O LIVRO ANTIGO
 
I
 


Enquanto vasculhava alguns livros na biblioteca estadual em Dusseldorf, um em especial me chamou a atenção, era um livro grande sobre o qual outros volumes se amontoavam e me pareceu a princípio que o dito livro de alguma forma fora camuflado.
Quando questionei o professor Adolf sobre o volume escondido, eu vi o seu rosto mudar, ele ficara pálido e os olhos azuis sob as grossas sobrancelhas acinzentadas se arregalaram.
O professor Adolf era um sujeito magro de estatura mediana e os eriçados cabelos acinzentados quase cobriam aquele par de orelhas enormes, e apesar de demonstrar certo apavoramento aparente acendeu mais uma vela, limpou uma mesa arredondada onde outros livros estavam empilhados, buscando imediatamente o enorme livro que deveria pesar uns dez quilos, colocando sobre a mesa aquele alfarrábio gigante soprando a poeira da capa negra.
Quando o antigo livro foi aberto mostrando o seu conteúdo, tive um pequeno sobressalto devido à figura de um pentagrama desenhada de forma magnifica logo na primeira página, e seis letras rúnicas abaixo da imagem que se sobressaia parecendo saltar da folha amarelada.
Apesar de leigo em assuntos místicos perguntei enfático ao professor Adolf sobre a idade do tal livro.
Então tomado de um medo incomum eu vi os olhos do professor brilharem como tochas de fogo azul, e me olhando disse gaguejando que o livro era anterior à idade das trevas, começando logo a explicar sobre a sua história fantástica.
Contou coisas impossíveis enquanto avançava as páginas endurecidas que deveriam medir sessenta por trinta centímetros, e à medida que as páginas eram trocadas apesar de haver uma numeração desconhecida, aqueles símbolos rúnicos que moldavam as folhas pareciam de forma misteriosa marcar uma sequência de acontecimentos.
No meio do livro em uma das páginas havia a figura grotesca de um monstro com cabeça de bode e asas de morcego sentado em um trono de pedra, vigiado por dois seres estranhos sem rosto com asas negras segurando lanças de fogo com uma das mãos.
Aquele ser apesar das asas de morcego e da cabeça caprina possuía um tronco com braços humanos normais, porem da cintura para baixo as pernas de pelos negros acabavam nos pés em forma de patas, aquela criatura na minha opinião seria algum tipo de sacerdote de algum culto desconhecido.
Ficamos algum tempo debruçados sobre o calhamaço e não percebemos que já estava anoitecendo, o professor Adolf insistiu para eu ficar um pouco mais e ouvir sobre a história do livro.
Não querendo fazer pouco caso do convite resolvi aceitar e escutar sobre as lendas e os segredos milenares guardados nas páginas daquele volume sinistro.
O velho mestre Adolf quando mostrou aquela figura com cabelos de mulher desenhados no estilo medieval numa das páginas do livro, soletrou pausadamente o nome Abadom, e ao pronunciar aquele nome as páginas do enorme livro avançaram automaticamente, indo e voltando, o livro parecia ter vida própria, em seguida ouve um silêncio macabro, e em meio àquela quietação ouvimos batidas fortes na porta de entrada da biblioteca que fez meu coração disparar.
Entretanto as batidas pararam depois de alguns segundos, foram sete batidas sequenciais que aumentavam a sonoridade gradativamente.
Aquelas batidas de fato me assustaram, no entanto foi quando me voltei para ir até a porta de entrada para abri-la, acabei sendo agarrado grosseiramente pelo professor com uma mão firme e o vi fazer um não movendo a cabeça, em seguida me mostrou novamente a figura medieval desenhada na página onde o livro havia parado e as letras que talvez descrevessem um acontecimento.
No momento seguinte o professor Adolf passou o dedo sobre as letras que descreviam a narrativa imediatamente traduzindo aquela frase, aquilo me deixou com os cabelos em pé: “O nome chama do profundo abismo o mestre, se a porta for aberta ele vai entrar e tomar o corpo da primeira alma que estiver a sua frente”.
Então percebi que o livro era perigoso e compreendi porque ficava tão camuflado naquele lugar nos fundos da biblioteca escondido sob outros livros.
Ele continuou me falando após fechar o grosso livro e guardá-lo naquele lugar onde ficava escondido, apesar de não entender de assuntos de magia fui advertido pelo professor em guardar absoluto sigilo sobre a existência de tal volume, e continuou falando até as velas queimarem todo o seu pavio.
Já era madrugada quando fui conduzido até a porta me despedindo do velho mestre.

