Sete peles mandingueira - DTRL29
Em um vilarejo remoto
nos confins da Bahia
prá lá da Diamantina
tão longe que o poeirão
passa uma vez por dia e
o carteiro vai novo
e volta velho,
ocorreu um causo
que o povo assuntava
há não muito tempo atrás.
Acontece que vivia nessa vila
em um casebre de pau a pique
numa terra onde a seca castigava e
até calango andava na sombra
de tão quente
uma família muito humilde
dessas bem muito carente.
O pai com seus filhos e a mãe
que não era mãe de sangue e sim criação
dividiam o barracão.
O pobre homem trabalhava
duro o dia inteiro
carpindo, plantando e colhendo
para um fazendeiro
E quando chegava em casa
ouvia a esposa se queixar:
"Esses teus filhos, essas pestes lombriguentas!
Me fazem ralar o dia inteiro
Quando não to esquentando
a barriga na beira do fogão
me mato esfregando o chão
ou desencardindo o banheiro!
Não foi isso que você me prometeu
quando pediu a minha mão
na frente do meu pai
mãinha e meu finado irmão."
E o coitado do homem
tentava se desculpar
arrumando um jeito para não brigar:
"Minha mulher
amor do meu coração
eu sei que você tem razão
tenha calma que tudo vai melhorar
Tenho fé que nosso padim padi çiço
há de abençoar"
O pior é que por mais que
o marido falasse e
as crianças se desculpassem
a cabruquenta enfim, enfezou.
Um bocado de avareza
e um tantão de maldade
a madrasta armou uma arapuca
com requinte de crueldade
resolveu dar um sumiço
nos seus filhos postiços.
Os mais antigos diziam
nas rodas de fogueira
para assustar seus filhos
mesmo que por brincadeira
que no finzinho da cidade
perto da mata, no pé da Serra
morava uma mulher
uma velha decrépita
Tão anciã quanto costela de vaca
cega de um olho
cara descarnada
era dona de uma corcunda
tão corcunda
que parecia anzol de pegar
lambari.
Tinha a pele amarela
como se tivesse bicheira
no topo do cocuruto
escorrendo pelos beiço nojento
fiozinhos cinzas
pendiam do casco sarnento.
Diziam que a velha era
tão chechelenta e
tinha uma inhaca que fedia
mais que suvaco de morto.
Ninguém sabia
de onde tinha vindo
se tinha pai ou mãe
ou se era filha de chocadeira
Sete peles mandingueira
bruxa feiticeira!
E para lá
com o pretexto de ir caçar
levou os filhos de seu marido
pois havia ouvido alguém dizer
que naquelas bandas
havia alguns saruês e
um ou outro teiú
junto a pimenta cebola e chuchu
dariam um bom desjejum.
O que ela não sabia é
que não era a única
que possuía esperteza
pois seu enteado sabichão
marcou o caminho
com alguns pedaços de pão
pressentindo a maldade que estava por vir
tinha ouviu logo cedo
o carcará piando um canto doloroso
anunciando morte certa
ou suspeição de mal agouro.
E qual foi o azar
da madrasta nefasta
pois o roncar de sua barriga estufada
chiando a chegada
de uma bela barrigada
foi para trás de uma bananeira
aliviar-se de uma tremenda caganeira.
Aproveitando o aliviamento repentino
o menino pegou a irmã
e de imediato, caparam o gato.
Não se sabe se foi
o mau cheiro saindo do botico
ou até mesmo um nariz entupido
não a fez perceber a pestilência
que pesteava o ar
não até ser tarde demais
a aparição da meia noite
amante do satanás
rindo de prazer.
E sem poder escapar
dedos finos como graveto
taparam sua boca por inteiro
a impedindo de gritar
e o susto foi tanto
mais tanto
que a madrasta não aguentou e
desmaiou.
Foi o barulho de água ou caldo
borbulhando em um caldeirão
ou uma cantoria macabra
solfejo de perdição
Fez a mucissa desatar a chorar
tentando se justificar:
"Dona feiticeira
senhora mandingueira
poupe minha vida
pois tenho dois filhos pra criar
e sou mãe solteira"
"Ora, deixe de mentira, mulher
pare de besteira
ou tá achando que eu
sou uma besta quadrada
porque eu sinto cheiro de longe
de mentira mal contada"
A mandingueira, retrucou com emoção
e até com certa alegria
entre uma mexida e outra no panelão
continuou a cantoria:
"Te peguei pela mão
e arranquei o seu pulmão
e comi a sua orelha
tostada na grelha"
E depois de enfiar o dedo no caldeirão
e dar um chupão com gosto no indicador
a mandingueira, exaltada exclamou:
"Mulher desalmada, sibite baleada
o seu fim chegou!"
"Dona mandingueira, não me coma pelo amor
de nossa senhora
pois eu tinha confiança
que você tinha uma queda pelo gosto
de criança
e não por uma velha coitada, que nem eu
e te suplico, me deixe ir embora
em nome de Deus"
"Cabruquenta descarada
um molecote gorducho
até me ronca o bucho
mas o que me faz salivar
e a baba escorrer
é carne de gente ruim
assim que nem você
Mas não fique triste
nem com o rosto
preocupado
pois o fato é
que eu gosto de fato ensopado
e essa sua barriga inchada e amarela
vai me render um refogado de panela"
E desse dia em diante, nunca mais
se viu a mulher e nem suas mazelas.
O pai
intitulado viúvo
no documento
descasado por motivo
de desaparecimento
continuou a cuidar
de seus filhos
com muito carinho
e as coisas finalmente
começaram a melhorar
A chuva beijou as terras
secas do sertão
deixando molhado o chão
igual moça nova com tesão.
E o raiar de um novo dia
descobriu-se de trás
do morro com alegria
proclamando a bonança
que estaria por vir
Depois de um tempo
uma nova mãe para
seus filhos
o pai arrumou
e dessa vez
a mulher pretendida
tinha muito amor
e a família nova
passou a viver
feliz a sua maneira
naquela casinha
simplesinha
de madeira
Logo, não se falava mais
no sumiço da catiroba
da madrasta
e não demorou para cair
no esquecimento
menos para a mandingueira
que vez ou outra coçava a barriga
de satisfação
quando se lembrava do gosto da madrasta
cozinhando no caldeirão.
Tema: Contos de fadas.