GUAM — DTRL 27

A FOTOGRAFIA PENDIA do caixilho graças a um pedaço de fita transparente e era a reprodução exata do quarto adiante. Arranquei aquilo pensando se tratar de alguma brincadeira grotesca, embora Dadaia houvesse indicado, ao entregar as chaves, que desejava mostrar-me uma descoberta “da mais alta importância quando você puser as primeiras patas na cozinha” — minha irmã, uma incorrigível palhaça capaz de puxar-me pelas roldanas do riso mesmo no correr de um mês tristíssimo.

Pois aquele pequeno retângulo maleável não me dizia coisa nenhuma. Ainda por cima, representando com auxílio de flash um cômodo escuro... Mecanicamente, pus a foto em posição, na linha dos olhos, e fiquei alternando entre a miniatura impressa e a perspectiva lançada para além dos quatro cantos: duas camas de solteiro separadas pela cômoda (somente a segunda aparecendo de corpo inteiro), um mosquiteiro pendendo do forro, o guarda-roupa espremido, os contornos cilíndricos de uma lâmpada escurecida. Nada de anormal, exceto por um detalhe que exigiu de mim pálpebras estreitadas. A trinta centímetros do colchão flutuava uma mancha branca, quase opaca, semelhante a um velho pano de chão enrolado em si mesmo.

No verso havia uma inscrição à caneta (uma letra pavorosa):

FANTASMA DA MAMÃE

OU

GUAM

?

O coração parou; a alma queria sair de mim. Dadaia realmente achava aquilo engraçado?

ERAM POUCAS AS APARIÇÕES no passado, mas sempre num requinte, um toque de cristal como a dizer, “veja minha alta patente! Não sou um reles diabinho.” Ou fantasma. Ou morcego-esquilo com largas membranas negras. O próprio gênero do pilantra (“ele”) me é incerto, só servindo aqui para registro. Com o passar dos anos, tornou-se uma espécie de rei autointitulado, provocando prévia anunciação. Tínhamos uma gatinha parda criada desde filhote; o demoniozinho, então, de uma hora para outra, tratou de pô-la no seu riscado! A pequena Zabelê, primeiro, soltava faísca dos olhos em direção aos meus. Depois, ficava num pula-pula dos diabos em derredor, e enguiçava o dorso como uma sanfona imprestável que lembrasse a corcunda de Quasímodo, tão alvoroçada que imaginava em qual momento ela passaria a falar feito a jumenta de Balaão. Ato contínuo, bastava-me lançar a vista para um canto em penumbra — geralmente a cozinha ou cortina absurdamente avolumada — e lá surgia...

G-u-a-m. Eis o nome estampado dentro de meus pesadelos — sim, como que através de manipulação onírica, sequer uma noite deixei de sonhar após suas manifestações. Ora eram crianças rabiscando as quatro letras em cartolinas, ora maçãs gordas despencando de quatro em quatro. Zabelê ficava possuída até o último pelinho da orelha, e largava-se numa prostração por minutos inteiros, deitada, tensionando as patinhas. Uma figura de capa preta, braços escancarados, mas que sumia tão logo ciente do pavor causado na vítima. O verdadeiro mal era cirandar desse jeito, era inocular nesse jogo o temor suficiente à letargia de meus membros.

Contei à Dadaia logo no antigo beliche, a primeira aparição recendendo a tinta fresca. Desci e manietei seus pulsos com o arco de minhas mãos, obrigando-a a dispor os dedos na boca jurando não fazer qualquer menção à mãe. O trato foi desfeito horas depois, da maneira mais cínica, com a mãe diante de mim e Dadaia puxando-me os braços à moda policial insistindo para que confessasse.

Apesar disso, há muito o que ser perdoado em minha irmã. Não tinha meu porte ou estatura, mas era um gigante por dentro, o suficiente para proteger a todos.

