Gente que Come Gente

Caros leitores, dentre todas as minhas histórias de terror, essa é a que mais me assustou, por que aconteceu comigo. Depois desse episódio, eu tive que parar de beber e tenho estado sóbrio desde então. Se vocês tiverem paciência para ler dois parágrafos, vocês se surpreenderão e talvez virem vegerarianos.

Eu moro em um bairro chamado Professor Ludovico Teixeira e é um bairro ruim de se morar por causa da enorme quantidade de assaltos e assaltantes que andam por aqui. Não conheço ninguém nesse bairro que não tenha sido assaltado pelo menos uma vez. A escolinha local já foi vítima de arrastão. O edifício vizinho já foi vítima de arrastão. Os moradores já foram reclamar com o secretário de segurança, como o prefeito e com o governador, mas não adiantou nada, a polícia não está resolvendo o problema. Foi nesse cenário que certa noite de sábado fui afogar as mágoas no Bar Ana Carolina onde já sabem qual a bebida que gosto. Antes de sair de casa é preciso tomar cuidado para levar dois dinheiros, um para o ladrão e outro escondido na cueca ou no sapato para pagar a conta no bar. Fiquei lá tempo suficiente para ouvir uns sertanejos, colocar as fofocas em dia com os compadres e tomar seis doses de vodka. Voltando para casa, trêbado, não deu outra, fui assaltado e o assaltante levou o dinheiro reservado para ele. Depois do assalto, eu voltava para casa quando vi, na avenida, ao longe, as luzes da lanchonete do Marraiver. Quem bebe quer comer e o cheese bacon do Marraiver é exelente. Já comi muito sanduíche, mas o Marráiver tem algum tempero diferente que seus sanduíches são melhores. Comi o sanduíche, paguei com cartão de débito por que não tinha mais dinheiro e, antes de sair, perguntei ao Marráiver qual era o segredo de seu sanduíche. Eu já havia feito essa pergunta várias vezes e ele nunca disse antes, mas naquela noite ele disse e seria melhor se não tivesse dito.
Marráiver: “O segredo, Duarte, é bem simples. É a qualidade da carne.”
Duarte: “É Free Boi?”
Marráiver: “Não é Free Boi, não. É de gente.”
Duarte: “Como assim, de gente?”
Marráiver: “De gente, oras… Carne de pessoas. Nunca ouviste falar em canibal?”
Duarte: “E como é possível uma coisa dessas? Quem faz isso geralmente vai preso. Como é que nunca descobriram isso?”
Marráiver: É bem simples. Observe que a maioria das casas desse bairro, senão todas, já foram assaltadas. E todos ergem muros, cercas elétricas, grades nas janelas e o escambal. Eu fiz o contrário, eu facilitei para que os bandidos entrem na minha casa por que lá eu fiz uma armadilha, uma emboscada para matá-los e depois de mortos, tenho nos fundos da casa um pequeno “açougue" onde eu descarno os infelizes e vou moendo a carne deles para fazer esses hamburgueres de sabor inigualável que você tanto gosta. A pele também se aproveita para fazer cintos e carteiras. Observe que beleza esse mocassim de pele de gente que estou usando, se você soubesse como são confortáveis, tu nunca mais usarias essas botinas grosseiras e roceiras que usas. E tem mais, algumas de minhas vítimas têm tatuagens tão bonitas que não posso desperdiçar. Veja por explo aquele quadro na parede, que belo dragão! Saiba que é a tatuagem das costas dalgum infeliz que tentou entrar em minha casa.”
Duarte: “Não temes que isso seja um crime grave?”
Marráiver: “Não é nada disso, Duarte, você não está entendendo. Tem um policial que está cansado de saber como eu faço os sanduíches, mas a lei não me pega por que o policial é sócio da lanchonete, ou seja, ele ganha a parte dele todo mês e assim fica tudo certo.”
O Marráiver tentou me explicar como era a tal armadilha ou tocaia que ele armara em sua casa, mas eu não prestei atenção, não consegui entender por que estava muito bêbado e ao mesmo tempo chocado e confuso com revelação que eu havia acabado de ouvir.

No dia seguinte, domingo de manhã, acordo em minha cama, em minha casa, e apesar da resaca fui correndo contar a minha mãe o acontecera. Ela riu e me disse que aquilo não passava de um sonho ou pesadelo, pois eu não havia saido de casa na noite passada. No sábado a noite, eu havia bebido vodca de uma garrafa que eu tinha escondido no porão. Fiquei em casa a noite toda e depois eu fui dormir. Fiquei muito aliviado em saber disso, mas minha alegria não durou muito, pois no bolso de minha camisa, encontrei um cupom fiscal de pagamento feito por cartão de débito na noite anterior. Pagamento de um sanduiche e um refrigerante, na lanchonete do Marráiver naquela mesma noite da revelação.
 
Duarte Cosaque
Enviado por Duarte Cosaque em 14/11/2016
Reeditado em 14/11/2016
Código do texto: T5823254
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.