Baile no inferno

Baile no inferno

Zeferino era um sanfoneiro muito conhecido na região agreste do Piauí onde vivia com sua família.

Tinha uma pequena propriedade onde cultivava o suficiente para sobreviver com sua esposa dona Sofia e dois filhos menores de idade que muito precisavam dos cuidados da mãe.

Ali onde morava tinha suas terras rodeadas por pequenos sítios, também alguns latifundiários o que dificultava Zeferino de prosperar já que não tinha condições de adquirir mais um pedaço de terras porque dispunha de poucos recursos. Mas, vivia feliz. Afinal as terras eram de uma herança deixada pelo seu finado pai quando ele era ainda jovem. Tinha sua casinha, um pequeno cercado onde cuidavam das vaquinhas leiteiras, algumas cabras e tinha também um cercado para criação de porcos para carne e banha. No terreiro viam-se muitos patos e galinhas e isso era tudo o que Zeferino possuía.

O objeto de maior valor era sua sanfona com a qual Zeferino ganhava um bom dinheiro tocando para a vizinhança todo final de semana. Nunca faltava dinheiro porque ali havia apenas ele com a fama de maior sanfoneiro de toda região. E era mesmo! Ele recebia muitos convites para animar festas escolhendo sempre a que lhe rendesse mais dinheiro com o qual comprava o que a terra não produzia. Só que quem dava duro no serviço da roça, era sua esposa, que levava para o serviço os filhos menores num carrinho feito gaiola, onde deixava ali enquanto trabalhava.

De repente as coisas começaram arruinar para Zeferino. Quase não apareciam festas para animar. Não tinha baile para tocar e isso incomodava o famoso sanfoneiro daquela região. Dinheiro acabando. Já não dispunha mais de reservas e a preocupação aumentava com a escassez de dinheiro.

Um dia Zeferino levantou-se pela manhã bastante nervoso com a situação. Chamou a esposa para uma conversa. Houve pequena discussão devido à falta de dinheiro. Dona Sofia também já se preocupava com a situação do marido. Nunca haviam discutido e, agora devido às dificuldades já acontecera. Algo desagradável. Foi quando Zeferino virou-se para dona Sofia e disse com a voz alta, muito estressada:

_Hoje eu toco um baile nem que seja no inferno! Não aguento mais esta situação!E se o capiroto precisar, toco até pra ele!

Dona Sofia se benzeu e disse:

_Cruz credo homem! Isso é lá coisa que se fale?É só ter paciência que isso logo passa!Tenha fé em Deus! Ele vai nos dar um jeito até que as coisas melhorem!

Mas, Zeferino teimava repetindo várias vezes o que já havia dito. Pegou então sua sanfona, pôs às costas e saiu pela estrada afora sem rumo, sem destino. A pobre mulher acompanhou olhando-o até perder de vista quando ele dobrou caminho numa encruzilhada.

Não demorou para o sanfoneiro encontrar no caminho um homem muito bem vestido, montado num cavalo alazão que dava tremendo sopro pelas ventas. Era um puro sangue de causar inveja,mesmo.Ali na região nunca tinha visto semelhante. Muito bem arreado, seu peitoral de argolas reluziam ao sol da tardinha parecendo diamantes. Arreio, pelego e baldrame que era de fazer inveja. Zeferino não tinha dúvidas de que se tratava de um grande fazendeiro ali das redondezas, mas pelo visto era alguém que ele não conhecia.

Segurou seu cavalo pelas rédeas que arrastando as patas levantou tremendo poeirão assustando Zeferino. Parou seu cavalo, cumprimentou o sanfoneiro, ao sorrir mostrava seus dentes de ouro que reluziam de doer a vista. Perguntou se Zeferino era mesmo sanfoneiro. A resposta foi a mesma que ele havia dito para sua esposa sem pensar nas consequências, no que o fogoso cavaleiro prontamente lhe disse:

_Pois é amigo, hoje à noite vou ter lá em casa uma grande festa e o que eu mais preciso é de um bom sanfoneiro para animação. E você pode fazer isto, pois até já ouvi falar do famoso sanfoneiro aqui da região. Perguntou por quanto ele tocaria para animar sua festa e a resposta de Zeferino embora absurda foi aceita de bom grado. Acontece que o sanfoneiro meio desconfiado do cavaleiro fez oferta muito alta do que costumava cobrar achando que ele não aceitaria. Puro engano. Ele meteu a mão na algibeira, entregou a Zeferino um maço de dinheiro e disse:

_ Se aceita, monte aqui na minha garupa e vamos para não chegarmos atrasado porque o pessoal espera com ansiedade pela animação da festa e já vi que encontrei a pessoa certa. A festa termina à meia noite quando termina o nosso contrato.

