Diálogos numa noite de sombras

Na noite do dia 02 de dezembro, em uma casa arruinada pelo tempo na desolada rua do Vereador, um homem que estava desaparecido há dias era mantido prisioneiro em um escuro porão, estava fortemente amarrado em uma mesa... ele vestia um terno preto, suas roupas traziam a imagem de um executivo influente, mas naquele estado catatônico, não passava de uma criança amedrontada que chama pelos pais. “Mãe! Socorro! ”.

Ao seu lado há um indivíduo de altura enorme, bem esguio, usando um avental de açougueiro e em seu rosto uma horripilante máscara de um capeta-que-gargalha, uma figura abstrata, e, com certeza, repudiante. O mascarado possui uma voz rouca, e segura em sua mão esquerda uma lâmina longa e afiada... ele amola o fio da faca, cantarola e murmura consigo mesmo. Está calmo, diferentemente daquele preso à mesa por cordas grossas amarradas com ótimos nós.

Sob o rosto do homem amordaçado há uma luz intensa de um abajur. A luz em sua face ofusca sua visão do porão, vê apenas Escuridão, apenas percebendo a silhueta do mascarado ao seu lado. Ele fala, mas sua voz não sai, então respira profundamente até manter-se calmo e, apesar de ainda estar ofegante e tremendo, ele diz com sua voz alta e escandalosa: “Sou h-h-homem rico, posso... pagar-lhe muito bem, mesmo... o que desejar... – gagueja – muito r-r-rico”. Ofega ainda mais em sua última frase. Ele fecha os olhos e respira profundamente e então os abre, olha para a medonha sombra, que termina de amolar a faca, “Então mantenha essa faca longe mim se quiser algo”, falava com bastante terror e com várias reticências, graças ao medo que o impedia de completar as frases, apesar de ter um modo bem autoritário, uma forma de falar que ele sempre teve, pois sempre mandou.

[Assassino] -Se eu precisasse de dinheiro roubaria, então não seja tolo, macaquinho. Um tempo atrás eu te conhecia, e tu nunca agradeceras a mim; és um tolo administrador... és um humano corrupto e sua vida inteira de conquistas não são nada, além de uma vida de ostracismo. Apenas um indivíduo rico, como tanto outros, apenas, apenas. Tu és pó.

O homem de máscara do capeta-que-gargalha que se mostrara reticente, começa a falar em demasia. Começa a desabafar sua opinião acerca da humanidade. Um monólogo de crítica à forma extravagante e vaidosa de vida de nossa espécie, nossa estupidez e nosso egocentrismo. Usa duras palavras, mas sem alterar seu tom, ou demonstrar nervosismo. Durante o monólogo, anda de um lado para outro, rondando o homem rico, que o acompanha com os olhos. Quando termina de falar ele segura a faca com bastante força e aponta-a para o rosto de sua futura vítima. Amordaçado e aterrorizado, o homem está rígido, não consegue mover-se, está amedrontado... tremendo... seu suor é intenso... seus olhos molhados... seu rosto está congelado em desesperança.

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Então ele grita, tentando amenizar o ódio da pessoa insana que se prepara para matar:

[Vítima] -OBRIGADO!

[Assassino] -Pelo quê?

[Vítima] -Não sei, mas t-t-tu disseste que eu não lhe agradeci por algo... e seja lá o que for..., estou a-a-agradecendo agora! ... obrigado! Por favor, Obrigado! Aceite logo minhas desculpas... deixe-me sair...

[Assassino] -Não sejas estúpido. Não passa de um agradecimento vazio.

[Vítima] -Mãezinha..., – ele começa a implorar por sua vida e a rezar a seu deus – ...Amém –, seus olhos começam a procurar qualquer coisa, mas tudo que ele vê é a Escuridão, pois é a Escuridão que criou o assassino e ela o envolve como uma capa invisível. Sem parar de tremer, a vítima range os dentes, pisca freneticamente, ofega demais. Desesperadamente, começa a tentar barganhar, mesmo sabendo que seria impossível – Mas você não precisa me matar, eu irei mudar a partir de agora!

E, cruelmente, fingindo entrar no jogo, o assassino o responde:

[Assassino] -Interessante, pois farei um favor a ti e depois agradecerás dizendo "obrigado", se não, irei lhe matar... e então estraremos tranquilo. Mas tem de dizer “obrigado”, ouviu?

[Vítima] -O que irá fazer comigo? Que favor?

[Assassino] -O favor é cortar tua língua maldita!

O homem de máscara começa a gargalhar, está eufórico, sente o prazer macabro. Balança a lâmina na frente de sua vítima e então abre a boca do homem com seus dedos longos, e coloca a faca entre os dentes. Lágrimas escorrem dos olhos daquele que está prestes a morrer.

Na rua deserta, ninguém ouve os gritos desesperadores finais, ninguém ouve os temores que assolam os animais que se autodeclaram conscientes e sábios, os temores que a Morte traz consigo. Ninguém exceto eu, um ocioso escritor, escondido nos arredores da ruína, observando pela janela do porão.

Deslumbrado com as sombras receosas e amarguradas que envolvem o vingativo assassino. E aterrorizado em, com o mais simples movimento, acabar com esse ritual absurdo, tornando a mim o próximo amordaçado.