A COISA NO ESCURO

A COISA NO ESCURO

CRIADO POR.: VINICIUS N NETO

— Venha aqui. — Titubeou Rosângela, clamando por seu filho que agora desaparecia na escuridão do cômodo sem nenhuma complacência. O cheiro fedido de putrefação ecoava pelo ar. Rosângela permaneceu naquela cama úmida e fria, coberta por um lençol num tom vermelho-escuro como vinho, indignada e com uma expressão depreciativa de horror. Logo dois olhos surgiram no escuro, eram eles amarelos, como citrino e brilhavam num tom opaco…

— Me ajude mamãe. Me ajude! Por favor… — Suplicava uma voz na penumbra, na direção daqueles olhos demoníacos.

— Lucas… — Berrou ela, lacrimejando.

O vento que pairava sobre a janela ao lado da cama fazia o vidro estremecer. Seus pelos do corpo se arrepiaram e logo seu suor molhou boa parte de sua camisola branca. A luz ilustre da lua que escorria pelo quarto dela se desmanchava e o brilho enegrecia-se pelo assombro da noite. Rosângela piscou e os olhos sumiram, como se nunca estivessem estado ali, a encarando...

Rosângela desceu da cama, o peito do pé tocou o acoalho frio. Seus braços pálidos não aguentavam se erguer, mesmo assim ela se levantou, tonta e com um gosto amargo na garganta, um sabor metálico de ferrugem. Cegou-se ao tentar observar o caminho no deserto das sombras crescentes do quarto. Conforme a luz luar diminuía, o escuro tomava conta do quarto e aquela sensação terrível de horror lhe acometia como agulhas sendo enfiadas ao mesmo tempo, em sua pele. Sua mão tocou a parede e tateando-a chegou no interruptor, mas antes de poder aciona-lo, algo encostou no seu braço.

— Mamãe... — Falou algo.

Uma garra apertou sua mão, com força suficiente para quebra-lo. Seus olhos translúcidos se chocaram ao virar para a esquerda. Uma fagulha de impavidez tocou seu coração por não mais que um segundo e em seguida se tornou um pânico tremendo. A mão que a impedia de acender a luz era áspera, parecia ter escamas, placas duras e cheias de caroços, alguns lisos e outros espinhosos...

O susto recorrente a fez cair no chão e de bruços naquela posição irreverente, não possuía sagacidade para compreender a coisa que lhe havia tocado.

— Lucas... — Gritou ela novamente sem intenção.

A nuvem que cobria a lua se dispersou e a luz transversal proveniente acendeu como um fosforo. A criatura que espreitava no escuro gemeu como um porco, guinchando e segundos depois o som horrendo se tornou uma gargalhada, um riso tênue num tom baixo quase inaudível como o de uma criança.

Algo começou a rastejar pela parede em direção ao teto, tinha uma forma humana, mas oblíqua e fazia um barulho ominosamente estranho, um rangido de dentes. Uma liquido viscoso caiu sobre seu ombro, era maleável e transparente como baba.

— Mamãe... eu estou aqui! Olha pra cima... — Sussurrou novamente aquela voz, porém, desta vez ela vinha acima de sua cabeça.

Não conseguia se mexer, sua mobilidade havia sido extinta no momento que perdeu sua sanidade ao ver aquela terrível silhueta na escuridão. Ainda assim se atreveu a virar a cabeça na direção do teto e no momento que o fez, dois olhos de obsidiana amarelos se abriram. Os olhos fitaram-se nela e o fulgor deles esmaeceu, tornando-se escarlate, tão vivo como sangue e logo se tornou incandescente a ponto de flamejar. Um braço desceu do teto com a mão aberta. O braço parecia gangrenar, entre lacerações cheias de pus e apodrecidas cobertas de vermes e partes descobertas de ossos brancos como leite. Os dedos se contorciam e entre eles, o mindinho não estava lá ou havia sido arrancado e a pele do dedão se desmanchava, escorrendo e decompondo-se, ao mesmo tempo. O cheiro de podridão evadiu o ar, esmagando sua respiração. Conforme Rosângela respirava, era como se alguma coisa podre descesse por sua narina até seu pulmão e tentasse romper seus órgãos, como mãos lhe arranhando por dentro.

— Socorro! — Disse ela. Pela primeira vez ela conseguisse falar algo que não lhe fosse condicionada involuntariamente.

Quando o dedo indicador daquilo tocou sua testa, o quarto inteiro tremeu, como se estivesse acontecendo um terremoto. A figura monstruosa que se elevava, revelou-se uma criatura descarnada, com uma face deformada e sem olhos. Para a sua salvação, a lua se ergueu novamente entre as nuvens e desta vez surgiu cheia, no céu estrelado e sua luz iluminou o quarto como uma lanterna. A criatura sumiu, ao ser tocada pela luz e ela finalmente tomou consciência da situação e correu para o interruptor.

