O Quarto Escuro

E cá estava eu, no banco de trás do carro de meus novos pais. Eu mal podia acreditar, depois de tanto tempo naquele lugar ao lado de tantos outros, por que eu? Eu me chamo Troy, me disseram que minha mãe me abandonou logo quando eu nasci, parece que por causa de eu ter nascido de cor diferente... em pleno século XXI e isso ainda acontece, fico imaginando quantos mais além de mim passam por isso. Bom, não importa o que importa é que agora tenho uma família. O papai se chama Rodrick e trabalha com vendas, minha mãe se chama Lisa, ela cuida da casa e é muito gentil.

Logo que chegamos e eles me mostraram a casa. Era grande, disseram que não fazia muito tempo que compraram-na, economizaram por vários anos. Ao passar pela porta da frente era a sala, tinha uma TV enorme e até uma lareira, depois um breve corredor com duas portas, uma para um banheiro e outra para a cozinha, e ao fim do corredor tinha uma sala de jantar e as escadas para o andar de cima. Subimos e mostraram-me o quarto deles, era muito aconchegante, ao lado um banheiro e por fim o meu quarto. Quando íamos a direção dele eu aos poucos tinha um mal pressentimento, ele ainda estava com as luzes apagadas e a porta aberta, um breu lá dentro, e ainda assim dava pra ver que tinha algo lá, quanto mais meus pais andavam até o quarto mais eu me distanciava pois meus passos diminuíam.

-Ora, o que foi Troy ? - Dizia Rodrick enquanto olhava para mim. Eu apenas olhei para ele, assustado.

-Tudo bem, hoje ele dorme com a gente. - Lisa

-Mas Lisa... - Rodrick

-Está tudo bem Rodrick, só por hoje. Dá para ver que ele ainda está acostumando com a idéia de uma nova casa, família nova. O coitadinho já deve ter passado por várias coisas. - Lisa

- Tudo bem. - Rodrick

E assim consegui me livrar daquele lugar que me dava calafrios, pelo menos por hoje.

Sempre tive essa sensibilidade para coisas ruins, houveram lugares que me davam até dor de cabeça só de passar em volta, isso me da medo.

A tarde o papai foi trabalhar e eu fiquei com a mamãe, ela serviu o almoço e era, nossa, muito melhor do que serviam naquele lugar, eu até repeti o prato. Depois fiquei vendo TV com ela. Mesmo estando divertido algo sempre puxava a minha atenção para aquela escada, era como se algo me chamasse. Bom, agora eu tenho uma família, um pai esforçado e uma mãe gentil, não devo ficar com medo. E então respirei fundo e fui até lá.

As janelas estavam aberta então não estava tão escuro, menos aquele maldito quarto, ele não possuía janelas, ele não possuía nada alem daquela escuridão toda. Olhar para ele era como fechar os olhos. Mesmo assim me aproximei aos poucos, passo após passo, até que cheguei em frente dele. Eu tinha conseguido, mal podia acreditar que era disso que eu estava com medo...

- Quem está aí... - Voz desconhecida

Pronto, estava garantido meus pesadelos do resto da semana. Que droga foi essa ? Quem falou isso? Que voz esquisita e sufocante foi essa. Enquanto tremia meu corpo todo eu ia dando passos para trás, até que novamente.

- Ora ora, é o pequeno Troy... - Voz desconhecida

Por mais escuro que estava lá dentro eu já podia ver os pés dele por causa da iluminação da janela do outro quarto e corredor. Seus pés estavam descalços e estavam queimados, suas unhas quebradas, e a iluminação ia subindo...

- Venha até aqui, Troy... É o seu quarto, aliás, o nosso quarto. huhuhuhu... - Voz desconhecida

Antes de poder vê-lo eu corri, desci as escadas em menos de um segundo, voltei para a sala e deitei no sofá com a Lisa. Estava quase sem ar, respirava tão forte, tão alto.

- Ei o que foi ? O que aconteceu ? - Lisa

Eu só fiquei alí, olhando para o nada, refletindo o que havia acabado de acontecer.

Quando notei havia pegado no sono e acabara de acordar com o barulho da porta do papai chegando, ele veio até a mim e acariciou minha cabeça. Já era a noite, então.

Quando papai chegava ele jantava e assistia TV junto com a mamãe, desta vez junto comigo também, era legal, ele contava sobre o dia de trabalho dele... é cada coisa que acontece viu. Por mais gostoso que estava o inevitável chegou, eles desligaram a TV e fomos subir as escadas, a porta daquele quarto estava fechada, melhor assim.

Quando deitamos na cama dava para ouvir ruídos vindo de lá.

- Malditos ratos... - Rodrick

- E você querendo deixar o Troy ficar lá. - Lisa

- Ele não deve ter medo de ratos, não é garotão? - Rodrick

- Pare, ele é só uma criança Rodrick. Não se esqueça de comprar armadilhas amanhã. - Lisa

- Ok. - Rodrick

Poderiam dizer o que for, mas eu sabia que era tudo menos ratos, antes fosse.

Ao acordar eu estava sozinho na cama, com aquela luz da janela refletindo em minha cara, de lá eu já podia sentir o cheiro do almoço. Enquanto saía do quarto ia pensando em como a vida estava perfeita até ficar de frente com aquele quarto outra vez, quer dizer, quase perfeita.

