A aparição da menina de gesso

Esses dias estava eu no trabalho, quando, de súbito, a menina de gesso me agarrou pelo pescoço implorando que eu contasse aos gritos sua história ao mundo. Eu não podia. Entretanto. Já sou portadora de uma inutilidade constitucional e, qualquer distração, por pequena que fosse, colocaria tudo a perder. E eu, na vida padronizada, posso perder tudo, exceto a minha ocupação.

Então. Não, disse eu.Espera-me na saída que te serei toda ouvidos, contarei a tua história aos horizontes verdes e cinzas , juro-te ó pálida menina que jamais serás esquecida.

Pronto. Triste fim de um bonito começo. Ela, mística e raivosa, se esvaneceu num repente. E nunca mais. Nunca mais retornou para abrir a sua vida para mim, e eu, para os outros. Não voltou nem para dizer seu nome. Nem para segredar o porquê de seu esqueleto ser branco e duro. Tampouco para arrancar a culpa de quem ouve porém não escuta.

Inconsolável. Nunca mais. E nunca consegui dimensionar esse nunca mais. Aparição e sumiço. E perturbação eterna. E... E...E... Às vezes , ao cair da noite e sobre um eriçar horripilante dos pelinhos do pé ao fim do cabelo, parece que a sinto. Pétrea. Gélida. Em desespero como alguém que se afoga. E, claro, busca uma âncora. Indulgência, clamo. O reconfortante é saber que, tempos passados, já senti o inexistente.

flor de vento
Enviado por flor de vento em 17/10/2016
Reeditado em 17/10/2016
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