Escritor Assombrado

A noite estava escura como sempre. Na verdade não era só a noite que estava mais escura. Tudo parecia ter um tom de cinza com preto. Parecia que a sua vida era totalmente preta e branca. Quando a noite surge é que isso piora. A noite para ele agora parecia mais escura e sombria, como se tivesse algo escondido sempre pronto para ataca-lo. Era uma sensação horrível que não o deixava em paz. Ela começou quando ele comprou uma caneta. Ela estava na loja de antiguidades como se o tivesse esperando. Seus estranhos detalhes foi o que lhe chamou mais atenção, mas não foi apenas isso. Ele sentia que ela o chamava, como se pedisse para ele usa-la. Sentindo isso ele a comprou.

E assim começou o seu pesadelo.

Ele era um escritor falido. Sua criatividade e inspiração o haviam abandonado havia muitos anos. E sem essas duas amantes um escritor não é nada. Sendo assim ele estava desesperado, não sabia como as recuperar. Comprou a caneta, mas não sabia se iria chegar a usa-la ou não. Não tinha nenhuma idéia para por no papel. Porém uma coisa extremamente assustadora aconteceu. Uma coisa que ele já não suportava mais. Ele então subiu no terraço e estava lá pensando nos acontecimentos passados. Um vento frio batia no seu corpo. Ele fechou ainda mais o casaco, ao mesmo tempo que tirava a caneta do bolso. Mesmo agora ainda a achava muito bonita. Respirou fundo. Ela era bonita, mas era uma maldição na sua vida. Uma que ele estava decidido a acabar. Levantou o braço com a caneta na mão pronto para joga-la longe quando ouviu uma voz.

- O que pensa que esta fazendo?

Era ela! Tinha certeza disso. Era impossível esquecer aquela voz, que parecia que vinha dos confins mais obscuros da Terra. Ficou pálido. Seu braço ainda estava levantado pronto para jogar a caneta longe, porém a coragem que antes tinha foi embora ao ouvir a voz. Ele estava paralisado de medo. Tanto que, além de não conseguir jogar a caneta, não conseguia se virar para encara-la.

- Te fiz uma pergunta, Lucas. O que pensa que esta fazendo?

- E-eu... Eu não agüento mais!- desabafou ele com toda a coragem que conseguiu reunir.-Sempre escrevi histórias de amor, com sentimento e alegria. Mas você... as coisas que me manda escrever, as imagens que põe na minha cabeça. São macabras! Cruéis!

- Mas que estão lhe dando muito dinheiro e fama. Muita mais do que você já sonhou. Tudo que fiz foi lhe dar aquilo que você queria.

O que ela dizia era verdade. Havia seis meses que havia comprado a caneta e nesse tempo sua vida havia mudado. Ele escrevia tudo o que ela mandava e era sempre uma coisa muito ruim e pesada. Histórias sobre assassinatos cruéis, estupros e outras coisas terrivelmente macabras. E ela não se limitava apenas em falar, ela também lhe enviava imagens de quase tudo o que dizia. E essas imagens terríveis não iam embora, ficavam o assombrando quase toda hora. Era como se pedissem para ele fazer aquilo que mostravam, mas ele jamais faria isso. Jamais! Porém uma coisa ele não poderia negar.

Nuca havia feito tanta fama e fortuna antes!

Seu editor estava pasmo com os seus novos contos. Quase não conseguia acreditar que eram dele. E na verdade não eram, mas não tinha como explicar essa situação para ele. Não demorou muito e esses contos se tornaram um livro que agora vendia horrores. O dinheiro entrava gordo em sua conta, embora ele não conseguisse entender como histórias cheias de rancor, raiva, inveja e sadismo podiam vender tanto. Como as pessoas podem gostar disso? Era uma pergunta que Lucas não sabia a resposta.

- Isso é verdade. Eu sempre quis fazer sucesso, mas o queria fazer com os meus livros, com a minha arte. E não com essas coisas horrendas que você me força a escrever e ver!

Nesse momento, tomado pela raiva, Lucas se virou e a encarou pela primeira vez desde o inicio da conversa. Já a havia visto muitas vezes, mas mesmo assim ainda não estava acostumado. Na verdade ele achava impossível estar acostumado a ver uma criatura dessas. Ela era baixinha, de pele branca como papel e enrugada, olhos com pupilas amarelas, dentes amarelos e afiados e cabelo preto preso com uma mecha de cada lado na forma de maria chiquinha. Usava um vestido roxo e um sapato de cor preta.

- Meu Deus!- disse Lucas muito assustado.

- Eu te forço a ver?- ela soltou uma risada gutural. Uma que fez o sangue de Lucas gelar.- Eu não te forço a nada. Tudo o que fiz foi te ajudar. Desde a loja eu podia sentir a sua angustia de não conseguir mais escrever. Um escritor que não tem mais inspiração ou criatividade não é nada. Estava tão angustiado que decidi ajuda-lo.

- Me ajudar? Tudo o que fez foi me tornar um escravo seu e dessa caneta!- Lucas não sabia de onde havia tirado coragem para dizer isso, mas não parou para pensar. Simplesmente continuou.- Nunca foi sua intenção me ajudar!

- Ora, então o rato sabe se revoltar. Pelo visto não vou mais conseguir te enganar. Tem razão, eu não estou aqui para ajudar você, apenas para usá-lo com o meu instrumento. Agora que já sabe vou mudar um pouco os termos da nossa relação.

De repente a caneta ficou muito gelada. Lucas tentou soltá-la, mas em vez disso sua mão se fechou ainda mais sobre ela. A caneta foi ficando ainda mais gelada chegando ao ponto dele não sentir mais sua mão. Mas o pior não era isso. Essa sensação de dormência estava subindo pelo seu braço. O que estava acontecendo. Lucas olhou desesperado para ela.

- O que você esta fazendo?

- Agora você não vai mais conseguir soltar essa caneta. Não enquanto estiver vivo, o que não vai ser por muito tempo. Você não vai parar de escrever o que eu mandar até não haver mais vida no seu corpo. Você não vai comer, beber ou fazer qualquer outra coisa. Vai apenas escrever até a sua vida acabar.

- Não! Por favor, me perdoe...

Lucas não conseguiu falar o restante de sua suplica. Sua boca estava ficando dormente também. A sensação já estava em todo o seu corpo. Seu corpo então começou a se mover sozinho, indo na direção de um ela estava. Ele tentou gritar, pedir socorro ou qualquer outra coisa, mas sua boca não abria. Em sua mente ele fazia isso desesperado. Porém isso foi passando aos poucos, pois uma outra vontade foi surgindo dentro dele. Uma que foi aos poucos foi matando qualquer outra coisa dentro dele. Sentimentos, desejos, qualquer outra coisa deixou de existir. Apenas essa vontade ficou em sua mente.

A irresistível vontade de escrever.

Rodrigo Magalhães
Enviado por Rodrigo Magalhães em 01/09/2016
Reeditado em 20/08/2019
Código do texto: T5747535
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.