Aquela casa - DTRL 31

Virou-se e, de repente, vislumbrou pela primeira vez a velha casa. Esta era razoavelmente pequena, feita de uma madeira já apodrecida e encoberta pelo verde dos cipós e musgos, como se estivesse, pouco a pouco, sendo abraçada pela natureza. Como por impulso, aproximou-se do pequeno cercado deteriorado e observou melhor: o que poderia ser um dia chamado de quintal, agora nada mais era do que parte da floresta que envolvia a casa.

O menino deu alguns passos, indecisos, quase inconscientes, ficando de frente para a porta principal, aberta e quase completamente devorada pelos cupins. Não conseguia ver muito bem o que havia em seu interior. O fim da tarde avançava rápido, dificultando enxergar as imagens que lá dentro se misturavam. Deu um passo, talvez dois, para trás e pensou que seria melhor ir embora, quem sabe outro dia, quem sabe nunca mais. O medo fez com que seus braços tremessem, quase podia sentir frio naquele mês de novembro. No entanto, ainda continuou parado. Se fosse interrogado, talvez não conseguisse se explicar, não saberia dizer o motivo de não ir embora, de continuar e, por mais insensato, entrar.

Podia perceber os restos de um sofá, na verdade, dois, e uma estante com diversas... Esculturas? Chegou mais perto delas, pegou uma nas mãos e observou: parecia uma miniatura, nada além de cinco centímetros, de uma antiga máquina de costurar. Largou esta e pegou outra, desta vez era uma espingarda. Olhou mais algumas e percebeu que todas eram feitas de madeira. O lampejo de um pensamento aconchegante passou por sua mente, meu pai também fazia este tipo de coisa.

Um barulho interrompeu seu raciocínio, era o som de uma lâmina atravessando a madeira. Não se mexeu, não respirou, apenas esperou. Mais e mais batidas, soavam secas e cruéis em seus ouvidos. Virou-se vagarosamente, as batidas vinham do pequeno corredor que estava em suas costas. Andou em sua direção, a batida do coração já se igualava às batidas que escutava. Parou de frente para uma porta fechada, pensou no que deveria fazer. Poderia ir embora, chamaria alguém para subir a colina no outro dia, bem cedo. Poderia abrir a porta e ver o que era. Poderia... E abriu.

Mesmo que tenha tentado abrir vagarosamente, ainda assim, ouve um sonoro rangido comum à portas velhas. Quando conseguiu ver o que estava lá dentro, paralisou. Havia um velho gordo, cheio de pêlos pelo corpo, todo sujo, destruindo um guarda-roupa com machadadas. Assim que a porta terminou seu movimento, aquele ser deu um último golpe e virou sua cabeça em direção ao jovem. Percebendo ser observado, arrancou o machado da madeira e virou-se por completo para a porta.

Houve um momento de silêncio. Entreolharam-se. Se pudessem perceber, já estariam ouvindo o chiar dos insetos noturnos. Mas não conseguiriam, a tensão tampa os ouvidos e reduz o raciocínio a duas hipóteses: fugir ou lutar? O menino lembrou-se, quase como se escutasse novamente, a voz de seu pai dizendo para não dar às costas a algum animal que por acaso cruzasse seu caminho. Não sabia se o ensinamento era válido para aquela situação, mesmo assim, esperou.

Contudo, no momento em que o velho deu o primeiro passo em sua direção, não conseguiu manter a pose. Virou-se e correu na direção contrária, o certo seria voltar pelo caminho que viera, sair pela porta da frente. Não conseguiu. Naquele instante pensava apenas em correr.

Passou direto pela cozinha da casa e, assim que saiu desta, fechou a porta, agradecendo por esta estar em melhores condições do que a porta da frente.

