Demônio da morte

Entrei em um galpão abandonado e escuro, encontrei o corpo do meu pai no chão, estava aberto do pescoço até a virilha, e seus órgãos internos estavam espalhados pelo chão. Eu fiquei em pé diante do corpo apenas observando, não demonstrei nenhuma emoção, não sei se não senti nada naquele momento, ou eu senti tanta coisa que não soube identificar apenas um desses sentimentos. De repente senti que o local esfriou, meus pelos do braço e nuca se arrepiaram, lancei meus olhos para a porta e avistei a silhueta de um homem que estava parado me observando, ele se aproximou lentamente, e logo pude identificá-lo. Meu tio, Antony, meia idade, usava um terno escuro sem gravata, cabelos grisalhos e olhar frio.

-Sinto muito.

- você mente mal -sussurrei jogando meus olhos de volta para o corpo.

-Seu Pai não era o homem maravilhoso que você idealizava, ele tinha defeitos -fez uma pausa dramática- estes o mataram.

-Engraçado, por um segundo pensei que sua espada o tivesse matado.

Um silêncio perturbador surgiu e me obrigou a encará-lo. Ele forçou um confronto visual e eu não evitei, apertei as pálpebras e olhei através dele, vi correntes o prendendo e uma sombra preta com olhos vermelhos montado sobre seus ombros. Estava claro que ele não era mais um caçador de demônios como eu, ele se tornou um hospedeiro - alguém que por livre e espontânea vontade faz um pacto e aceita ter sua alma aprisionada por algum motivo egoísta qualquer - e agora perdeu o total controle sobre seu corpo deixando que seu demônio o possua ainda em vida.

-Para um caçador de demônios renomado, você é muito fraco.

-Não estou aqui para discutir minhas decisões pessoais. Quero contratá-la. Preciso que mate uma pessoa para mim.

-E por que você não faz? -sussurrei apontando para o corpo do meu pai- vejo que matar pessoas não é um problema para você.

Ele jogou uma maleta repleta de ouro diante de mim, e se tem uma coisa que caçadores gostam é de ouro.

-Não me faça perguntas, encontre essa garota - disse ele estendendo a mão com uma foto em minha direção- e me traga a cabeça dela.

Toquei na foto e uma garota surgiu diante de mim, cabelos ruivos e cacheados, pele branca com sardas, olhos claros e tímidos, vestia um uniforme de alguma lanchonete, e esbanjava um sorriso falso que aparecia rapidamente e desaparecia com a mesma velocidade. Ela era uma guardiã - pessoa que tem o dom de proteger, aconselhar e ajudar as almas perdidas a resolver suas questões pendentes em nosso mundo e encontrar o descanso eterno. Existem três tipos de guardiões, os que protegem crianças, os que protegem suicidas e os que protegem o restante das almas. - mais especificamente de almas de crianças. Ela é bastante confusa em muitos aspectos de sua vida e guarda muitas mágoas, em relação a seu pai que a abandonou quando criança, sua mãe que a afastou de sua família e quando morreu a deixou sozinha no mundo, e sobre si mesma por se sentir anti social e sempre se vê afastada das pessoas. Soltei a foto e a imagem da garota desapareceu, sinceramente eu não via motivos plausíveis para um homem tão cheio de si e possuído querer matar uma guardiã que nem no mesmo continente estava.

-Tem medo de uma criança guardiã? -debochei e senti que o afetou.

A sombra preta tomou conta de seu rosto, ele inclinou o corpo e fechou a maleta.

-Se quiser o dinheiro me traga a cabeça dela.

Se afastou atravessando a porta e desaparecendo na escuridão. Ela tinha aproximadamente a minha idade, se chamava Jessica Tyler, popularmente conhecida como Jessie T, e tinha a reputação de ser a melhor guardiã do século. Isso assustava alguns demônios que a propósito se alimentam das almas perdidas que por esse motivo precisam de guardiões. Confesso que o motivo que me fez aceitar a proposta não foi exatamente o ouro, mas o porquê dela ser tão importante para ele a ponto dele pedir sua cabeça. Sai do galpão e caminhei até a praia onde avistei de longe um navio fantasma que a 50 anos está preso nesta ilha e navega de um lado a outro. Mergulhei e nadei o máximo que pude até que bati a testa no casco do navio, fui puxada para dentro. Um homem alto, vestido com um uniforme branco e completamente sujo de sangue se aproximou de mim. Quando alguém morre e sua alma fica presa no nosso mundo, ela representa como seu corpo ficou quando morreu, então não é difícil você ver almas com um buraco de bala na cabeça ou facadas no peito.

