CANÇÃO AOS CAMPEÕES Dtrl 29,5

Quando o pássaro fez seu último voo, uma lágrima rolou driblando as rugas da minha face. Não sabia ainda quanta dor poderia causar aquela malfadada travessia, pois o velho condor negligenciado estava exausto, não possuía forças para romper tão árdua campanha. Em seu peito, como óvulos a serem fecundados, gladiadores modernos seguiam festivos rumo à gloriosa peleja, uma única oportunidade bastava a eles que com unhas e dentes a defenderiam em terras estrangeiras enquanto, distante em casa pessoas queridas ansiavam pelo movimento da orbi idolatrada que faria o solo tremer. Ninguém sabia que melhor era o acre sabor da derrota outrora tão combatida. Alheio, o grande e valente pássaro rasgava o céu garboso de seu triunfo atrás de si esperanças dissipavam-se como neblina condensada pelo atrito do ar. Pela Santa Cruz viajariam entre as serras certos de que breve com os seus estariam vangloriando-se de feitos homéricos.

Despretensiosa como quem já conhece o placar final, por entre os picos nevados espreitava a serpente com busto de mulher, uma sereia de terra firme, linda e sedutora com olhos germânicos e colo quente, não há de existir no mundo um bravo capaz de recusar seu encanto, ela se insinua, atiça e conquista com ardis inocentes. Lâmia, antes poderosa rainha agora demônio a salivar ante o aroma suave de sangue fresco. A criatura fascinante lançava olhares cobiçosos ao grande objeto dourado no céu. Serpenteando rasteira, corria por entre vales, de sua cauda maligna o silvo de mil guizos acalentava a neve macia.

O pássaro pigarreou.

Aquele som fúnebre, sinal de mau agouro vibrou pela fuselagem tentando alertar os incautos guerreiros. Do fundo do peito, outro soluço eclodiu.

De braços erguidos era dado o sinal de fim de jogo. Naquela noite, dos verdes campos aos vastos rincões o mundo sentiu a onda erguendo-se da arquibancada da vida, jamais alguém ficaria inerte, todos ficaram de pé em reverencia ao pássaro abatido. O solo tremeu, a meta foi atingida. Nem mesmo um gol contra seria tão devastador. A multidão se calou. Um minuto, um dia, um tempo sem fim o silêncio reverencia a memoria de um grupo heroico.

Em mil pedaços as esperanças se partiram, garras recurvadas em forma de foices destrinchavam a carcaça moribunda, do seu ventre almas eram roubadas. A devoradora de homens saciava seu prazer, sorvia em grandes goles o suco da vida.

Mulher que ama, mulher que mata, antes tão gentil chamava-se Glória, no fim seu último gesto foi sufocar o grito de campeão, podem até ser, mas ninguém comemorou. Os bravos jamais saberão quão grande era aquela palavra, agora também já não importa. Daquele até então grupo desconhecido, os nomes foram descartados, perderam-se como indivíduos, tornaram-se unidade, o grupo como um time foi glorificado, pena que da faixa, somente a palavra saudade foi arduamente repetida. As cores da festa se desbotaram, adversários se uniram e de negro todos se enfeitaram, uma grande torcida foi criada, só assim para que todos formassem uma grande nação.

Os guerreiros dos gramados verteram lágrimas em honra póstuma aos desacreditados campeões. As rivalidades desapareceram ao som do apito final. Alguns esperavam pela prorrogação, mas assim seria injusto, no jogo da vida cedo ou tarde todos somos derrotados, podemos até ser bons atletas, conseguir vitórias impressionantes mas uma hora chega o inverno e somos batidos por nosso maior adversário, então para que competir? Para sentir o vento no rosto, a adrenalina no sangue e um dia ter alguém que em silêncio lamenta o fim de nossa existência.

Gilson Raimundo
Enviado por Gilson Raimundo em 07/01/2017
Código do texto: T5874509
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