ZONA DO PÂNICO
 

 
  — Você já usou essa coisa antes...

  — Olha cara. Pra falar a verdade ainda não. Os parças falaram que é um role até o inferno. Não tenho ideia do que eles quiseram dizer, mas o bagulho deve ser foda.

  — Não tenta me enganar, se for que nem da última vez, juro que tu ta morto mano.

  — Relaxa parça. Quando experimentar vai saber...

  Leandro me deixou próximo de um posto de gasolina abandonado com um pacote de pó amarelo e sumiu. Havia um selo pintado no saco do bagulho, dizia — Zona do Pânico.

  Cheguei em casa por volta das seis da tarde. Estava muito cansado e queria experimentar logo aquilo, afinal este é o mal de um viciado; uma puta de uma obsessão sem limites. Minha mão tentou conversar comigo quando entrei em casa como ela sempre fazia desde que descobriu que estava usando... ela é chata, na verdade toda minha família é chata, são todos charlatões que se acham mais do que merda. Sei lá, ser rico é uma droga.
Esse bagulho parece ser igual a heroína, você precisa dissolver e aplicar na veia, pelo menos foi o que o Leandro tinha dito.

  Já faz quase três anos que conheci Leandro e a quase três anos comecei a usar todo tipo de droga. Não considero Leandro um amigo ruim, aqueles bagulhos dele me mostram outra realidade, algo frenético e contagiante, como um vírus que se espalha rápido pelo seu corpo, mas sem te fazer mal. Abstinência até que não é tão ruim se você sabe se controlar, sabe, tomar uma ou duas doses e guardar o resto para depois, não que nem aqueles viciados que Leandro me apresentou que dormiam na merda e não paravam de usar uma atrás da outra.

  Se você me perguntasse agora se acho isso errado, tenho certeza que responderia que não. Errado é o que a sociedade quer que você pense. Acho que se tivesse minha vida iria entender, não como se dinheiro ou sexo fossem resolver meus problemas, mas isso, o bagulho, é algo que me liberta, algo que me distrai deste mundo.
Quando já havia preparado tudo, tratei de fechar o quarto. Havia instalado uma fechadura na semana passada.

   — O que você está fazendo Wagner? — Gritou minha mãe.

   — Vá cuidar da sua vida mãe. — Respondi.

  — Por favor filho. Não faça isso. Mãe pode ajudar você, nós podemos ajuda-lo.

  — Ninguém pode me ajudar. — Sussurrei.

  A seringa estava pronta, só foi necessário aplicar... já haviam cerca de dez furos avermelhados na dobra do meu braço, as marcas passeavam entre um vermelho-escuro a roxo e envolta da pequena ferida havia um espaço amarelo.

   — Zona do Pânico. Vamos ver isso.

   Aplicar é sempre uma sensação boa. Quando injetei o liquido amarelado, já passava das sete e vinte. Só conseguia ouvir as batidas incessantes na porta e de repente tudo começou a girar. Não tinha nem acabado de terminar de aplicar o bagulho e a coisa já estava fazendo efeito, foi como sentir o liquido se espalhando por todo meu corpo de uma só vez, adormecendo cada musculo.

   Lembro-me que alguém arrombou a porta e uma silhueta correu na minha direção.

  Acordei segundos depois na minha cama. Estava suando, literalmente parecia que havia saído de um banho quente. Minha boca estava amarga e meus dedos formigavam. Abri meus olhos com dificuldade, parecia que estava erguendo uma casa e a dor de cabeça que aquilo me remeteu fora enorme. No começo minha visão precisou se adaptar a luz, tudo parecia um borrão branco quando abri os olhos por completo.

   Voltando a mim, percebi que a porta estava aberta e era de dia, o sol penetrava pela janela como se fosse de manhã. Chamei por minha mãe, mas ela não respondeu, ninguém respondia.

   Tendo conseguido me levantar tomei impulso e comecei a caminhar. Nunca pensei que aquele bagulho fosse tão forte. Estava preparado para matar Leandro se não fosse.

   — Mãe. Pai. Leo. Tem alguém aí. — Perguntei. Mas novamente permaneci sem resposta.

   — Você precisa entrar. — Sussurrou uma voz na minha cabeça, num tom estranho e rouco, como um velho grunhindo baixo.

    Ouvi um barulho vindo da sala e decidi descer até lá para ver o motivo de não me responderem. Eu tenho certeza que em todos os meus dezessete anos nesta casa havia uma porta na sala e janelas, muitas janelas. A sala estava vazia e não haviam portas ou janelas. Minha visão ainda estava turva, talvez poderia estar sob o efeito do bagulho, portanto decidi continuar andando, até ouvir um som próximo, como se alguém arranhasse uma parede. O som me levou até uma porta. Eu nunca na minha vida tinha visto aquela porta antes. Tudo estava escuro lá dentro, não podia enxergar praticamente nada, somente os umbrais adornados em rubro.

   — Mãe... — Chamei tossindo.

  — Venha filho... — Respondeu uma voz que tenho certeza que não era da minha mãe.

  Me afastei da porta quando ouvi um estalo forte e ecoante vindo do escuro, como se um osso tivesse sido partido, minha visão começou a piorar a partir daquele ponto, conseguia enxergar poucas coisas, mas tenho certeza que era uma mão esgueirando-se para fora da porta, arrastando-se pelo chão, uma mão toda escura escorrendo lodo negro.

   Virei-me e tentei sair dali, mas algo agarrou minha perna, em seguida senti como se várias coisas agarrassem meu corpo e me puxaram para o escuro. Resisti a princípio, mas a força era tremenda, e ao final conseguiram me levar para escuridão. Em seguida eu acordei na minha cama e a porta estava aberta. Chamei alguém, mas ninguém respondeu...

   Não aguento mais isso, toda vez eu acordo e toda vez algo me leva aquela porta aonde sou agarrado e levado para o escuro e tudo recomeça. Tenho medo em acordar, tenho medo de abrir os olhos, mas sempre que tento fechar os olhos antes da hora, vejo aquelas coisas inomináveis, coisas horrendas se movendo no escuro, elas sentem o meu cheiro, sentem a minha carne, sentem o meu sangue. Rezo a deus sempre que acordo mais uma vez que tudo acabe, mas já fazem anos que estou nisso e temo nunca conseguir acordar.
 
 
 
 
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 17/01/2018
Código do texto: T6229123
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