-O que uma caçadora faz em nosso navio? -ele praticamente gritou sobre mim.

-vim te fazer uma proposta. Eu mato os demônios que os impedem de se afastar da ilha e Vocês me levam a uma pessoa.

- E quem seria essa pessoa?

-Jessie T - sussurrei

-A guardiã Jessica Taylor?- ele voltou a gritar - porque você acha que eu vou levar uma caçadora até ela?

Caçadores e guardiões -principalmente de crianças- não costumam socializar. Primeiro porque caçadores matarão alguém para libertar sua alma, seja ela adulto ou criança e guardiões prezam a vida. E segundo porque mesmo que teoricamente ambos lutam pelo mesmo objetivo - libertar uma alma- os caçadores sempre farão o trabalho sujo de caçar demônios para exterminar e guardiões sempre serão conhecidos como anjos que protegem e ajudam as almas, tirando então totalmente a visibilidade e importância do trabalho dos caçadores. Então você já pode imaginar que a maior parte dessa desavença é por puro conflito de interesses. Afinal, caçadores ou guardiões ainda são humanos com defeitos e tudo mais.

-Não vou matá-la, se é o que você está pensando.

-Vai trazê-la até nós, para que nos liberte?

-claro -respondi

Minha resposta foi com tanta convicção que o convenci sem ao menos precisar de um discurso. Nem precisei afastar os demônios, Antony já havia os ordenado que assim o fizessem. Senti um peso na nuca e de repente tudo escureceu, acordei na praia, jogada sobre as areias brancas e úmidas, estava anoitecendo e de longe avistei banhistas fugindo do vento frio que os fazia tremer absurdamente. Levantei-me e caminhei em direção a um cruzamento, segui para a rua a minha direita onde havia bares e lanchonetes dos dois lados da rua. Tinha muitas pessoas caminhando nas ruas, muitas almas deformadas se arrastavam procurando ajuda, demônios voavam sobre as pessoas a procura dessas almas que gritavam desesperadamente. Mas os gritos que realmente me estremeciam, eram os das almas presas a pessoas vivas, almas sofredoras acorrentadas a vícios, sejam de drogas ilícitas ou a uso abusivo de álcool, almas violentadas de prostitutas que gritavam por socorro, almas de pessoas depressivas que gritavam e arrancava pedaços de si, almas presas a mágoas, abusos físicos e psicológicos, almas acorrentadas a demônios - sim, esses são hospedeiros- todas conseguiam por parte de seus braços para fora de seus corpos e quando me tocavam conseguiam me queimar. Eu caminhava desviando dessas almas, age que praticamente fui lançada para dentro de uma pequena lanchonete, estava vazia, silenciosa, havia apenas eu e um homem que se escondia atrás de um jornal. De repente senti meu corpo esfriar, Girei o rosto e havia uma criança ao meu lado, tímida, escondia o rosto com seu longos cabelos pretos, estava com um vestido branco e antigo, tinha uma marca de corte em seu rosto. Ao seu lado surgiu Jassie T, estava exatamente igual a minha visão, joguei meu olhar novamente a garota que olhava assustada para a janela do outro lado da lanchonete, que tinha três demônios tentando estar, eles pareciam gárgulas, corpos pequenos e acinzentados, asas desproporcionais ao corpos, chifres pequenos, olhos vermelhos, dentes longos e pontudos. Eles batiam no vidro que entortava com eles mas não quebrava, Girei o rosto novamente para a garotinha.

-Por que eles não entram?

-Por sua causa -Jessie respondeu- você os impedem de entrar.

Eu não estava fazendo absolutamente nada, e Jessie sabia, acredito que essa era sua maior confusão.

-Podemos conversar?

Ela analisou minha pergunta por um tempo, acho que ponderou os prós e contras, ela sabia o que eu sou, mas sua curiosidade foi maior que seu medo.

-claro. Me encontrei na praça aqui em frente amanhã de manhã.

Concordei e fui para um hotel próximo ao local, a noite demorou a passar e de manhã eu fui ao local informado, ela já estava lá r quase não a reconheci. Ela estava com uma jaqueta preta, uma camisa de banda, uma saia de prega e curta, meias longas e toda furada e uma bota cheia de detalhes. Seu cabelos cacheados estavam soltos evidenciando seu rosto branco e com pouca maquiagem. Ela segurava dois copos de café, um ela tomara e outro me ofereceu. A garotinha ainda estava ao seu lado, e estava da mesma forma de ontem. A praça era grande, muitas árvores chamadas de “árvores das almas”- algumas almas se refugiavam naquelas árvores se escondendo dos demônios, e por esse motivo os guardiões tinham um certo controle sobre as árvores, se eu tentasse qualquer coisa as árvores me atacariam para que a Jessie pudesse fugir.

