A origem d'agonia

A tragédia estava estampada no casal expulso, perto do querubim armado [com uma espada]. Na verdade, eram vários; [eles] ficavam de atalaia pelos cantos, protegendo assim o Éden.

Com que horror ela não recebeu a notícia de sua expulsão do paraíso e, o que adviria depois disso? Seu companheiro, por sua vez, levava as palmas das mãos ao rosto, encobrindo-o por ter corroborado em tamanha perfídia contra o Criador.

Quando [ele] recebeu a notícia de Deus, não Lhe contra-argumentou em sua decisão, porque um turbilhão irrompeu-lhe, pela fronte, com a seguinte afirmação: 'Que seja! Se uma própria parte de mim teve tamanha audácia para o único ato pela qual Deus nos advertiu, o que eu não faria?'

Esse lastimoso pensamento que se seguiu junto com ele, até quando já estava fora do paraíso, reteve os seus olhos ante o pudor de si, e não pode deixar de soltar um esgar de ódio contra ela.

O pórtico de fina camada transcendente servia como a última visão, duma infinitude, numa existência de Eterna Verdade. Enquanto o porvir era anunciado pelo impassível olhar do anjo, em seu sinal de banimento. Seria essa, o início da era da agonia para eles e seus futuros semelhantes.

Os pés deles, que eram tão bem tratados pela doce grama, 'colada ao céu', seriam eles, os primeiros humanos a terem calos, com deformadas unhas. Sendo que ele era o antecessor de todas as deformidades na morfologia, e também o criador-maneirista das incessantes buscas para aliviar o fado, que ele mesmo se infligiu. Ela, por sua vez, era a criadora da moda, que nada mais era do que a fundadora do 'pudor-vergonha', e a causadora de toda a hipocrisia humana que habitava nos seres humanos, a cada vez que tentassem uma introspecção.

A origem da tragédia poderia ser antecedida no primeiro olhar, com que ela dirigiu a tentação de compreender o que não poderia compreender. Aflorado de seu plexo, todas as séries de infortúnios que carregava no [adormecido] útero. Agora, estaria em plena atividade, aliada as vísceras dele, que lhe alardeariam ideias tentadoras.

Faíscas doiradas, rebrilhavam em saudações de despedida para os degredados.

Algumas folhas da palmeira, lacrimosas balouçavam, no intuito de orvalhar em seus corpos, para num propício momento, em solo forte enraizarem; a esperança que fosse regalada com a alegria de seus netos.

Passado o temor inicial, ela dirigiu-lhe um falso conforto, que absorvido não seria pelas lágrimas dum homem, que dali em diante, carregaria um 'mundo em suas costas' recém cicatrizadas.

[...] Momentos repetiram-se com a mesma tenebrosa luz.

***

São Paulo,

06 de novembro de 2008

*Foi baseado no quadro 'A expulsão de Adão e Eva do paraíso', do pintor italiano Masaccio.

Felipe Valle
Enviado por Felipe Valle em 12/08/2016
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