assim assombrado?

– Uai, você nunca ouviu falar do “Dadinho”?

– Acabei de chegar aqui. Como poderia ter ouvido falar dele?

Então Maritaca começou a narrativa:

Anos atrás, havia um aluno vindo do pontal do triângulo; seu nome era “Dadinho”, era um aluno regular, tirava notas relativamente boas, dedicado, tinha um pouco de dificuldade para aprender, por isso sempre estudava até tarde da noite, em qualquer lugar da escola, às vezes em uma sala de aula, às vezes na entrada do refeitório, às vezes nos bancos da praça, desde que tivesse luz, lá estava ele, dedicado, se preparando para as provas que viriam, não dá pra estudar no alojamento porque os outros meninos têm que dormir, também têm a regra de apagar as luzes às 22:00.

Numa certa noite; Dadinho já era terceiranista, o ano letivo já estava terminando, ele se preparava para as provas finais; dizem que ele já tinha até promessa de emprego, era só se formar e sair pra trabalhar.

Nesta noite, Dadinho se empenhou um pouco mais, seria uma prova difícil na manhã seguinte, estudou até a meia-noite, as salas-de-aula estavam trancadas, por isso ele ficou na praça, a céu aberto, só com a luz do poste.

Missão cumprida! Matéria passada e repassada, conceitos na ponta da língua, agora era fazer a prova e correr pro abraço! Dadinho guardou seus livros e cadernos e se preparava para ir pro seu quarto dormir.

De repente, ouviu um silvo, um assopro, um gemido o qual ele não sabia discernir. Ficou perdido olhou em volta procurando o que seria, achou estranha a situação e começou a andar apressado. Imediatamente, surgiu uma centelha de luz embaixo de uma árvore, ouviu novamente o silvo, dessa vez mais forte, sua espinha gelou de alto abaixo e ele ficou paralisado.

Olhando aquela luz e ouvindo uma assobio sinistro, eis que vê uma figura humana surgir daquela pequena luz, mas que ia crescendo, se avolumando, tomando forma, a forma de uma mulher! A surpresa e a situação eram tão estranhas pra ele, que ele não tinha força de reação.

Aquela era a mulher de uma lenda antiga que circulava entre os alunos. Diziam que uma das antigas fazendas da região havia sido desapropriada de maneira arbitrária, que o antigo dono nunca recebeu pagamento por ela. Por ser um pequeno produtor, estar impotente diante da situação e arruinado financeiramente, não resistiu e se suicidou. A filha deste homem estava noiva de um grande fazendeiro da região; mas depois disso, o dito cujo a rejeitou; a moça nunca se casou e viera a morrer de tristeza. Desde então, a noiva desfilava pelas terras da região, em noites de lua minguante, porque diziam que seu casamento seria num dia de lua minguante.

O fato foi que aquela luz e aquela silhueta de mulher, iam crescendo, se aproximando, aos poucos Dadinho começou a perceber um vestido branco. Aos poucos, ele começou a ver o cabelo da mulher. Aos poucos, o véu ficava transparente, e havia ali uma mulher lindíssima, apaixonante, provocante! O medo que estava no coração de Dadinho parecia ter desaparecido, agora ele não estava mais apavorado, mas sim, enfeitiçado.

Mas a figura não parava de se aproximar, o silvo ficava cada vez mais alto, mais intenso, quando ficou próxima o suficiente a mulher levanta os braços e ergue o véu, descobrindo assim sua face maravilhosamente linda, ela se inclina para o rapaz e a cada grau de inclinação seu rosto se transformava, ficava mórbido, revelava carne podre e purulenta, e eis que ela exclama em uma voz rouca, terrível: “Porque você não me quis?”

Dadinho, imediatamente se libertou do feitiço e saiu correndo, correndo quase que de olhos fechados, sem olhar para trás, sem ver se haviam buracos no chão, sem perceber portas, ou qualquer coisa que pudessem ser um obstáculo.

Chegou ao seu quarto, subiu ao beliche, se enfiou em baixo do lençol e tapou a cabeça, eis que ele percebe que estava sozinho no quarto, sem nenhum sinal de seus outros colegas de dormitório, as camas perfeitamente arrumadas, como se ninguém tivesse aparecido.

Neste momento, o pavor se agravou, o desespero tomou conta, ele tentou fechar os olhos e cobrir a cabeça, mas depois de alguns segundos de silêncio mórbido, surgem batidas; batidas como que de uma pessoa, dando tapas, nas portas dos armários dos estudantes, onde eles guardavam seus pertences: “Bum! Bum! Bum!”, batidas que ficavam cada vez mais barulhentas e que aumentavam de ritmo, como que se aproximando, e no momento em que estava mais insuportáveis, mais atemorizantes; cessaram; alguns instantes depois o rapaz soltara o ar que estava preso em seus pulmões, neste exato momento, ele tira o lençol da cabeça, abre os olhos e o rosto da noiva ferido, podre surge bem em frente ao seu; ela expele um grito agudo, agonizante, ensurdecedor: “Ahhhh!”, ele apaga e fica sem sentidos.

Pela manhã, como de costume, a sirene do internato tocou as 6:00 da manhã para que os alunos se preparem para o desjejum às 6:30. Dadinho acorda e percebe todos os seus colegas de quarto normalmente, acordando, se levantando, se vestindo. Foi quando veio a sua memória os acontecimentos da noite.

Dadinho levantou da cama bruscamente, assustando os colegas, abriu seu armário e jogou de qualquer jeito suas coisas em um par de malas. Por mais que os colegas insistissem em perguntar o que estava acontecendo, ele não conseguia se expressar, falava frases soltas e desconexas. Conseguiram entender uma das frases: “Eu encontrei a mulher de branco!”

Dadinho, perturbado, de malas prontas, voltou pra sua cidade, sem tomar o café-da-manhã, perdeu as provas finais, nunca concluiu o curso. Anos depois, é que Dadinho contou a história completa, a qual chegou aos ouvidos de Maritaca. Maritaca me contou naquela noite em 1996, e eu estou te contando hoje, em 2016, 20 anos depois.

É claro que essa história me perturbou, por sorte, eu sempre fui um aluno bom, nunca precisei estudar até tarde da noite; e mesmo que precisasse não ficaria sozinho num lugar assombrado, ao longo do tempo também fui me esquecendo disso, mas nunca duvidei da “História da Mulher de Branco”.

Bem, espero que tenha gostado do nosso café; por fim, parece que o pão-de-queijo ficou gostoso, nem deu pra perceber que estava queimado, ficou crocante. Só te dou um conselho: “Nunca rejeite sua noiva!” Ah, também te digo: “Cuidado com as árvores de gameleira! Principalmente na lua minguante.” É isso, até a próxima.

Bruno Maia

brulao
Enviado por brulao em 20/01/2016
Reeditado em 15/02/2016
Código do texto: T5517018
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