PIERRE

Enquanto vestia seu terno preto com sua gravata preta, um jovem rapaz de cabelos cacheados e olhos claros que claramente mostravam que havia passado as ultimas horas em um sofrimento profundo, tinha em mente as palavras ditas no histórico discurso de Martin Luther King, "I Have a Dream", e traduzindo "Eu tenho um Sonho", hoje ele iria discursar na Basílica de Saint-Denis, era 15 de novembro de 2015 e ele perdeu seus dois irmãos mais velhos no atentado terrorista no teatro de Bataclan e assim como seus irmãos mais 178 pessoas haviam morrido na noite de 13 de novembro.

Seu nome era Pierre, ele tinha 17 anos e pela primeira vez sentiu a insuportável dor que só a morte de alguém que amamos pode proporcionar. Depois de vestir sua roupa que formavam um conjunto todo de preto, desde os sapatos até a gravata ele foi até a saída da sua casa e se encontrou com seus pais que o esperavam dentro de um carro.

Seu pai parecia ser o mais tranquilo entre os três, já sua mãe era claramente a mais arrasada. No caminho para a Basílica de Saint-Denis, Pierre relembrava momentos de felicidade que vivera com seus dois irmãos, desde brigas até de brincadeiras. Muitas vezes por ser o mais novo era alvo das sacanagens dos irmãos, e aquilo que antes o incomodava, agora o corroía por dentro, pois, a dor da morte é imensurável, não há como defini-la ou explicá-la, apenas senti-la, é uma dor com qual não há pessoa no mundo capaz de se acostumar.

Ao chegar na Basílica, Pierre encontrou com pessoas que ele não via há muito tempo, como tios, primos, amigos de seus pais ou de seus irmãos, e de certa forma isso o confortou.

Passados alguns minutos o Padre iniciou uma oração junto aos presentes na igreja, ele ficou entre as duas urnas funerárias onde estavam depositados os corpos dos irmãos de Pierre e com uma oração padrão que conduzia em todos os velórios o Padre teve a atenção de todos presentes na Basílica.

Após a oração Pierre se levantou e foi em direção ao Padre e pediu para que ele pudesse falar algumas palavras e o mesmo entendendo a dor do irmão mais novo, consentiu que ele discursasse para os presentes.

Pierre então olhou para todas as 50 pessoas que ali estavam e sentiu um leve frio na barriga e começou a falar:

_Ontem eu procurei algo que pudesse me acalmar ou apenas me distrair para digerir melhor a notícia da morte dos meus dois irmãos mais velhos. E foi nesse momento que encontrei um discurso que mexeu muito comigo, que foi o do Martin Luther King, e nesse discurso ele dizia:

"Digo-lhes hoje, meus amigos, embora nos defrontemos com as dificuldades de hoje e de amanhã, que eu ainda tenho um sonho. E um sonho profundamente enraizado no sonho norte americano. Eu tenho um sonho de que um dia, esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro significado de seus princípios ""Achamos que estas verdades são evidentes por elas mesmas, que todos os homens são criados iguais"". Eu tenho um sonho de que, um dia, nas rubras colinas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos senhores de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho de que, um dia, até mesmo o estado de Mississipi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, será transformado num oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho de que meus quatro filhinhos, um dia, viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele e sim pelo conteúdo de seu caráter."

Após discursar um trecho do discurso do Martin Luther King, Pierre fez uma pausa e ficou pensando por alguns segundos em tudo que ele tinha planejado dizer naquela tarde e resolveu continuar:

_Já se fazem 52 anos que esse discurso foi proferido para mais de 200 mil pessoas e até hoje é considerado um dos discursos mais importantes e emocionantes da história. Mas é uma pena que o mesmo não tenha surtido efeito algum, o mundo que eu conheci desde que nasci, é um mundo enraizado no ódio, no preconceito e na preguiça. O mundo que eu conheci é o mundo da individualidade, do preconceito e acima de tudo o mundo da intolerância. Hoje meus irmãos serão sepultados, ambos nunca tiveram problemas nenhum com a justiça, ou se envolveram em brigas, Graças a Deus meus pais sempre ensinaram a todos os seus filhos a arte da apologia e da compreensão, mas nada disso adiantou para salvar a vida dos meus dois irmãos mais velhos.

Pierre então fez uma segunda pausa onde permitiu que algumas lágrimas rolassem por seu rosto, mas estava determinado a continuar.

_Meus irmãos foram brutalmente assassinados por extremistas religiosos a dois dias atrás em um dos maiores atentados terrorista da história, arquitetado por um grupo que se autoproclamam como o Estado Islâmico. Mas será que esses terroristas são os únicos culpados pela morte dos meus irmãos? Eu acho que não. Eu acho que não há um culpado específico, o que eu acho é que todos nós somos culpados. Somos intolerantes, preconceituosos, e sempre nos achamos com mais razão do que qualquer outra pessoa. A falta de empatia que assola o mundo desde os seus primórdios sempre resultou em catástrofes. Desde a caça a Jesus Cristo, até mesmo a perseguição Católica na Idade Média chegando aos atos terroristas de hoje. Desde que o mundo é mundo somos repletos de ódio, carregamos desde o ventre materno o narcisismo. A intolerância é a culpada pela morte dos meus irmãos, a intolerância parte do preconceito religioso exercido por todo o ocidente para com o Islamismo. Até mesmo os pequenos costumes que temos de rejeitar tudo aquilo que não nos agrada. Se um cristão presenciar alguma piada sobre Cristo, se sentirá ofendido, mas se presenciar uma piada sobre negros irá cair em risadas, da mesma forma que se um muçulmano presenciar uma piada sobre a sua religião se sentirá ofendido, mas se presenciar uma piada sobre homossexuais também irá sorrir. Hoje sou eu quem digo, que sim, eu tenho um sonho, um sonho de que um dia o mundo voltará a progredir e não a retroceder, onde os seres humanos terão mais empatia pelo próximo e mais amor em seu coração, um sonho em que a religião não será motivo de guerra nem mesmo de debates e sim um símbolo de respeito e de fé. Sim, eu tenho um sonho de poder ter a chance de viver em um mundo melhor, onde a paz não seja escondida por uma cortina de fumaça que tenta tampar o enorme caos que o Oriente Médio vem vivendo e que acabará se espalhando para o resto do mundo. Este é o MEU sonho.

Ao terminar Pierre foi aplaudido por todos os presentes na igreja e abraçado por seus pais. Alguns familiares também o cumprimentaram, e o ultimo a abraçá-lo foi seu tio Frank, ele se aproximou de um abraço apertado e disse:

_Você falou bem, seus irmãos aonde estiverem se sentiriam felizes em escutar essas palavras. Mas eu te do um conselho, tenta não se importar muito com o que acontece no mundo, por que não adianta se preocupar, o mundo é o que é e nunca vai mudar. Esse mundo que você conheceu é o mesmo que eu conheci assim como meus pais e meus avós. Apenas viva cada dia intensamente.

Pierre agradeceu ao tio, mas depois alguns segundos se pegou pensando, "é por isso que o mundo nunca muda, as pessoas não se importam com mais nada, a não ser consigo mesmas".

Alvaro Oliveira P Neto
Enviado por Alvaro Oliveira P Neto em 06/02/2017
Reeditado em 06/02/2017
Código do texto: T5904358
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