Padre das Sombras

Estou me aperfeiçoando para me tornar um Padre exorcista, um sonho que busco há muitos anos. Quando estava com 19 anos fui de encontro aos desejos de meu Pai que sonhara em ter um filho médico, ele me deserdou por desgosto, deixei a universidade, abandonei um relacionamento, abri mão da vida rebelde que levava. Troquei a beca de formatura por uma batina, consultórios e salas de cirurgia pelo exorcismo. A meu ver, salvo vidas da mesma forma, mas do lado que ninguém quer ver. Ainda sou um Padre auxiliar, apesar de já ter executado alguns poucos exorcismo, não tenho a devida permissão da igreja para exercer tal ato sozinho. Certa vez em uma conversa aleatória com um Padre visitante - vindo da Itália - descobri sobre a existência de uma suposta lenda os “Padres das sombras”, que de acordo com ele, já rondava as igrejas do mundo todo. A lenda afirma que existem padres formados não apenas na fé, mas também na magia – desconhecida - que enfrentavam exorcismos que nenhum outro Padre teria o poder de vencer. Não me senti satisfeito, pesquisei arduamente sobre o assunto, porém foi totalmente em vão, não existem relatos, confirmações, artigos, nada. Vencido pelo cansaço deixei essa lenda de lado. Alguns meses depois fui requisitado para um exorcismo complicado no Haiti, ao desembarcar no aeroporto fui recebido por um Padre, um tanto, diferente. Ele aparentava ter uns 30 anos, vestia calça jeans de cor escura, uma camisa branca com o ultimo botão aberto, um paletó cumprido até o joelho, luvas de couro, botas pretas e um olhar sereno. Sorriu com o canto da boca e estendeu sua mão, eu o cumprimentei e antes que eu pudesse me apresentar, ele me deu as costas e se afastou. O caminho até o hotel foi silencioso, ele não me questionou nada, também não falou nada sobre si – algo difícil entre os padres exorcistas, eles sempre têm uma historia para contar – me senti incomodado, mas me mantive em silencio. No hotel nos despedimos e fui para meu quarto, pedi uma comida leve, pois o calor estava terrível. A noite demorou a passar, e quando em fim peguei no sono fui brutalmente acordado pelo som agudo do telefone, ainda sonolento me joguei para fora da cama e me arrastei até a mesa que estava encostada próxima a janela.

-Alô?

- Por favor, me encontre na portaria em 30 minutos.

Ele desligou o telefone, mas eu reconheci a voz tranqüila do Padre que ontem me buscara no aeroporto. O relógio marcara 06h30min, e eu estava com esse tal Padre e mais dois homens em um carro grande e preto, com vidros filmados.

- Perdoe minha falta de educação – disse o Padre que me buscou no aeroporto- Meu nome é Willian, e você deve ser o famoso Padre Dylan.

Não sei dizer o que mais me assustou, o fato de ele se referir a mim como “famoso” ou como “Padre”, levando em consideração que Padres com a experiência dele não consideram “auxiliares” como Padres.

- Sim – fiz uma pausa para calcular os prós e contras de questioná-lo. – Mas, por qual motivo sou famoso?

Ele não respondeu, apenas sorriu e lançou seu olhar para fora do carro, eu inclinei a cabeça e fiquei brincando com uma cruz de madeira que sempre levara no bolso, seria minha falta de preparação psicológica o motivo de seu silencio?

O carro parou e diante de nós um hospital muito grande e velho surgiu, portões largos e enferrujados, muros pichados e descascados, matos altos, aparentemente abandonado. Descemos do carro e seguimos por um caminho de pedra até a porta do hospital que estava entreaberta, um homem nos aguardava de braços cruzados no fim do corredor, sorriu aliviado e nos cumprimentou se identificando.

-Sou Eduard Mustaf, diretor desse hospital.

-Onde estão os pacientes? – Questionou Padre Willian girando o rosto lentamente.

-Este hospital foi desativado recentemente, a maioria dos pacientes foram para outros hospitais e manicômios, apenas alguns permanecem aqui, e se você quer saber, estão trancados no porão.