Somente dois anos depois, passadas cinco ou seis aparições, minha mãe tomou jeito e me fez visitar médicos. Mais um triênio, e batemos portas de religiosos de diversas tendências (para não dizer diametralmente opostas). Tendo completado meu décimo oitavo aniversário, pelos idos de junho, Guam inovou, irrompeu no canto esquerdo do televisor, no canal 12, e foi se agigantando conforme eu recuava, olhos fixos no morcego-demônio. Num baixar de pálpebras ele sumiu; nunca mais apareceu, encerrando assim, a princípio, onze anos de sustos e malévolas traquinagens no interior dos meus sonhos.

Meses e meses depois, ingressei numa usina de cimento como auxiliar administrativo, salário e meio, tendo que mudar de cidade. Mais além, tratado pela vida como bolinha de pebolim, fui saltando de árvore em árvore, sobrevivendo de acordo com o fruto do suor.

Até que um acidente vascular fulminou minha mãe e me trouxe de volta. Com grande demora.

DADAIA CHEGOU TARDE. Após conversarmos um pouco, tratamos de retirar a pesada cômoda e juntar as camas. Revelou-se uma poeira ancestral; os contornos de quatro plantas de pés retangulares marcavam o piso vermelho, sepultados sob o estrado dos leitos (nostalgia a toda; tantos momentos vividos ali!). Arranjamo-nos e puxamos um grande lençol no qual “Daiana” estava bordado em várias cores (coisas da minha mãe).

— Isso foi recente — disse ela.

Passamos à foto tirada, segundo ela, uma semana antes no puro acaso e vontade de teclar o botão da máquina. Insisti peremptoriamente de que era uma falha na imagem; ademais, o Guam nunca aparecia em fotos (não era esse o exibicionismo a que se permitia), era escuro e lembrava, quando muito, o formato de uma bandeirola junina feito as de Volpi — membros superiores abertos e inferiores afastados.

— Bobagem, pateta! — ralhou comigo. — Se o teu Guam quisesse dar as caras, faria do jeito dele. Um cão, uma cabra, uma imagem de Nossa Senhora; até de Picasso ele pode se mostrar; aquela feiura surrealista.

— Guam, de Picasso? Picasso surrealista? Você bebeu?

— Alice Bailey, lembra-se dela? Um homem de turbante, enquanto ela lia?

— Maninha, não viaja!

— Seja o Guam ou a mamãe, não é bom falar mal da coisa que flutua deste lado da cama!

Sorri, mas triste, cabisbaixo. Dadaia puxou para si o meu rosto e nos beijamos. Esquecemo-nos de apagar a lâmpada.

Inopinadamente, a erupção de um grito. Devo ter dormido duas horas. A própria Dadaia, num espasmo de susto, deu-me uma bofetada involuntária; os cachorros fariam o mesmo, mas trataram de latir a não mais poder. Uma dor terrível e rascante, um ligeiríssimo golpe de faca na tríplice plataforma entre olhos e nariz. Levei a mão ao local imaginando abundante sanguinolência. Os dedos, porém, voltaram vazios, limpos como antes. Longo quarto de hora para me curar dos reflexos daquilo que me deixara perplexo, Dadaia enrolando seus membros na tábua rasa do meu corpo tal qual a mãe sedando a criança com carinho, atenção, segurança.

— Um pesadelo, meu bem... A droga de um pesadelo transtornou você.

— Foi o Guam! O Guam! — eu repetia completamente descontrolado. — O maldito quer voltar depois de tanto tempo! Quer virar minha cabeça de novo!

— Não vou deixar que isso torne a acontecer.

Aquela “facada” não podia ser dor abrupta. Pareceu varar meu crânio. Ali andava a mão invisível do morcego-demônio. Dadaia montou sela em minha impaciência, insistindo na questão da ajuda médica. Fez-me prometer como fazíamos na infância, dois dedos cruzando ante os lábios e o beijo sancionando o pacto.

Nem havia marcado a consulta, e Dadaia veio às pressas com uma acachapante nova solução (palavras da própria). Apanhou do bolso um papel dobrado.

— Toma. Leia.

— De onde diabos você tirou isso? — indignei-me com aquilo, de aspecto sujo, atirado em meu colo.

— De um poste, ora! Vivem abarrotados de coisas assim.