-Quem é você?

-Meu nome é Ivy, sou uma caçadora e fui paga para te matar.

Não era algo incomum ver caçadores matando pessoas por ouro, lembrando que ainda humanos, ainda somos gananciosos.

-Eporque não tentou me matar?

-Porque não quero ouro, quero vingança.-fiz uma pausa dramática- meu pai foi morto por um homem que acredito que muito te interessa.

-Quem? O homem que te pagou para me matar?

-Antony whitle.

Jessie arregalou os olhos e repetiu apenas movendo os lábios o nome do meu tio.

-Ele está aprisionado por um demônio e você pode libertá-lo.

Antes que eu terminasse de falar Jessie se pôs em pé e me apressou para encontramos Antony, caminhamos até a praia e nadamos até encontrarmos o navio, nos puxaram para dentro, e o homem que antes gritava comigo, agora conversava tranquilamente com Jessie que usava seu dom para ajudá-los. Logo chegamos a ilha, saltamos e nadamos até a praia. E o galpão estava lá, aberto e fedido, senti que nos observavam e um vento muito forte tentava nos afastar. Subimos em.direção ao galpão e quando adentramos o corpo ainda estava lá, agora já em estado de decomposição. Jessie se inclinou enjoada, e começou a vomitar no canto da parede, enquanto eu observava a feição-agora destruída- de meu pai. De repente a porta se abriu e Antony se lançou para dentro no galpão.

-Você a trouxe viva- ele gritou- você quer me matar?

-Um homem tão experiente e percebeu isso agora?-reagi com a mesma intensidade

-maldita - ele gritou ainda mais alta e sua voz parecia um coral de almas gritando - vou te mandar para o inferno.

-pai - Jessie gritou calando o demônio- se ajoelha.

Antony caiu sobre os joelhos e respirava com dificuldade.

-Porque pai? Porque me.deixou?

-Eu não poderia ver sua mãe morrer- ele sussurrava e chorava- eu tentei, fiz um pacto para que ela não morresse, mas fui enganado.

-Mentira-jessie gritou - você fez esse maldito pacto para ser essa merda de caçador e viver seu sonho longe de nós. Sua família.

Ambos choravam, e agora eu entendia o porque de Jessie causar tanto temor e o porque seu pai me pagar para matá-la, ela era mais do que uma guardiã ou uma caçadora,ela era uma espécie de anjo das trevas, uma espécie de demônio e ela se transformou diante de nossos olhos. Ela ficou maior em altura, suas unhas cresceram, seus dentes ficaram afiados, seus olhos ficaram vermelhos.

-Tentou me matar papai- ela cuspia sarcasmo sobre ele - agora morra.nas mãos do.monstro auê seu pacto criou.

Ainda a distância ela apontou o dedo para Antony e ele foi lançado contra a parede. Antony presenciou Jessie arrancar seu demônio e o esmagar diante de seus olhos, depois o trouxe até ela.

-Quais são suas ultimas palavras?

-Ivy-ele sussurrou.

Ela olhou para mim e eu senti meus órgãos internos incharem, senti gosto de sangue uma dor terrível que veio da boca do estômago e explodiu na minha cabeça. Cai de joelhos abraçando minha barriga e encostei a testa no chão. Senti sua respiração na minha sua.

-Seu papai morto te tornou essa fraca que você é.

-Ivy-Antony gritava.

-Ajuda ele Ivy- Jessie gargalhou sobre mim.

A imagem de meu pai aberto e deformado impregnou na minha cabeça, a dor alimentou a ponto de meu nariz escorrer sangue, e cada vez que uma gota de sangue batia no chão eu sentia uma batida devastadora na minha nuca que fazia meu rosto se chocar ao chão.