Passada uma semana após aqueles fatos fui novamente até aquela cidade às margens do Reno acompanhado de minha noiva Juliet, fomos muito bem recebidos por Mestre Adolf, com certa desconfiança notei que o professor ficara muito impressionado com a beleza germânica de Juliet.
Depois de vasculharmos muitos livros desinteressantes insisti para ver novamente o misterioso alfarrábio, apesar de relutar em mostrar novamente o magnifico livro mestre Adolf acabou cedendo.
Fiquei um pouco ansioso quando o enorme livro negro foi colocado novamente sobre a mesa arredondada de madeira maciça, e muito impressionado quando os mesmos fatos se repetiram inclusive as mesmas batidas na porta de entrada.
A única coisa diferente foi que nos esquecemos de avisar Juliet sobre as batidas na porta, pois ela não se interessou em ver o livro e ficara em busca de outros volumes mais românticos e poéticos, e estando perto da porta quando ouviu as batidas resolveu abri-la.
Foi um pandemônio que acontecera dentro da biblioteca quando já estava anoitecendo, por sorte todos os visitantes já haviam saído.
Quando aquele vento morno soprou forte dentro do recinto espalhando alguns livros de sobre as prateleiras, automaticamente o rosto do professor empalideceu, seus olhos arregalaram-se e o escutei quase aos berros dizer: “Depressa Klaus, Juliet abriu a porta!”.
O barulho mais terrível veio em seguida, um grito seguido de guinchos e roncos assustadores como o de um animal selvagem solto.
O som vinha da porta de entrada. Professor Adolf apanhando uma machadinha embaixo de um balcão me fez segui-lo com passos curtos e cautelosos.
Avançamos na direção dos barulhos e roncos animalescos, e perto da porta da entrada entreaberta vimos Juliet parada como uma estatua mergulhada nas sombras, chamei o nome dela, porem ela não respondeu.
Mestre Adolf estava com uma vela na mão direita e a machadinha na mão esquerda, porem não entendi o motivo do uso daquela arma branca, era apenas Juliet!
Aquele silêncio terrível foi quebrado quando chamei Juliet e perguntei se ela havia encontrado algum livro interessante, naquele momento ela começou a virar-se contorcendo-se, fiquei pasmo quando vi suas pernas ficarem voltadas para a parede e o tronco virar vagarosamente como uma grotesca contorcionista, de imediato fiquei em choque como a aparência de Juliet.
Ela estava com a aparência de uma bruxa medieval, e o espanto final foi vê-la correr pra cima de mim uivando e berrando como um ser infernal. Andando assustadoramente com o tronco e as pernas virados em direções opostas me agarrando no pescoço tentando me sufocar, percebi que a força com que ela apertava minha garganta era fora do comum, estava quase sufocando quando senti aquele jato de sangue cobrir meu rosto.
De algum modo o professor Adolf usando a machadinha havia decapitado Juliet. E apesar de sem cabeça os braços dela continuavam a me apertar a garganta até todo o sangue se esvair.
Então cai no chão coberto de vermelho apavorado com aquela cena terrível, Professor Adolf segurava a machadinha ensanguentada gotejando falando calmamente que aquele era o único jeito de acabar com a possessão, o desmembramento ou a decapitação da vítima.
Em seguida em tom de ordem Mestre Adolf disse que era necessário cremar o corpo junto com a cabeça para evitar que acontecesse novamente.
Talvez eu tenha enlouquecido quando obedeci ao professor juntando o corpo e a cabeça de Juliet colocando num saco, levando ela até um lugar ermo em uma floresta próxima para incinerar.
Professor Adolf havia ficado na estrada com os faróis do VW acesos me olhando de longe, talvez se certificando que eu realmente queimaria o cadáver usando aquele galão de combustível que ele mesmo me entregara logo após eu sair do carro carregando o corpo sobre os ombros.
Quando voltamos para Dusseldorf chegando próximos da biblioteca, notei que havia três pessoas em frente ao prédio, percebi a principio que um dos homens com capuz vermelho segurava o enorme livro negro, aquele volume talvez fosse o causador de todo aquele espetáculo horrendo.
Comecei a entender todo o ritual quando vi com espanto o professor Adolf descer do carro e com passos largos chegou até o homem mais baixo com o capuz vermelho fazendo uma reverência, como se ele fosse o líder ou coisa parecida.
Mestre Adolf me chamou para conhecer os membros daquela sociedade secreta, em seguida ao adentrarmos a biblioteca vi com espanto que tudo estava limpo, como se nada tivesse acontecido, nenhum sinal da balburdia de horas atrás.
Os estranhos sujeitos vestidos com túnicas rubras nos seguiram e disseram o motivo de estarem ali, como poucas e enigmáticas palavras falaram que uma presença terrível havia sido liberada do cativeiro.
Eu perguntei se o único jeito de ingressar na seita era como o professor Adolf falara, e eles apenas balançaram as cabeças encobertas com os capuzes rubros em sinal positivo.
O mais estranho foi que uma viatura da policia estadual de Dusseldorf chegou pouco tempo depois para escoltar os três sujeitos, os dois que eram mais altos pareciam ter mais de dois metros, porem o que levou o enorme livro negro era mais baixo e dava a impressão de bufar esporadicamente como fazem os bodes. Com espanto eu vi os pés, ou melhor, as patas do menor deles camuflado com a túnica avermelhada que caminhou iluminado pela tênue claridade da lua gibosa.
Aqueles homens fardados ficaram em posição de sentido quando as três figuras cruzaram em frente deles, logo entrando no Wanderer W 250 parado na frente da viatura.
Daquela noite em diante passei a fazer parte daquela sociedade secreta devido ao sacrifício que havia feito, eu agora era um integrante e Juliet apesar do modo incomum foi à oferenda perfeita.
Mestre Adolf caminhou na minha direção com um sorriso no seu rosto ossudo, eu não entendi quando ele de surpresa me agarrou pelo pescoço me sacudindo, e aos gritos falava “Acorde Klaus, Já estamos fechando!
Então me levantei fechando aquele livro enorme, entregando ao bibliotecário para guarda-lo nos fundos da biblioteca prometendo que voltaria mais vezes para continuar a leitura.
De algum modo aquelas histórias de feitiços e bruxas me fascinavam.

FIM
FernandoCreed
Enviado por FernandoCreed em 08/09/2016
Reeditado em 19/02/2018
Código do texto: T5754365
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