Aos poucos seu coração foi desacelerando, permitindo que pensasse melhor nas condições em que estava. Respirou fundo e prestou atenção aos sons. Não havia mais machadadas, nem sequer passos, apenas o som dos insetos. Isto fez com que duvidasse de sua sanidade, perguntas como “será que eu realmente vi aquilo? Será que estou ficando louco? Será um sonho?” povoaram sua mente. Assim que seus olhos se acostumaram com a noite, divisou dois objetos de pedra ao fundo do quintal, cercados por rosas e ervas daninha. Chegou mais perto e percebeu que se tratava de duas sepulturas. Forçou os olhos, tentando enxergar o que estava escrito, sem sucesso.

Deu as costas e olhou novamente ao seu redor, a única forma viável de sair dali seria atravessando novamente a casa. Este pensamento criou certo receio. Não queria entrar lá novamente, mas também não se atreveria a pular a cerca e tentar atravessar a mata fechada, mesmo que fosse por alguns metros. A região era famosa por suas plantas venenosas. O receio beirou o desespero, não conseguia pensar em nada além de se xingar por ter entrado lá. Foi em meio a estes pensamentos que escutou o barulho de terra sendo remexida.

Olhou novamente para os túmulos e percebeu que se elevava uma figura de um deles. Era uma menina. Tinha quase certeza. Sua estatura era mediana, talvez um pouco mais baixa do que ele, sua roupa – assim como a pele – estava quase toda deteriorada, permitindo a visão de sua carne podre e alguns órgãos pendurados. A característica mais marcante, no entanto, estava em seus olhos. Pois estes não existiam. De cada glóbulo ocular saltava uma rosa vermelha de caule espinhento, dando um ar de tristeza ao seu rosto.

Apesar de tudo, ela sorriu.

O menino caiu para trás, sentado.

– Estava te esperando – ela começou a murmurar –, você disse que viria logo... Demorou.

O jovem ficou calado, não tinha reação.

– Não quero perder tempo, vamos embora logo, antes que ele volte.

– Quem é você? – Perguntou para a menina, esta parecia não prestar atenção à pergunta.

– Está uma bela noite, não acha? – disse, olhando para o céu nublado. Em algum lugar daquele céu deveria haver uma lua, mas as nuvens

impediam que fosse vista.

– O que está acontecendo? – ela voltou-se para ele novamente e repetiu:

– Estava te esperando, você disse que viria logo... Demorou. – Percebendo que não havia resposta às suas indagações, o menino levantou-se e apertou os braços do cadáver, chacoalhou-o, gritando:

– Quem é você?

Ela, se pudesse, choraria. Como não podia, apenas debulhou-se em pétalas. Indo uma a uma ao chão. O garoto, percebendo o que fez, soltou-a e cobriu-se de remorso. Nada fazia sentido até que percebeu a marca no pescoço da menina. Era claramente um corte horizontal feito por uma lâmina. Passou as mãos em seu próprio rosto e por um instante sentiu-se sem chão.

Um pensamento perfurou seu crânio e invadiu seu cérebro. Sentiu-se tonto, dolorido. Em um momento estava nauseado, em outro, correu novamente para dentro da casa velha. Tropeçou, cambaleou, mas continuou em direção aonde achava que deveria ir. Quando chegou à porta do quarto que ainda não havia entrado, já sabia de tudo. Abriu e entrou.

Lá havia uma cama, um guarda-roupa e, mais importante, um espelho. O menino olhou-se nele e pode comprovar o que já sabia. Sua pele também havia apodrecido, o que restava era apenas um pouco do que já foi um dia. Sentiu vontade de chorar, mas as lágrimas não vieram.

Na verdade, o que veio foi uma machadada certeira em seu ombro, fazendo-o ajoelhar-se no chão. Depois dessa veio outras, mas nenhuma causava-lhe uma verdadeira dor. Assim, caiu em sono profundo.

Quando acordou, já era fim de tarde. Levantou-se e foi em direção à saída, cambaleando. Desejava ir embora, libertar-se daquele lugar. Caminhou, enfim, para fora daquela casa.

Assim que chegou ao limiar da cerca virou-se e, de repente, vislumbrou pela primeira vez a velha casa.

Tema: Fantasmas / Assombração.