Zeferino que já não tinha mais o que fazer, montou na garupa do alazão e lá se foram eles pelo estradão.

Chegando numa encruzilhada havia uma porteira quando o cavaleiro pediu a Zeferino que fechasse bem os olhos porque seu cavalo não respeitava porteira. Zeferino gelou todo o corpo, mas obedeceu. Quando abriu os olhos viu-se num grande salão de festas todo enfeitado de bandeirolas, vários efeitos de luzes coloridas. Ficou muito animado porque não lembrava que tivesse tocado num lugar tão aconchegante.

Foi lhe dado um banquinho para sentar tendo a seu lado um segurança, mas que estava ali apenas para lhe ordenar. Começado a animação Zeferino percebeu algo estranho. Viu ali encostados na parede várias pessoas com sacos nas costas, uns maiores, outros menores, mas eram muito estranhos. Eram pessoas que ele conhecia mas que tinham morrido e ele agora encontrava com este povo ali na festa todos carregando pesados sacos às costas.

Zeferino tocava uma seleção de músicas e tentava parar para tomar fôlego, pois começava a sentir cansaço, mas aquele segurança lhe ordenava. É para tocar. Vamos, não pode parar. Mais uma seleção de músicas e Zeferino já começavam sentir câimbras nos dedos. Tentava parar, mas era interpelado pelo vigia;

_ Toca, porque você foi pago para isso. E muito bem pago. Vamos,vamos,vamos!

O corpo já estava todo doído quando o sanfoneiro já quase não suportando encontrou coragem de dialogar com o segurança e lhe perguntou:

_Porque estas pessoas que estão ali de pé seguram aqueles sacos na costa? Foi quando ouviu a resposta que ele não queria ouvir:

_Aquele sacão que cada um carrega é o peso de seus pecados e eles estão pagando isso aqui;

_Vamos continue tocando!

Foi aí que Zeferino se deu conta que estava realmente no inferno e ali estavam muitos de seus conhecidos que já haviam falecidos, alguns há muitos e muitos anos.

Puxou mais uma seleção de músicas vendo que se aproximava da meia noite. Ao final daquela seleção de músicas Zeferino exausto não suportou o cansaço. Com o corpo todo doído, foi tomado por câimbras nos dedos e parte do corpo, desmaiando e caindo em sono profundo. Por algum tempo perdeu a noção de tempo e de mundo. Acordou sendo chacoalhado por sua esposa que chorava desesperada tentando reanimá-lo junto com alguns vizinhos que tinham saído à sua procura. Ele havia saído na sexta-feira no final do dia e já era manhã de domingo. Onde ele estaria todo esse tempo não conseguiu explicar. Embora ninguém o acreditasse disse que esteve todo esse tempo tocando num lugar muito bonito, mas que tocou sem parar por todo esse tempo. Sua roupa; calça e camisa estavam grudadas ao corpo de tanto suor. Não soube dizer como chegou ali. Como também não soube explicar como tudo terminou. Quando ele disse por quanto tocaria pela animação foi examinar o bolso onde encontrou a quantia vultosa que havia pedido para tocar. Tudo conforme havia combinado. E agora quem quase desmaiou foi sua esposa que disse:

_ “Homem de Deus, pelo que está dizendo você tocou todo esse tempo pro coisa ruim”. E ele te pagou direitinho! Que horror! Que coisa absurda! Que te sirva de lição!

““O que foi feito com tanto dinheiro não me pergunte, mas o que ficou ai foi a grande lição que diz:” Quem não pensa no que vai dizer, nunca diz o que pensa”. E ainda como diz o ditado: “O pouco com Deus é muito mas o muito sem Deus não é nada.

Antonio Barros de Moura Filho

Antonio Barros
Enviado por Antonio Barros em 13/08/2016
Reeditado em 27/08/2016
Código do texto: T5727309
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