Eu fui o único que me espantei com a informação de Mustaf sobre seus pacientes do porão.

-Está preparado para seu primeiro exorcismo?

- Não é meu primeiro exorcismo.

Minha resposta não convenceu o Padre Willian, que apenas sorria ironicamente. Mustaf nos entregou casacos e pediu que nos o acompanhássemos, e assim fizemos. Seguimos por um corredor, atravessamos uma o porta de madeira entalhada a mão, descemos uma longa escada, caminhamos por um corredor escuro e tenebroso, passamos por outra porta – agora de ferro – que nos levou a outra escada, mais um corredor, e enfim chegamos a uma porta de aço bem grossa, cheia de marcas de socos.

-impossível – sussurrei.

Eu fiquei tremulo, com os olhos arregalados, é humanamente impossível amassar aquela porta com um soco.

-Vocês se importam se eu retornar e vocês seguirem sozinhos?

Mustaf estava claramente assustado, e aquela não era uma pergunta, ele apenas estava nos avisando que dali ele não passaria. Padre Willian o agradeceu pela confiança, pediu que ele nos aguardasse do lado de fora do Hospital com médicos, Mustaf concordou e sumiu no corredor. Nós atravessamos a porta de aço e seguimos por um corredor bem largo e com pouca luz, as paredes tinham marcas de mãos, espirro de sangue, cruzes desenhadas ao contrário, palavras em latim. De repente o Padre parou e apontou para uma frase na parede que me estremeceu. Senti um frio subir pela espinha, meus cabelos se arrepiaram, minhas pernas amoleceram e por pouco não fui ao chão. “Willian e Dylan, estão preparados para o inferno?”, quem escreveu e como sabiam que nos viríamos? Padre me arrastou até o final do corredor, onde a temperatura caiu drasticamente, deixando claro o motivo do casaco. Encontramos mais uma porta que dessa vez nos levou a um porão pouco iluminado, mal cheiroso, cheio de celas, parecia uma cadeia. Haviam três pessoas, uma em cada cela, elas estavam ajoelhadas, acorrentadas com as mãos para trás, com o corpo inclinado para baixo e o rosto encostado no chão, tinham poças de sangue que saia do rosto de cada uma dessas pessoas e escorria pelo chão e se encontravam no meio da sala, o sangue fez um circulo em volta de um desenho feito com areia, parecia um “x”e algumas palavras ao redor. Caminhamo-nos e ficamos diante do desenho e isso pareceu incomodar aquelas pessoas – dois homens e uma mulher- eles levantaram o rosto e aquela visão me aterrorizou, eles estavam com os rostos cheios de cortes, com os olhos brancos, bocas rasgadas, dentes pretos e quebrados, suas línguas batiam no chão e as pontas estavam cortadas ao meio, saiam insetos de seus narizes e ouvidos, e cada vez que eles cuspiam no chão, saia pedaços de dedos e olhos misturados na saliva. Eu nunca tinha visto algo assim, eu dei um passo para trás e a mulher subiu na parede e ficou de cabeça para baixo, com os braços esticados presos a corrente, ela ria e passava aquela língua enorme no seu próprio rosto e depois jogava a língua contra mim, eu me esquivei e senti pingos de saliva se chocar contra meu rosto, parecia acido. Padre Willian retirou uma bíblia do bolso, pequena, parecia piada. Jogou ela no meio do desenho e os possuídos gritaram. Ele começou a falar algumas palavras em latim, e cada vez que ele falava os possuídos queimavam, em poucos minutos eu já sentia cheiro de carne queimada, um dos homens vomitou contra o Padre, e de dentro de sua boca saiu uma criança toda deformada, ela bateu na grade e quando chegou ao chão começou a chorar, e gritar desesperadamente. A mulher desceu da parede e cuspiu contra mim, um olho bateu no meu braço e caiu no chão, de repente ele estourou e uma barata saiu de dentro dele e veio em minha direção, eu pisei sobre ela e ouvi o ruído de sua estrutura se rompendo, e saiu sangue de dentro dela. Eu não consegui acreditar na tranqüilidade que o Padre demonstrara diante de tal situação horrenda, ele apenas falava e caminhava estendendo sua mão para um dos possuídos, o qual ficava no chão desacordado. Finalmente eu compreendi que aquele não era um exorcismo comum, aquela briga acontecia no mundo deles – dos demônios – o Padre não estava mais nesse mundo comigo, ele foi para a dimensão das entidades. E confesso que esta descoberta não fez outra coisa do que me desesperar, eu agarrei a grade e rezei com toda minha força, mesmo presos eles conseguiam chegar a mim de uma forma ou de outra. De repente o homem sussurrou com a voz do meu pai.

