A COVA - DTRL 29.5

“Nascer é apenas começar a morrer”
- Theophile Gautier.

A Cova
Enfim... Vovó não aguentou mais. Faleceu aos 98 anos, já estava bem velhinha, enxergava muito pouco, andava muito pouco, precisava de ajuda para tudo, se alimentar, tomar banho, fazer suas necessidades.

Ficava só na cadeirinha de balanço vendo a novela das 8, tomando seu chazinho, vestindo sua camisola e suas pantufas. Que saudade de vovó! Morreu devido a uma pneumonia.

Eu e minha ex-esposa fizemos de tudo para salva-la, não só bancamos o tratamento médico, compramos os remédios, mas não adiantou.


Encontro-me sentado numa cadeira de frente à cova em que ela é enterrada, ao meu lado direito, meus irmãos que eu já não via há muito tempo e ao esquerdo, minha ex-mulher que comigo, já compartilhava perdas.

Nosso casamento era bom no início, um casal feliz que já havia feito várias viagens, proporcionado alegrias e encontrado o prazer de um relacionamento. Mas quando tentamos dar uma repaginada, tudo começou a desmoronar.

Eu ficava mais distante, cuidando da vovó e com o tempo, todas as nossas tentativas de ter um filho, falharam, perdemos três, até que desistimos.

No final das contas, a chegada de vovó e os abortos espontâneos que ela havia sofrido foram um presságio para o nosso fim.

Eu já me desgastava no trabalho para pagar a cuidadora que havia ficado doente e buscava alguma forma de compensar minha mulher que ficou responsável por cuidar da vovó.

Nesse meio tempo veio a pneumonia que, de fato, a levou de mim.

Olhava para o lado e via minha ex-mulher inexpressiva olhando para o caixão que descia a cova, era claro que ela nada sentia naquele momento.

Nunca havia se conformado com o fato de nosso casamento ter se acabado ou de ter que cuidar de uma senhora tão velhinha.

No final do enterro, fui tomar café numa padaria perto da minha casa.

Precisava voltar e arrumar as coisas da minha ex mulher que iria embora.

No caminho de volta, deparei-me com uma barraquinha na calçada em que uma velhinha gordinha vendia flores.

Passei na frente e observei as rosas vermelhas. Lembrei-me do quão a vovó gostava dessas.

Comprei um buquê e resolvi voltar ao cemitério para deixa-lo sob sua lápide. Ao chegar, cruzei o portão, estava no fim da tarde.

Após passar por outros túmulos, parei em frente ao que procurava.

Mas quando cheguei, vi algo que não havia visto há alguns minutos antes de chegar.

O buraco estava aberto e dele eu vi uma escada. Que estranho. Resolvi descê-la devagar, não tinha lanterna e tudo ficava cada vez mais escuro.

Liguei a luz do celular e quando a escada acabou, segui caminhando em frente, até achar uma porta.

Segurei em sua enferrujada maçaneta, girei e aos poucos fui abrindo.

Ao entrar, me encontrei numa sala branca e a minha frente estava a vovó sentada, ao seu lado, dois bebês, meus olhos encheram-se de lágrimas.

Fui até eles.

Ela estava usando seu vestido de tecido branquinho.

Ao olhar bem os bebês, eram lindos, um menino e uma menina.

Eu peguei de um por um no colo e abracei.

Após coloca-los para dormir.

Peguei uma cadeira no fundo da sala, sentei ao lado de vovó que me abraçou e começou a acariciar minha cabeça, como fazia antigamente, quando eu era um menino.

Naquele momento, só havia tranquilidade, eu estava em paz e feliz.
Gabriel Craveiro
Enviado por Gabriel Craveiro em 07/01/2017
Reeditado em 07/01/2017
Código do texto: T5874974
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