-Ivy você é igual a ela, seu pai fez o mesmo pacto, você também é um…

Antes dele terminar senti meu corpo subir, estendi as mãos e meu corpo começou a pegar fogo, Jessie soltou Antony e se lançou contra mim, de repente percebi que nossa briga não era no mundo humano, que estávamos em outra direção, nossos corpos estavam no chão abaixo de nós retorcidos e ficavam mudando de posição, ao nosso redor gritos de almas e demônios voavam e se chocaram um contra o outro. Jessie agarrou meu rosto e começou a sugar minha energia, eu a joguei contra a parede e bati seu rosto barras vezes a desconfigurando, ela reagiu enfiando a mao no meu peito arrancando pedaços de meus órgãos pretos que virarão pó, eu agarrei um chifre que surgiu de sua cabeça e prendi a parede, ela se retorceu criando outra cabeça em seu pescoço, ela cuspiu um líquido vermelho com cheiro podre que me queimou. De repente tudo ficou em silêncio e eu ouvia uma reza baixa e distante, olhei para baixo e Antony rezava apontando suas mãos pra nós. Em segundos eu cai de volta em meu corpo, abri os olhos e acima de mim tinha duas criaturas se atracando, uma parecia um ser humano com duas cabeças que a cada minuto mais cabeças apareciam, ele gargalhava e cuspia aquele liquido. O outro era maior, parecia um dragão com braços e pernas humanos, ele tinha uma língua comprida que enrolava o outro e pegava fogo, sua barriga estava aberta e de lá saiam insetos que pousavam no outro e arrancavam pedaços de seu corpo. Eu olhei para Jessie e ela estava chorando, me arrastei até ela e a abracei. Senti que Antony também nos abraçou, e ele ainda rezava em nossos ouvidos. De repente os dois se uniram e caíram, quando bateram no chão tomaram uma forma humana, e aquilo me arrepiou, era meu pai, ele respirava como.um cachorro cançado, sua lingua saia da boca e batia no peito, ele tinha quatro braços e quatro pernas. Tinha muitos olhos pelo rosto, e os insetos não paravam de sair de sua barriga aberta, sem órgãos apenas um buraco escuro e mal cheiroso.

-o que é ele? - eu questionei apontando para meu pai.

-ele não e seu pai, ele é o erro que matou seu pai e veio para me matar. Eu nunca quis que Vocês fossem envolvidas nisso.-disse Antony nos abraçando.

-e que erro foi esse?-gritei.

-papai não contou? -aquela coisa falou e várias vozes saíram de sua boca- ele e Antony entregaram suas mães e vocês para mim, para serem milionários, e terem tudo o que queriam.

-nos quebramos o pacto -Antony gritou.

-Pactos não se quebram, apenas se renovam.

A coisa nem terminou de falar e arrancou uma costela a transformando em espada, veio em nossa direção, Antony arrancou uma espada da bainha e os dois começaram a lutar, Jessie se levantou e me puxou, corremos em direção a porta e nada mais fazia sentido pra mim, eu não era mais uma caçadora, eu era uma adolescente amedrontada correndo para salvar sua vida. Antony foi lançado contra nós e caiu diante da porta, estava sem cabeça, a coisa se aproximou, abriu a boca e começou a engolir o corpo de Antony, nós corremos.para o outro lado e naquele momento eu tinha certeza que morreria. Então eu e Jessie nos juntamos, como familia, como caçadora e guardiã, como qualquer coisa, pegamos pedaços de metal e pedra do chão e corre.os contra a coisa, batemos nele enquanto ele tentava se defender, mas nada disso adiantou, ele se levantou ainda mais forte, agarrou os cabelos de Jessie, abriu a boca e começou a engolir pelas pernas. Então eu gritei.

-Quero fazer um pacto, nos deixe sobreviver e vamos fazer o que você quiser.

Ele cuspiu Jessie, um sorriso atravessou seu rosto e ele cortou seu dedo deixando pingar sangue escuro no chão, repeti o ato e fiz com que Jessie também o fizesse. Quando a última gota de sangue tocou o chão tudo escureceu. Acordei no necrotério do hospital, em pé, ao lado do meu corpo, médicos cortaram meu corpo e mexiam em meus órgãos. Um homem surgiu do outro lado da sala, não conseguia ver seu rosto, ele apontou para o médico e sussurrou.

-Agora você é um demônio da morte, e vai buscar almas para mim. Eu quero a alma dele.

De repente eu vi a alma do médico se desmanchar na parede como uma bola de tinta, uma sombra preta a sugou através da parede eu olhei para minha mão e a cabeça dele sangrava e seus lábios ainda se mexiam, e dizia com a voz do meu pai.

-Quem é o caçador de demônios fraco agora?

Naquele momento eu entendi tudo, todos já estavamos mortos e meu pai, meu tio e Jessie já tinham feito o pacto, e em nenhum momento estive no mundo humano. Tanto meu tio quanto Jessie tentaram me impedir de fazer esse pacto, e aquela garota que a Jessie protegia, era igualzinha a mim quando criança, acho que foi a maior pista que eu não tinha entendido. Meu pai caçou minha alma e realmente nunca foi o homem que eu idealizei. E no fim o caçador de demônios fraco não era meu tio, era eu.

Sabia que zumbis existem, que mortos podem se mover, e que filmes como O Exorcista, O exorcismo de Emily Rose e Anabelle são baseados em fatos reais? Da uma olhada no blog que eu explico: https://theblackwidowskull.wordpress.com/