O papai estava subindo as escadas com algumas coisas em sua mão, e entrou no quarto escuro, e de repente, tudo ficou claro. Pela primeira vez pude ver como era aquele lugar. Era pequeno, tinha uma cama que acho que era para mim , e algumas bagunças também, acho que por fazer pouco tempo que estão aqui não deu tempo para arrumarem as coisas direito.

- Cuidado aqui Troy, são armadilhas para ratos. Não venha para cá se não irá se machucar. - Dizia papai enquanto armava aquelas coisas estranhas, mas não precisava nem me avisar, eu não me atreveria a entrar ali sozinho.

Ao almoçar eu me deitei no sofá e peguei no sono, quando acordei ainda era dia mas com certeza o papai já tinha ido para o trabalho. Então me levantei e fui procurar pela mamãe, a cozinha estava cheia de louça mas sem ninguém. Ela deve ter ido deitar-se um pouco em seu quarto. Fui até o quarto e não havia ninguém, apenas a cama desarrumada. Foi aí que me toquei, eu estava sozinho, e no andar de cima, droga, por que a mamãe saiu e não me levou junto? Eu estava em tanto pânico que até minha voz no pensamento gaguejava. Respirei fundo, e procurei me acalmar. Saí lentamente do quarto dos meus pais e olhei para aquele quarto, a porta estava fechada, fui em direção da escada até que algo quebrou o silêncio.

NHEEERK

Aquela porta se abriu lentamente. Eu estava paralisado, congelado, todo arrepiado e olhando fixamente para aquela escuridão e podia ouvir pequenos e suaves passos vindo lá de dentro. Eu não conseguia pensar em nada, só queria correr mas me faltava força, até que de repente...

TRAAAAAACK

Um barulho muito alto vindo lá de dentro, foi só ai que consegui despertar e correr o máximo possível, quando cheguei na porta da frente estava trancada, comecei a bater nela até que pude ouvir o som dela sendo destrancada, era a mamãe.

- Acalme-se, acalme-se. Eu já voltei.- Dizia ela.

Desta vez não poderia mais voltar a dormir e nem me distrair, para onde Lisa ia eu a seguia. Fiquei nisso até anoitecer e Rodrick voltar. Ao chegar fomos lá em cima, eles adentraram no quarto e acenderam a luz.

- Eu não entendo, a ratoeira está desarmada mas nenhum rato foi pego. Você não ouviu o barulho, Lisa ? - Rodrick

- Não, acho que foi quando eu fui até o mercado, talvez por causa do barulho Troy estava com medo. - Lisa

- Então acho que vou comprar veneno amanhã. - Rodrick

Por mais que a hora de dormir havia chegado, eu não conseguia pregar os olhos. Tentei pensar em outras coisas, e comecei a lembrar dos meus amigos naquele lugar, eles eram legais, também esperando o dia de conseguirem uma família, sou bem sortudo... Estava quase conseguindo dormir quando de novo aquele barulho...

NHEEEERK

A porta havia sido aberta, e novamente os passos. A cada barulho de passos mais eu engolia seco e me encolhia no meio dos meus pais. Até que aquilo chegou na frente do quarto. Desta vez eu pude ver seu corpo todo queimado, até mesmo a cabeça, com alguns fios de cabelo, horrível. Ele estava de lado e virou sua cabeça para mim, olhou fixamente em meus olhos e deu um sorriso. Faltavam vários dentes em sua boca. E então virou-se de frente para o quarto em que estávamos e fechou a porta com tudo.

PAAAAA

Meus pais acordaram na hora, e acenderam as luzes.

- O que foi isso ???? - Perguntava Rodrick enquanto tirava um bastão de beisebol do armário.

- Acho que foi apenas o vento que bateu a porta. - Dizia Lisa, mal sabia ela.

- Eu vou ver o resto da casa - Rodrick

- Tá, tome cuidado. - Lisa

E então segui meu pai, aquele maldito quarto estava com a porta aberta como de esperado, descemos as escadas e vimos todos os cômodos, saímos até lá fora pra ver se víamos algo. E então papai relaxou, abaixou o bastão.

- De qualquer maneira, é melhor investir em um alarme para essa casa. Não conhecemos a vizinhança. - Rodrick

Quando estávamos prestes a entrar a mamãe vinha de encontro e eu podia ver atrás dela, aquele homem feio. Sorrindo olhando pra mim, aparentemente muito feliz que eu podia vê-lo. Ele ergueu seu dedo até a altura do nariz.

- Sssshhhh... - Enquanto ainda sorria

Isso foi demais para mim, sabia que coisas ainda muito piores estavam por vir só pela expressão em sua face. Eu corri, corri muito, corri mais ainda, corri pra longe. Ainda podia ouvir meus pais.

- Troy voltei aqui. - Rodrick

- Vá atrás dele!!! - Lisa

- Tá. - Rodrick

Eu sabia que não poderiam me achar, eu realmente sinto muito. No pouco tempo que passamos juntos eu realmente os amei mas não queria aquilo, não poderia suportar aquilo.

No dia seguinte vários cartazes pela cidade dos novos moradores Rodrick e Lisa procurando seu gatinho desaparecido que atendia pelo nome de Troy.

Alisson Evil
Enviado por Alisson Evil em 17/03/2017
Código do texto: T5943854
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