O GATO

Fazia certo tempo que minha esposa apresentava tal proposta, e eu seguia relutante. Nunca fui destes que detestam animais, no entanto sempre tive certa cisma com gatos. Até me pediam explicações, um motivo para tal receio. Na verdade não tinha nada, nenhuma resposta, não gostava e pronto.

Há um ditado popular que diz “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. E foi o que aconteceu. Sabe como são as mulheres, nenhum ser é tão capaz de artifícios para a conquista do que desejam. E assim numa bela tarde de sábado, veio ela com um pequenino bichano em seus braços. Era negro, destas de dar susto em sexta-feira treze. Seus olhos alaranjados reluziam como fogo e seu pêlo denso se ouriçou todo com a minha presença. Relevei.

O animal foi crescendo, e eu na minha complacência fui tentando me acostumar com a estranha presença. Confesso que até tentei uma aproximação, um carinho, um afago, mas não dava, ficava em meu coração a cisma contra o animal. Não era nada pessoal contra o gato que ali vivia, no ceio de meu lar, era algo maior, contra toda uma raça.

Ao passo que se passavam os meses via aumentar o afeto entre ele, e minha mulher. Roçava em suas pernas. Ronronava. Chamava sua atenção. Juro que muitas vezes ficava com a impressão de que cada olhar dela desviado de mim, o gato olhava-me com deboche. A mulher dizia-me que estava ficando louco.

Mas cada sentimento dentro de nós, assim existe por algum motivo. Numa noite fria, entrada do inverno voltava de uma viagem demorada, compromissos de trabalho. A única coisa que pensava eram os carinhos e o corpo sedento de desejo de minha amada esposa. Abri a porta e não tardei á beija-la e abraça-la. Mantinha dentro de mim o mesmo ímpeto e desejo de outrora, e sem demora estávamos nus em nosso quarto.

Embriagado pela paixão não pude perceber que uma estranha figura assistia passivo e calado aquela cena de amor. Mesmo com o ciúme corroendo seu corpo e sua alma ficou ali, no silêncio até que os dois amantes adormecessem saciados pelo prazer. Meu corpo relaxou, e jamais imaginei tal perigo. Só dei conta da presença de tal figura ao sentir meu corpo ser tocado levemente por patas tão suaves quanto veludo. Abri lentamente os olhos e vi ganhar forma sobre meu peito a figura do gato negro. Seus olhos enraivecidos tinham uma tonalidade ainda mais forte de alaranjado. Pensei em espantá-lo, mas faltou tempo. Sorrateiro e rápido como o melhor dos ladrões em segundos estava com a minha jugular ao seu alcance. Suas garras afiadas deram apenas um talho. Fatal.

Talvez meus sentimentos e minhas reticências com o animal fosse um aviso. Um aviso que não escutei. O gosto amargo do sangue esvaindo de minha garganta e a visão turva do gato preto, com seus olhos de fogo foram a ultima coisa que senti e que vi em minha vida.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 16/07/2007
Reeditado em 12/12/2007
Código do texto: T567222
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