Desdobrei. Era um cartaz amarrotado, sem alguns pedaços (imagino Dadaia arrancando vigorosamente, depois arrependida — achando um absurdo — e embolando das mãos direto para o lixo, mas em seguida “arrependida” de arrepender-se e dobrando-o cuidadosamente a fim de me mostrar).

Li detidamente, sobretudo a “lista de serviços e desfazimentos”. Pareceu calhar a mim como uma luva.

— Já tinha ouvido falar de Mãe Ubá? — indagou.

— Nunca. — Tossi e amuei-me. — Maninha, já tentamos anteriormente não uma, mas várias vezes e...

— Não cacareje. Hoje à noite você irá visitá-la. Está decidido.

O CASARÃO OCUPAVA boa parte do quarteirão, fazendo esquina com a rua lateral. O fato de estar localizado em dada área de notável índice de violência me surpreendeu em dobro. Avancei num corredor e escadaria (não havia porteiro), logo descobrindo se tratar de locações feito as de um prédio de apartamentos. Areial de gente se acotovelando em passagens estreitas e úmidas, sem janelas. Desconfiei que armavam fila para ver Mãe Ubá, a maior desentupidora de caminhos e desfazedora de maus despachos (segundo o cartaz), mas sem demora uma locatária esclareceu sobre escarcéus o dia inteiro por ser um “formigueiro de porcos e imbecis”, mas que a morada de Mãe Ubá era a mais espaçosa e ficava a três andares.

Havia uma placa de madeira fixada à destra da porta. Dei pancadinhas leves, receosas, quase arrependidas.

Mãe Ubá era muito diferente do que eu aventei, ou melhor, do estereótipo de umbandistas configurado em minha mente. Branca, magra, lotada de sardas nas duas e secas bochechas; triângulos virados sob os olhos, nariz curvo, lábios rachados, ancestrais. Usava um turbante branco (me escapa o nome real daquele acessório). Foi me convidando logo a entrar, o anzol da simpatia fincando num peixe chamado Confiança, uma palma na escápula, silente e anfitriã. Sentei-me defronte a ela, numa poltrona gêmea.

O interior era estranho. Havia quadros de diversos tamanhos, embora sempre mostrando pessoas. Sobre cada rosto pincelado, mais precisamente em cima dos olhos, estavam fixadas fitas pretas; nas molduras maiores, três ou quatro bandagens garantindo aquele tipo de censura. A própria Mãe parecia ter acabado de prender uma fita antes de girar a maçaneta.

Principiei prometendo um resumo de todo o caso, e no entanto consumi quase dez minutos em pura falação, indo desde os pulos de Zabelê, os caracteres dos sonhos, a descrição de Guam e seu sumiço repentino — Mãe Ubá só me fitava, fixando o epicentro da visão na contração de minha boca enquanto falava como a querer manipular meu discurso.

Puxei a fotografia do bolso esquerdo e estendi o braço. Sem dar importância a isso, subitamente, ela disparou algo que me desconcertou por completo:

— Você é um... gigolô? Um cafetão?

— Perdão? Um cafetão, foi isso que a senhora disse?

— Sim. Você é?

— Não, minha senhora. Eu trabalho — de alguma forma, tentei arrancar um sorriso em meio ao constrangimento e à abrupta emersão de tais adjetivos.

Mãe Ubá inclinou-se. Começou a farejar profundo, alto e ligeiro, descrevendo um arco com a ponta do nariz; depois, passou a mastigar em seco algum doce imaginário, os olhos eram paletas de para-brisas.

— Curioso — disse —, tem alma que parece trancada a sete chaves e só consigo ver após tremendo esforço. Já a sua é... é como um livro que já me viesse lido. É curioso. Sim, é.

— O que isso quer dizer?

— Criatura depravada. Não, não, não se exalte, nem se levante. Falo mais baixo: criatura de-pra-va-da.

— A senhora escolheu o alvo errado para essas brincadeiras!

— É como... violar o ventre da própria mãe. É misturar sangue que nunca devia ser misturado. Isso está fora de questão, entretanto. O motivo de sua visita nem precisa ser dito; ele é um holofote na sua testa, em letras garrafais. Sigamos. Mas espere.

