LAÇOS DE SANGUE (parte 2)

Não sei por quanto tempo fiquei apagado. Poderia ter sido uma hora, um mês ou até um ano. Só sei que quando acordei, não estava mais em minha casa. As paredes eram rochas escuras exibindo luzes amareladas bruxuleantes como o fogo da vela na parede do quarto após uma queda de energia. O chão de terra estava quente deixando o calor transpassar a sola do meu sapato. Meus pés agora ardiam e cozinhavam lentamente dentro das meias. O resto do ambiente era um solitário vazio. Um imenso umbral onde o fogo brotava do chão em diversos locais e uma densa fumaça ganhava o ar. Eu respirava a fumaça a cada segundo e parecia que aquela névoa escurecida enchia meus pulmões, mas estranhamente eu não tossia e nem mesmo me incomodava com aquilo. A escuridão só não era total por causa da luz escarlate emitida pelas fogueiras, eu ainda não queria admitir, mas estava no inferno. Não demorou muito para que o demônio aparecesse mais uma vez.

— Grande Miguel! — O tinhoso vinha caminhando, agora, além da calça social ele também usava um colete de couro. — Seja Bem vindo a minha casa.

Todos os meus músculos se contraíram e o coração parecia acelerar. Mesmo sabendo a verdade eu me recusava a acreditar. Eu estava no Inferno! Provavelmente havia morrido em casa logo depois do pacto. Comecei a me arrepender de ter apertado a mão do demônio.

Enquanto falava, uma densa fumaça negra saia da sua boca e empesteava o ambiente. O diabo me olhava com orgulho e satisfação. Largou um sorriso exibindo os dentes cerrados e cruzou os braços me encarando. Naquele momento comecei a ouvir gritos desesperados vindo por de trás das rochas. Os gritos foram aumentando e ficando cada vez mais assustadores, em poucos segundos se tornaram uma melodia infernal prorrompendo de todos os lados. Quando olhei para cima não encontrei um teto e muito menos o céu. Tudo estava escuro, sem estrelas, apenas a densa fumaça ainda entrando em minha boca a cada palavra que eu dizia.

— Eu quero sair daqui! O trato está desfeito.

O demônio aproximou-se ainda mais meneando a cabeça negativamente emitindo sons estalados com a boca, a expressão mundial para “nada feito” quando balançamos o dedo indicador para os lados e estalamos a língua nos dentes. Pude espreitar que a forma de seu rosto começava a se modificar, agora as orelhas estavam pontudas e os dentes mais alongados. Não existia mais a parte branca dos olhos eram duas esferas vermelho escuro, medonhas e intimidadoras.

— Meu caro Miguel. Eu sou o Diabo, mas sou muito mais justo do que você pensa. Para mim, trato é trato. — Ele se aproximou com a mão espalmada. Esquivei-me para que aquele membro, que logo tornar-se-ia uma pata vermelha com unhas negras, não me encostasse.

O demônio parou o movimento olhando para mim, logo depois continuou, ainda com a fumaça escurecida sendo expelida pela boca:

— Meu filho. Se eu te disse que iria fazer de você um homem rico, saiba que farei. — Pigarreou, cuspindo uma gosma verde bem ao meu lado. — Só te trouxe aqui para que você veja onde passará toda a sua eternidade. Você e sua bela filinha.

Os gritos pareciam regidos por uma orquestra fúnebre. A acústica do inferno, impecável, trazia aos meus ouvidos vozes desesperadas de mulheres, homens e crianças. Uma sinfonia satânica que surgia das rochas nas paredes. Por um segundo, reparando melhor, pude verificar que essas mesmas rochas se modificavam moles e flexíveis. Marcas de rostos com grandes bocas abertas nasciam de dentro das pedras movimentando-se para os dois lados e logo depois voltando para dentro das paredes. O cheiro fétido de morte ganhava o ambiente cada vez mais escuro. Minhas pernas tremiam e o corpo estava prestes a desfalecer. Quando olhei para o chão, percebi que da terra grossa abaixo de meus pés brotavam pequenos vermes compridos como minhocas. Esses vermes começavam a ganhar meus sapatos e eu não conseguia me mover sentindo as larvas subindo pelas canelas arrastando o corpo mole, invertebrado, chegando até o joelho. O demônio alimentava-se do medo e do desespero que meu corpo exalava. Eu gritei com toda a força que pude e neste momento um dos vermes atingiu o canto da minha boca tentando entrar. Como minhas mãos estavam paralisadas, o único movimento que consegui fazer foi apertar o maxilar mordendo aquele maldito. Pude sentir o gosto amargo do liquido que saia daquela minhoca escorrendo ao meu paladar, a ponta que estava dentro da minha boca se debatia travando uma grande batalha com a minha língua.

Não demorou muito para meu corpo cair sendo tomado por aqueles animais gosmentos. Agora, não adiantava mais me debater ou fechar a boca, fui atacado de forma rápida, sendo tragado pela terra quente. No total desespero reparei que da minha boca a fumaça escurecida saia de forma abundante, antes de apagar totalmente apreciei os vermes dançando dentro dos meus olhos uma frenética folia de tentáculos como se comemorassem a vitória de mais um corpo consumido.

Fechei meus olhos e procurei pensar em Deus, mas nada veio a minha mente, apenas a escuridão total.

(CONTINUA NA PRÓXIMA QUINTA-FEIRA, DIA 27/10/16)

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Paulo Costa Lima
Enviado por Paulo Costa Lima em 20/10/2016
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