FORA DO NOSSO ALCANCE
— Pode abrir os olhos filho, não tem ninguém aqui. Você não entende pai, quando eu abrir os olhos eles vão aparecer de novo, e de novo e de novo. — Filho, essas coisas não existem, abra os olhos por favor, olhe para o papai, já faz um ano... não posso me atrever, da última vez eles quase conseguiram. — Filho, nosso amigo, Doutor Ronaldo está aqui, lembra-se dele. — Oi garoto, o que está acontecendo, achei que tínhamos feito progresso desde aquela última visita. Rô, eu tentei abrir os olhos, mas antes que o fizesse, vi a sombra das mãos deles sobre meus olhos, eles chegaram perto demais.
— Doutor, o que faremos, já não temos mais escolhas, gastamos toda nossas econômicas com tratamentos, mas não funciona. Ouvi Rodrigo conversando com papai próximo da porta. — Não posso ajudar Bruno, já tentei de tudo. — Mas, já gastamos todo dinheiro que tínhamos, não temos mais nada. — Sei o quanto deve ser difícil, mas eu não posso ajudá-lo. O barulho da porta me pareceu tão nítido, desde ter fechado os olhos, tenho ouvido mais claro as coisas, e ouço aquelas coisas conversando, mas não sei o que dizem. Não me lembro ao certo como eram, já faz tempo, mas recordo-me ligeiramente que eram insanos, tinham tamanhas esquisitos e formas que nunca havia visto antes. Um deles parecia um homem todo vermelho e no lugar das mãos haviam tentáculos de onde saiam fileiras de ventanas cheias de dentes, um deles que parecia quase transparente, quase conseguiu me tocar, quase... a noite, quando tento dormir eles uivam, e quando me lembro daqueles tentáculos vindo na minha direção não consigo parar de gritar.
Papai acha que preciso de um médico, mas estou bem, eles que não conseguem acreditar em mim. Choro só de pensar que aquelas coisas estavam em todos os lugares da última vez, eram milhões, seres abstratos e inimagináveis. Tenho medo que se abrir os olhos novamente, talvez eles me alcancem.