PESADELOS

A madrugada caminha lentamente, esperando pelo inevitável chegar da aurora. No quarto predomina o silêncio, rompido vez por outra pelo roncar do marido, que passa a noite revirando-se sob as cobertas, tão importantes para espanta o frio do inverno. A mulher está ao seu lado deitada. Dorme tranqüila, e se luz houvesse ali poder-se-ia ver os sorrisos de um anjo adormecido. Os minutos seguem seu compromisso rotineiro. O rosto da mulher já não é mais o mesmo, e um temor angustiante vai aos poucos tomando o rosto da mulher. Percebe-se nele o medo. O silêncio é cortado por um uivo horripilante, capaz de cortar as paredes de tijolo e ganhar a rua. É um som mortal, capaz de assustar e petrificar os ouvidos de quem o escuta. São segundos de um grito de dor tão profundo, capaz de acordar sobressaltado o homem ao seu lado. A mulher debate-se, grita, como se tentasse fugir de algo que não esta ali. Leva mais de minuto para o marido acalma-la, e traze-la de vota a realidade de seu quarto.

“Foi só um pesadelo” tenta ponderar seu esposo. “Parecia tão real” contra-atacava a mulher. Tinha visto ela coisa muito horrível, um ser disforme, decrépito e putrefato. Flava de tal como se o mesmo ali estivesse tido. Uma criatura maligna, ser das trevas que a perseguia vorazmente. As luzes acesas e conversa até o dia raiar ainda não tinham sido suficiente para deixá-la calma. A visão nefasta vinha aos seus olhos. Seu temor renascia.

Passaram-se alguns dias de calmaria, e quando a mulher pensava em esquecer o pesadelo, este voltou ainda mais violento. Seu gritou rompeu novamente a madrugada, acordando a vizinhança mais próxima, que imaginavam que algum cão estivesse sendo sacrificado, de tão horrendo eram os sons vindo de sua garganta. Daí em diante a rotina de noites apavorantes, e ela já tinha medo de dormir. Seu esposo ainda tentava ajudá-la, mas se via impotente com tal situação.

O tempo correu em meses e o casal até se acostumara com os pesadelos, que ora eram semanais, ora vinham com pouco mais de atraso, haviam se habituado e sequer contavam as datas dos eventos, e não notaram que por mais de dois meses a mulher não tinha pesadelos. Quanto mais tempo demorava para eles surgirem, mais tranqüila ela ficava, a ponto de se esquecer do pavor que eles a infligiam.

As noites vinham serenas, inclusive aquela última, derradeira, de suas vidas. Tomaram banho, deitaram, e dormiram. Ela adormeceu depois dele, mas seu rosto voltava a se assemelhar a um anjo. Não lembrava mais dos pesadelos, dos vultos que neles surgiam. Estava feliz, no dia seguinte comemoraria mais um aniversário. No entanto não pode. Mais uma vez o silêncio foi quebrado, seres invadiam seu quarto ela gritava apavorada. Valente lutava, e muito, para se livrar dos corpos negros e disformes a sua frente. Ao seu lado viu que um tentava lhe segurar. Desvencilhou-se, e pegou um abajur sobre o bidê. Era um objeto pesado, de cerâmica nobre, presente de casamento de uma tia. Grudou na criatura, que caiu sem forças.

Passaram os gritos, e seus dedos acharam o interruptor. A luz rompeu o negro da madrugada e iluminou um quarto com sinais de uma batalha épica. A cama estava toda bagunçada. Procurou por seu esposo, que sempre esteve ali para lhe ajudar a acordar. Não estava na cama. Somente pedaços de cerâmica. Temeu pelo pior. Achou o homem caído ao lado da cama. Seu rosto cobria-se de sangue por um corte que riscava su rosto de fora a fora. A mulher sentiu a sua alma se perder. Sentia uma dor como jamais sentira. Seus olhos petrificaram. Como um zumbi abriu a porta do quarto, foi até a cozinha. Abriu o armário, e dele tirou uma faca, a mesma com que cortava a carne do almoço. Sem dó passou-a nos pulsos, e aguardou a morte chegar. Em silêncio.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 06/08/2007
Reeditado em 07/08/2007
Código do texto: T595431
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