Rosângela chorava, soluçando, suas lagrimas escorriam por seu rosto insosso e vertiginoso. Uma voz martelou em seus pensamentos.

— Você precisa... mamãe... vamos... — Ecoavam palavras incompletas.

De joelhos ela caminhou até que sua mão se aproximou do interruptor. Uma brisa ressoou pela brecha da janela até a nuca, carregando uma voz.

— Vem pra mim mamãe... vem aqui pra dentro... eu tenho tanta fome... e aqui está tão escuro... — Diziam os murmúrios.

Ela ignorou a voz e continuou no encontra da luz, contudo, logo percebeu que alguma coisa havia se enroscado no seu tornozelo. Era um tentáculo. Rosângela desceu os olhos na direção do assoalho e viu um tentáculo espreitar de debaixo de sua cama até o tornozelo. — Quê! — Espantou-se. Em seguida uma força abrupta lhe puxou. A princípio aquilo lhe puxou devagar, mas exercendo muita força. — Agora não! Eu estava tão perto... — Falou ela.

O tentáculo se enrolou em seu tornozelo e logo prendeu sua perna como uma corrente. Ela caiu, sendo afastada do interruptor.

— Não. Maldito... — Esgoelou-se tentando se livrar daquele tentáculo, arranhando-o e disferindo golpes com a mão que logo ela descobriu que eram ineficientes, pois, a coisa continuará a lhe puxar para debaixo da cama, na direção de um limbo de escuridão.

— Eu quero sentir você dentro de mim mamãe... quero sentir o seu sangue... o seu sangue... — Continuou a voz medonha.

O tentáculo que envolvia sua perna aglutinou-se a um ácido que começou a corroer lentamente sua pele da cocha. Rosângela voltou a gritar, mas quando percebeu que seus gritos não seriam ouvidos ela se acalmou e segurou-se na borda da cômoda ao lado de sua cama. Conforme ela era puxada a gaveta que se segurava na cômoda abria. Foram três puxões com força, o primeiro abriu a gaveta até a metade e deslocou o osso da perna. O segundo puxão mais forte quase abriu a gaveta inteira e a pele de sua perna começou a rasgar, desfiando como pano. Por fim o terceiro puxão abriu a gaveta por completo, fazendo Rosângela se desgarrar do móvel. Então em seguida houve um barulho de ossos quebrando e pela rasgando e Rosângela parou de ser puxada. Tudo ficou em silencio, Rosângela nem ao menos se pôs a respirar, o frio lhe cobriu como uma manta e em seguida veio a dor, começou como um formigamento e se tornou agonizante. Rosângela gritou o mais alto que pode, num berro tão alto que poderia ter acordado uma cidade inteira. Seus cabelos ruivos esvoaçaram sobre seu rosto. Quando olhou para o inferior de seu corpo, na direção das pernas, notou que sua perna direita havia sido arrancada...

— A meu deus. — Pensou, sem forças para gritar.

A dor infindável durou alguns momentos, até que de repente aliviou-se momentaneamente, como se anestesiassem-na e novamente começou a ser puxada para debaixo da cama. Rosângela não tinha mais forças para lutar. Ao perceber que toda sua parte inferior do corpo se encontrava em baixo da cama ela se segurou na beirada da cabeceira e nas fronhas.

— Vamos mamãe... venha aqui em baixo brincar comigo... venha brincar dentro de mim... — Falou a voz vinda de debaixo da cama, porém, agora era rouca e grossa.

Rosângela se envolveu num sentimento de pânico, tentou se desprender daquilo, mas outros três tentáculos saltaram de debaixo da cama e seguraram-na pelo dorso, envolvendo-se ao redor dos braços e na coluna. Ela sentiu aquela coisa rastejar por sua pele, parecia uma lesma, molhada e viscosa, da qual expelia um líquido corrosivo que queimava seu corpo. Novamente uma voz pairou por seu pensamento, porém, desta vez mais intensificada.

— Por favor... por favor...

Rosângela uniu-se a suas últimas forças e tentou se soltar, mas sem sucesso acabou quebrando o pulso e foi puxada para debaixo da cama. Enquanto seus olhos se perdiam na escuridão ela era puxada cada vez mais para debaixo da cama, como se não houvesse fim...

— Por favor... por favor... mamãe você precisa ACORDAR-R-R-R!!! — Gritou a voz em sua mente, tentando alcança-la e em seguida tudo se tornou uma massa escura, envolvida por dois olhos vermelhos.

Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 23/07/2017
Reeditado em 23/07/2017
Código do texto: T6062479
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