Os cabelos balançam ao vento - DTRL 29,5

Estou com medo, mas medo mesmo, de sair no frio. O vento está assobiando macabro... Mau agouro. Se caminho contra o vento, este me tira o ar, o fôlego... Não vou sair hoje. Não quero. O telefone toca, minha mão coberta pela luva grossa que pouco ameniza a frieza dela, mal consegue teclar.

- Você não pode deixar de vir... Preciso tanto de seu apoio!

Não posso deixar de atender um pedido dela. Agasalho-me mais ainda e saio. O vento me fere prontamente parece que estava a esperar por mim. Assim como ela...

Alice, sempre bela, protegida do frio deste inverno tão gelado (o mais gelado de todos os que presenciei na vida) com todos os acessórios na cor preta, luvas, gorro, sobretudo, botas, cachecol. Contrastando com sua palidez e louro cabelo acetinado. Alice me esperava... No rosto enlutado, marcas de uma noite mal-dormida e de um jejum forçado. Ela precisava de mim, seu apoio em todas as horas difíceis.

O sermão do padre encomendando o corpo de meu amigo está no final. O vento frio castiga a família que chora a morte e treme de frio. Alice me vê e corre para mim. Agora ela chora o que represava sozinha.

Eu a amo tanto! Nossa amizade sempre foi fortalecida por este amor impossível. Tão linda, viúva e frágil...

Ao abraçá-la, o vento veio de encontro a meu rosto. Forte, súbito.

Fiquei sem ar, fechei os olhos e ao abri-los novamente vi coisas que não deveria ver... Em meio às pessoas que ali velavam meu amigo, estavam muitos espíritos. Alguns tristes, alguns rezavam, outros abraçavam os vivos. Olhei nos olhos de Alice, eles estavam tão espantados quanto os meus. Será que ela também estava vendo os espíritos?

Alice começou a gritar e me chamar. Será que eu estava em transe? Eu a estava assustando... Alguns espíritos me abraçaram, querendo tirar-me dali. Mas eu precisava acalmar Alice, ela está em choque! Estou com medo destes fantasmas todos. Nunca vi fantasmas, por que agora? Por que hoje? Preciso cuidar de Alice. Eu a amo tanto!

Tento me acalmar, afasto os espíritos. Alice desmaia. O vento parou desde que perdi o fôlego, não há mais vento... Mas observo que árvores balançam, as pessoas continuam fustigadas por ele. Porém, eu não o sinto! Todos os espíritos ali presentes, olham para mim, querem que eu veja algo. Sinto medo. Viro-me. Atrás de mim, meu corpo estendido ao chão, morto. Os cabelos balançam ao vento.

Anorkinda

Anorkinda
Enviado por Anorkinda em 07/01/2017
Reeditado em 09/01/2017
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