Bois
Para todo lado eram somente eles: os bois.

Não importa o quanto andávamos, o quanto nos escondíamos, acabávamos sendo descobertos.
Os humanos se abrigavam no subterrâneo, em passagens difíceis, apertadas.

As últimas comunidades, literalmente, se matavam pelos últimos recursos: comida e água. Somente isso importava. A lei da selva, do mais forte, voltara a imperar.
No fim, naquele abrigo, nós, os últimos andrajos humanos batíamos uns contra os outros.
Não estava fácil. Sabíamos que a humanidade, em seu sentido amplo, desaparecera. Restava nos entredevorarmos.
Como começara aquele fim?
A genética, em sua sanha para aperfeiçoar as espécies, criou um bovino mais resistente, musculoso, pois a saúde primava por mais proteína e menos gordura.
O que não sabíamos era dos efeitos colaterais.
Os bois, além de mais fortes, rápidos, mais suculentos, também se tornaram mais e mais inteligentes. Em poucas gerações aprenderam a se comunicar telepaticamente. E, quando percebemos, já era tarde demais.
A partir disso, espalhados pelo mundo, se rebelaram.
Em um único dia, conseguiram desarticular a maioria da humanidade e, pior, por telepatia comandaram outros animais, desde os cães até insetos.
Foi uma rebelião coletiva.
Escorpiões saíam das paredes enquanto o povo dormia.
Víboras inundaram, principalmente, os países tropicais.
Nos países frios, grupos monumentais de aranhas e camundongos, somados aos animais domésticos, irromperam febris estragos.
Quem imaginaria que seu cachorrinho fosse lhe arrancar a mordidas as artérias?
Em poucos dias o mundo entrou em colapso total.
Como lutar contra um exército de bilhões de criaturas?
A telepatia, no entanto, tinha um alcance limitado.
Nas fundas do subsolo podíamos ter uma chance.
No entanto, eu me cansei.
Saí para a superfície com a minha família. Esposa e um filho de 10 anos.
Armado com um fuzil, poucas balas, preferimos tentar a vida sobre a superfície a morrer daquela forma via canibalismo.
A humanidade não tinha mais saída.
Quando chegamos ao topo do abrigo, vimos um enorme touro negro nos encarando.
Ele podia fazer o que quisesse. Poderia investir contra a gente ou nos deixar. Podia mandar nuvens de inseto nos envolver e aniquilar através da asfixia.
Sabiamente, levantei meu fuzil para o alto e o deixei no chão.

Afastando-me da minha esposa e filho, aproximei-me dele. Bufou. Bateu o casco direito sobre alguns pedregulhos e me encarou firme.

Comecei a falar:

- Olhe. Vocês venceram. Não tenho como viver lá embaixo com a minha família. A humanidade acabou. Estamos nos devorando uns aos outros. Tudo o que queremos é uma terra para podermos plantar e viver dos vegetais. Podemos viver em paz. Cuidaremos de alguns animais. Sabemos fazer isso. Cuidaremos bem. Daremos o sustento, o apoio, plantaremos e colheremos. Vocês podem muita coisa, mas alguma tarefas as mãos humanas são excelentes em realizar...

Ele nos encarou. Fez um movimento de cabeça para que o seguíssemos. Andamos algumas horas. Chegamos a uma fazenda na qual haviam outras famílias. Fomo alojados. Aprendemos a cuidar dos animais. Plantávamos e colhíamos para o nosso sustento e o de várias espécies.

A vida praticamente se tornara feliz, porém, além das cercas, eles, os bois, estavam sempre lá, nos encarando, vigiando, nos mantendo agora como servos úteis, pois, sabíamos que ao menor vacilo seríamos mortalmente picados por um inseto ou víbora.

A humanidade, enfim, chegara a um novo patamar devendo, finalmente, por força da determinação de uma espécie que nos suplantara, adaptar-se e viver em paz com as demais criaturas deste mundo...

 
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