O vampiro

Você já sentiu medo da morte?

Mas o que de fato significa isso?

Esse medo, dizem eles, é um medo limitado aos mortais... O que será que celestiais sentem quando olham para o céu, tão vazio...

Eu me mantive firme por algum tempo, por mais que a solidão me consumisse dia após dia eu aproveitava ser saboreado pelo silêncio profundo.

Quantos dias passei sem ouvir nem mesmo o som irritante da minha voz que insisto em fingir mais rouca do que é.

Foi depois de assistir todo meu catálogo de filmes, ler todas as palavras dos livros empoeirados, tentar compor todo tipo de melodia... Foi só depois de tudo isso que eu me dei conta que aquela penumbra leve, quebrada por raios que invadem a janela, havia me consumido totalmente.

Por que temo algo tão distante de mim?

Eu parei de prestar atenção nas pessoas a meu redor...

Elas não parecem mais interessantes o suficiente pra mim.

Não sei se o que falta neles são minhas referências ilimitadas, o interesse pelo infinito ou simplesmente me irrita a falta de brilho em seus olhos.

Foi disso que me convenci no começo.

O problema são eles...

Mas será que quando vem a vontade de se afastar de olhos de sol, o problema era realmente os olhos sem vida?

Quando a imensidão não é mais o suficiente... Quando o céu ao invés de azul e leve é simplesmente... Opaco... Distante...

Nem mesmo a complexidade do passar das eras, tecnologia avançada... Nada parecia ser maior do que eu...

Mas não é só ser o mais importante... É ter a maior raiva, a maior tristeza... Ser o mais podre dentre os podres.

O que me tornei?

Um escravo da noite, que só consome sentimentos ruins e não tem paladar pra experimentar nada mais.

O amor só serve pra me enojar, com seus fluídos fedidos e ilusões egocêntricas.

Tentei sair de dia... Foi uma tentativa honesta, ver mais as pessoas, sair do isolamento que me proporcionei aos poucos.

Entenda, não é como se tivesse o poder de escolha, as coisas são como são.

Um dia acordei e me deparei com essa forma decrépita na frente do espelho, sem alma. Um amontoado de ossos e carne. A luz do dia se tornou meu local ideal de hibernação, a escuridão era confortável quando longe dos lençóis, a noite me fazia bem e mal ao mesmo tempo.

Me alimentei da vida alheia por um tempo, fazia me sentir mais humano, cada gota que sugava dos outros era a migalha que eu precisava, dia após dia...

Mas ninguém quer ser sugado, e até o mais generoso percebe que não terá volta, as presas sujas só tomam e nada dão em troca.

Com o tempo me senti sozinho mesmo cercado, me isolei para evitar estar cercado.

As tentativas de sair na luz do dia cessaram, as interações desnecessárias cessaram... E as necessárias também.

Me pergunto o que fiz comigo mesmo.

Esperei muito tempo por algo que nunca vem.

Acredito que meu coração se transformou em pedra... Não sinto nada bom.

Aquele pobre garoto perdeu o caminho... Me disseram... E eu nunca mais o encontrei.

Pedro Kakaz
Enviado por Pedro Kakaz em 09/09/2017
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