-Você me decepcionou filho, nunca vou te perdoar por ter me decepcionado.

Aquilo foi um tapa no meu emocional, eu caí de joelhos e senti um peso nos ombros, como se alguém subisse em mim, senti uma respiração na nuca.

-Sai – gritei – você não tem poder sobre mim.

Joguei meu corpo para trás e o homem riu dentro da jaula.

-Você não é tão fraco como eu imaginei.

Ele sussurrou engasgando com o sangue e jogou seu corpo para frente abrindo a boca de uma forma impossível, saiu um animal de dentro dele que parecia um porco, sua cabeça estava aberta no meio e virou uma boca enorme, cheio de dentes, ele gritava como uma pessoa e andava sobre as patas traseiras. O animal passou no vão da grade e correu em minha direção, eu fechei os olhos e rezei com mais intensidade, naquele momento eu tinha certeza que aquela coisa me mataria. Quando voltei a abrir os olhos eu estava em outro lugar, era um campo de guerra, o Padre lutava contra um bicho enorme, parecia um dragão de duas cabeças que cuspia fogo, diante de mim aquele animal que parecia um porco estava muito maior e gritava sobre meu rosto, e nos lutamos. Fui jogado ao chão diversas vezes, ele pisava em mim e me esmagava, a dor era muito real. Enfim eu entendi que aquilo era um demônio e eu estava no mundo deles. Comecei a repetir as palavras do Padre, e finalmente consegui reagir, em poucos instantes eu estava esmurrando aquele animal, que rasgou como um pano velho, de dentro dele saiu sangue, pedaços de corpos, comida estragada, e uma vela apagada. Eu fechei os olhos e quando voltei a abrir estava novamente no porão, o homem agora estava vomitando e chorando. O local não estava mais frio, não cheirava mal, e os rostos daquelas pessoas não estavam deformado. O padre abriu as grades e soltou àquelas pessoas, eu o ajudei sem questionar e os levamos para fora do hospital onde os médicos os aguardavam. Fiquei encostado no carro observando aquelas pessoas agindo normalmente e me questionei sobre tudo que vi naquele porão, Willian se aproximou.

- Você estava certo, foi meu primeiro exorcismo estranho.

Ele riu com meu comentário, e me entregou um envelope preto.

-Abra quando chegar ao hotel. – fez uma pausa – Bom trabalho.

Obedeci, quando cheguei ao hotel abri rapidamente o envelope, era uma carta enviada da igreja dizendo que eles sabiam dos exorcismos que já fiz, mesmo sem permissão, mas que meu nome foi muito citado em reuniões secretas - ta aí o motivo que fez o Padre Willian me chamar de famoso – por padres influentes que viram o resultado de meu trabalho, fui oficialmente convidado para participar de uma organização secreta destinada a Padres corajosos e fieis intitulada “Padres das sombras”. Hoje sou exatamente aquele Padre que sempre sonhei, e me libertei do peso da culpa por não realizar o sonho do meu pai. Afinal, eu não salvo vidas na mesa de cirurgia, mas salvo almas guerreando contra demônios. Eu vou além do que meu pai esperava, pois eu ainda devolvo a vida de alguém, mesmo que ela esteja no meio do inferno.

Sabia que zumbis existem, que mortos podem se mover, e que filmes como O Exorcista, O exorcismo de Emily Rose e Anabelle são baseados em fatos reais? Da uma olhada no blog que eu explico: https://theblackwidowskull.wordpress.com/

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