Vozes

As vozes o mandaram matar. E ele fez. As facas e os revólveres cantavam para ele, como uma sereia canta para um jovem pescador. O que acontecia na mente dele, realmente, ninguém sabia. Tudo começou numa noite de agosto. Deitado na rede, os ouvidos a escutarem atentamente o som da natureza. De repente, ele veio. O anão com cara de sapo disse a ele o que tinha que fazer.

A primeira reação, de praxe, foi a surpresa. Ele nunca tinha visto criatura tão estranha na vida dele antes. Teve medo, confessou, mas aquele anão era incrivelmente insistente. Se viu, então, rodeado por verbos imperativos, caído no limiar da sanidade, sem ter para onde correr. Foi para a casa, quebrou tudo.

Foi uma da noite mais divertidas da sua vida. Realmente, cortar a linha que separa seu sã da loucura lhe deu uma liberdade que ele nunca tinha visto antes. Mais uma vez, ficou surpreso. Ficou louco ou foi apenas um momento de loucura? Não sabia o que fazer.

Ai Deus, vou à cidade, ao médico, tenho que me consultar, ele disse. Com o encaminhamento na mão, se dirigiu ao atendimento ambulatorial. Mãos nervosas, suando frio, esperando sua vez. Os segundos pareciam horas, as horas pareciam dias, ele estava perdido, talvez.

Foi chamado. Levantou-se como se levasse dez quilos de chumbo nas pernas. No consultório, falou toda a verdade. A médica, com uma expressão de choque (algo muito raro de se ver em psiquiatras), passou alguns remédios e o mandou para a casa. Por que ela tinha ficado chocada? Ele apenas falou toda a barbaridade que fez consigo mesmo todos aqueles dias.

Tomou os remédios, foi descansar. Logo veio o anão com cara de sapo. Na sua face, a reprovação. Saia disso, ele disse, fica comigo, ele disse. Ele não deu outra, largou os remédios de lado e foi correndo para o terreiro. Cantou e dançou como nunca, junto de seus novos amigos. Agora, o homem-lobo e a mulher-gato também faziam parte do espetáculo. As árvores, sugadas pela noite, eram seus espectadores. No breu, um show foi feito. Pela loucura, eles diziam.

Acharam ele dois dias depois, desidratado. Ai, levar na médica, falaram. E lá foi ele de novo, e contou novamente toda a verdade. Não tem jeito, ela disse, com outra cara de choque (dessa vez ele percebeu que era diferente da anterior, era algo com mais surpresa) mandou-o para a internação.

Passou meses lá, confinado, conversando com seus bichinhos de estimação, meio animais, meio humanos. Os meses passaram rápido. Os bichos começaram a desaparecer, lentamente. Ai meu Deus, ele pensou, e agora, o que será de mim?

Foi mandado para a casa, lá, deitou-se na cama e não saiu por 3 dias. De repente, veio a voz. Com tom imperativo, ela dizia o que ele tinha de fazer: Matar. E ele fez. Saiu na rua, vinha passando uma mulher-grávida. Essa é perfeita, ele pensou. Nos seus 5 meses de gestação, a mulher não via nada de diferente no homem, exceto a faca. Naquela mesma noite, eles o pegaram.