ELES SE ALIMENTAM DA GENTE.

Aquele tempo fechado não combinava em nada com o verão carioca.

Nuvens cinzentas tomavam conta do céu, e com uma certa frequência pingos de chuva desabavam do céu aumentando o ar melancólico daquele estranho principio de verão.

Lembro-me de caminhar pela calçada em zigue-zague tentando escapar dos guardas chuvas que congestionavam a pequena calçada esburacada.

Parei embaixo de uma marquise e tirei meu celular do bolso, eram exatamente duas da tarde, olhei meu whatsapp e verifiquei se Leticia, minha namorada tinha visualizado e respondido minha ultima mensagem lhe avisando que estava indo até a sua casa, para a minha surpresa ela não tinha visto.

Namorávamos há três anos, ela sempre foi uma pessoa graciosa, “cheia de vida”, mas ultimamente sem algum motivo aparente ela estava mais fechada, pouco queria sair de casa, e as coisas que outro hora lhe dava prazer agora simplesmente não chamavam a sua atenção.

Tentei ligar, mas sem sucesso o telefone chamou até cair na caixa de mensagem.

Frustrado continuei em meu caminho até o seu prédio, dei boa tarde para o porteiro, esperei o elevador e desci no sexto andar e caminhei até o seu apartamento.

Toquei a campainha, mas não fui atendido, depois de alguns minutos sem resposta, peguei a chave reserva que ela havia me dado e decidi entrar no apartamento.

O apartamento estava vazio, na mesa do centro da sala havia um pão de forma mordido, já rodeado por um batalhão de formigas.

No chão havia algumas roupas e objetos dela espalhados.

Ela era muito organizada, havia algo de muito errado acontecendo, preocupado gritei seu nome, mas não tive resposta.

Percebi alguém atrás de mim e ao me virar lá estava ela.

Seu olhar era confuso. De muitas maneiras ainda ela era, mas ao mesmo tempo não era.

É difícil descrever em palavras a imagem que estava na minha frente, sem ter o que fazer eu a abracei ela não reagiu ao meu abraço, continuou parada, sem mover nenhum musculo do corpo.

Eu a conduzi até o sofá segurando ela pelo braço carinhosamente.

Ela me seguiu caminhando tropegamente e ficou no sofá do mesmo jeito que a coloquei.

Ela mal piscava. O que parecia ser uma lagrima escorreu pelo seu rosto.

-o que posso fazer por você amor? Perguntei enquanto limpava aquela única lágrima solitária de sua face.

Ela apenas olhou para mim, fez menção de abrir a boca, mas nada disse, apenas abaixou seus olhos e ficou em silencio.

Subitamente senti um arrepio percorrendo minha espinha, olhei para a porta de entrada que eu havia deixado encostada.

Um rosto fantasmagórico surgiu na fresta da porta, os olhos pareciam não ter vida, e do canto da boca retorcida escorria uma espécie de baba pela lateral.

Eu fiquei sem reação apenas observava aquela coisa.

Olhei para Leticia tentando buscar uma afirmação de que aquilo realmente estava acontecendo, mas ao olhar para ela, Leticia continuava imóvel.

Voltei a olhar para a porta o rosto havia desaparecido.

Um arrepio desceu pela minha espinha, senti meu corpo gelado, algo me alertava para olhar para trás do sofá e quando me virei,vi algo difícil de descrever, entre a sombra do sofá e a parede jurava que tinha um vulto, quanto mais eu olhava mais eu entendia aquele vulto, vi a forma de um rosto pálido me observando, vi as mãos cadavéricas mexendo os dedos e como o vulto anterior esse também tinha baba escorrendo pelo canto da boca.

Leticia pareceu voltar a si e me olhou nos olhos. Segurou minhas mãos e me pediu desculpas, ela estava chorando.

Tremendo bastante ela levantou do sofá, para o meu horror percebi uma dúzia de vultos agarrados a ela, esses vultos pareciam chorar, o barulho era infernal, queimava meus ouvidos, era um misto de choro com o som de um predador quando vai abater sua presa, as sombras seguiam agarradas em seu ombro, outros colados em suas pernas eram arrastados à medida que ela caminhava em direção à saída.

Leticia olhou para mim, em seus olhos eu vi um amalgama de confusão e arrependimento, ela começou a chorar e a me pedir perdão, ela tentava se livrar daquelas sombras, mas seu esforço era inútil, mais e mais sombras grudavam nela.

Eu fiquei estático apenas observando ela sair pela porta com aquela legião de sombras grudadas nela, eu queria fazer alguma coisa, mas não conseguia me mexer.

Corri para a porta, no corredor não havia mais sinal de Leticia.

Voltei para dentro da casa, fui à cozinha para tomar um copo de agua, segurar o copo foi complicado, minha mão não parava de tremer.

De soslaio reparei a porta do banheiro entreaberta, me aproximei e a abrir de supetão, entrei e me deparei com o cadáver já enrijecido de Leticia enforcada com sua própria toalha.