Havia jogado o olhar acima do meu ombro enquanto falava, observando algo situado atrás de mim. Acompanhei suas passadas até a parede. Um pedaço gasto de fita isolante se encontrava no rodapé.

— Criancice desses olhos, sempre mexendo! Malditas retinas com dedinhos! Todos avisados, hein? — Mãe Ubá recolocou a fita sobre o quadro, embora notasse o caráter imprestável dela. Retornou nas mesmas e invisíveis pegadas anteriores e se sentou. Não movia um músculo.

"Uma biruta! A quem me humilho pedindo ajuda! Que asco!" pensei, querendo dar meia volta e escapulir daquele lugar.

— Posso contar com a senhora ou não? Já tentamos uma vez num terreiro...

— Naturalmente, mas até certo ponto.

Exaltei-me.

— Pelo visto, os cartazes que a senhora espalha nos postes são enganosos.

— Querido, entenda logo de começo: ele é um brincalhão; zomba, zomba de você como se fosse um moleque. Ademais, por que se preocupar com a aparição em si se ele é mais presente que a sua sombra? Não seria melhor pensar, tipo, “puxa, se eu o vejo ele ao menos saiu da minha carne”?

— Está dizendo que ele vive em mim? — assustei-me.

— Há coisas tão flagrantes que nem se necessita apontar o dedo para elas.

— Sério?

— Sem dúvida. E sempre no seu ombro direito.

— Neste aqui? De fato? Mas deve ter o meu tamanho!...

— Tolice! A dimensão espiritual não comporta tamanhos. Se der na veneta de uma entidade tornar-se como um grão de ervilha, assim será.

— Vou pensar nessa ervilha...

— Não o vejo aqui e agora, fique despreocupado. E você não é o único a dançar nas mãos dele.

— Há outros? Seus conhecidos?

— Seus também, e não só seus, mas de milhares, milhões. Ficaria surpreso.

Levantei-me. Quis arrematar a conversa:

— Quero destruí-lo. Quero transformá-lo em vapor. Mas no momento tão somente me basta apagá-lo de vez do meu caminho. Mãe Ubá, como fazer isso?

— O caminho é invocá-lo. Ali — endureceu o indicador em direção a uma passagem lateral. — Eu advirto: não há retorno para quem atravessa. Encontre a face do seu inimigo.

Hesitando a cada dois passos, volteei uma mesa de centro e segui em linha terá. Era uma espessa cortina de mariscos que dava para um corredor muito escuro. Só se via um retângulo de luz, na parede à esquerda, a mais ou menos vinte passos de distância. Sombras flutuavam dentro daquele lugar; eram pessoas ou objetos no movimento natural ao redor de uma lâmpada.

Pondo o pé no limiar, estaquei assombrado. Ambos os caixilhos da porta pareciam ter sugado minhas forças; catatonia total, à exceção da cabeça girando para todos os lados. As três paredes e o teto que jaziam fundo nas pupilas estavam tomados por mulheres alvas e em pelo. Fixas, de cócoras nas superfícies, davam a impressão de quem analisa em minúcias certas figuras pintadas sob o tato, que um olhar logo identificou serem o desenho de tabuleiros ouijas, duas fileiras curvas de letras, uma reta de algarismos. Até as quinze ou dezesseis madames pregadas ao teto assemelhavam-se a cientistas entregues às lentes de seus microscópios. Mãos destras seguravam copos que, em devoto gesto católico de cruz, cobriam as letras correspondentes. O gesto se repetia com aparência de eternidade.

Subitamente, moveram o rosto em minha direção. Todas, todas. Não eram faces comuns, corriqueiras; máscaras de pierrot aparentemente inocentes, por isso, duplamente medonhas.

— Psst! — sibilaram aquelas loucas levando um dedo à altura da boca. Requisitavam de mim silêncio pesado.

Uma delas, porém, gritou para as demais:

— Guam!

Os silvos de quietude foram direcionados a ela, mas como que respondendo a um aval ou senha, duas outras, em pontos distintos, explodiram:

— Guam!

E por todo o cômodo houve um coaxar da palavra. Ficaram possuídas de um frêmito, um arrastar de copos sobre os tabuleiros, um alarido invocando o meu demônio.

— Ele vem? Ele vem? Ó Arcanjo! — devaneou uma delas.

— Ó Cruz de Sete Patas!

— Sírius Apagada!

Máscaras apontando para o encontro entre duas paredes. O pavor obstruiu meus dutos respiratórios; a visão tensa no foco, naquela aresta descendo do teto e delimitando as partes a dez metros de mim.

Aos meus olhos, algo como um bastão preto surgiu naquele canto. Devia estar a meio metro do piso. O bastão se tornou um ponto redondo e em seguida já aparecia um corpo todo fuliginoso e agachado, o queixo afundado no peito, dando a impressão de alguém prestes a engatinhar no interior de um saco escuro.

Guam, o maldito!

As loucas chegaram ao ápice do alvoroço.

— Estendam o tapete! O rei é digno! — e a esse chamamento individual, todas as mascaradas atiraram seus copos contra o piso delineando um caminho de estilhaços entre mim e ele.

Vi-me abruptamente arremessado num filme de stop motion, embora para meu espanto fosse o pior e mais realístico cenário ante o nariz. Tal qual uma câmera, o abrir e cerrar de pálpebras ditava passo a passo os movimentos daquele cômodo. Guam, sem por um membro sequer à frente dos demais, ia aproximando-se. As loucas desciam em cadência idêntica, os rostos de arlequim obsessivamente me buscando, apontando para mim!

A cerca de dois passos bem distendidos, Guam revelou-se. As cordas que propagam minha voz desabalaram em fuga, senti-me pura carniça e ossos. Não eram simples covas ovais descendo até a boca, onde supunha globos oculares, nem orelhas serrilhadas, nem o queixo chamuscado naquela cabeça de berimbau, mas estar pela primeira vez frente a frente com o pavor da meninice, com o desestabilizador do sistema nervoso e terror dos momentos em que fiquei solitário em ambientes sombrios...

Nenhuma louca permaneceu pendurada; desceram ao piso e ficaram reunidas, estáticas como sacerdotisas. Meu corpo tremia de alto a baixo; a voz esganiçava:

— Diabo encardido! Amaldiçoado! O que quer de mim? É me matar? É dragar minhas forças? É me ver definhar no fundo de um colchão de hospital? O quê?! O quê?!

As loucas da ouija ergueram a mão ao rosto e ensaiaram retirar suas máscaras. Ouvi risadinhas.

— Meu Deus! Pai de todos! Esconjuro!

Arlequins jazendo na queda. Dadaia em todos os rostos! E como riam, e como contraíam as abas do nariz! Que possessas!

Uma delas avançou até mim. Entregou-me um objeto embrulhado em fitas sujíssimas.

— Por Jesus Cristo, me digam! Me digam! O que querem de mim?!

— Sei-va de A-dão... — guinchavam.

— Como?!

— San-gue... San-gue...

Guam rugiu pelas covas mortas, vazias. Apertei o objeto contra a barriga numa catatonia de medo. A louca principal salivou na ponta de um dedo e o elevou até o cabeçalho do nariz. Todas as demais Dadaias fizeram o mesmo.

— San-gue... Cer-tei-ro... San-gue...

— A minha cabra! — estridulou Guam, dobrando de tamanho. Jamais esquecerei aquele som de borbulhas vulcânicas.

Algum ímã poderoso sugou meus sentidos. O dorso chocou-se contra alguma superfície. Apaguei.

O RELÓGIO MARCA seis horas e meia. Deitarei a caneta sobre o caderno, mas já me adianto apanhando o objeto. As tiras foram desfeitas. Uma bela adaga.

O relógio é implacável. Dadaia chegará a qualquer momento, casaco prum lado, sapato para outro.

Uma carrada de anos, e só agora percebi. Ouço as trincas do portão rangendo.

A faca é soberana. Continua num punho fechado, tenso e tocaiado, porém decidido, à sombra das minhas costas.

[Tema: Sobrenatural]

Sulfato de Fiji
Enviado por Sulfato de Fiji em 26/04/2016
Código do texto: T5617039
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