Quinta-feira no inferno

Quinta-feira no inferno

Cassimiro se preparava para ir trabalhar, tinha que caminhar por trinta minutos até ao seu serviço. Ainda não havia acostumado com a rotina da cidade grande. Morava no oitavo andar de um prédio há somente dez dias, e ainda não conhecera os vizinhos de frente da sua porta. O apartamento que comprara, havia ficado fechado por 10 anos devido uma discórdia entre herdeiros, agora no entanto era seu. Ouvia constantemente gemidos e gritos, algumas vezes choro de crianças, decidiu não se meter. Seu relógio marcava 6 horas, ele entrava no serviço as 8 horas. Tomou banho, preparou um café ainda de toalha e quando ia se vestir ouviu duas batidas de leve na porta, achou estranho pois tinha campainha e mais estranho ainda pelo fato de que ninguém o conhecia ali. Não havia síndico no prédio e sabia que a maioria dos apartamentos viviam sem moradores há anos, pois o local que era considerado violento. Ele mesmo só havia comprado o apartamento por não ter achado outro com preço tão barato. Quem poderia ser?!

Caminhou até a porta, olhou no olho mágico e não viu ninguém. Imaginou ser alguma criança. Quando ia se virar para se vestir viu um papel por baixo da porta, se abaixou e pegou. Estava molhado se esforçou para conseguir ler pois parecia ter sido escrito com muita pressa.

“Você não me conhece, sou sua vizinha, me chamo Sophia, você é minha única saída, por favor não despreze meu pedido de socorro! Sou mantida refém do meu marido Jonas que enlouqueceu há dois anos, junto com meu filho Alan de 8 anos e minha filha Helen de 10 anos. Hoje consegui sair rapidamente pois ele esqueceu a porta aberta, não fugi porque meus filhos estão trancados num dos quartos, temo pelo que pode acontecer com eles. Espere ele sair e me ajude. Não aguento mais. Socorro!”

O primeiro pensamento de Cassimiro foi de ligar para a polícia, mas imaginou que aquilo poderia ser um trote, então colocou o bilhete sobre e mesa e foi se arrumar. Enquanto isso no outro apartamento:

— Que dia é hoje mulher? — perguntou Jonas com semblante rude.

Houve um minuto de silêncio e depois uma voz rouca e baixa.

— Hoje é quinta-feira dia 29.

Ele olhou para as crianças que acabara de soltar do quarto que elas ficavam presas.

— Podem sentar à mesa — a voz de Jonas soava como uma ordem.

As crianças se sentaram em silêncio enquanto a mãe servia café e pão. Acidentalmente o menino Alan derrubou a xícara, ele olhou assustado para o pai, junto com a irmã e também a mãe. Jonas ainda deu outra golada no café e num golpe certeiro deu uma bofetada no rosto do menino. A mãe num impulso pegou Alan que havia caído, a menina saiu da mesa assustada e se escondeu atrás da mãe.

— Não, não — Sophia colocava a mão tentando evitar nova investida do marido, e implorando por piedade, mas foi em vão, ele era bem mais forte que ela. Lhe segurou pela mão e pescoço, então esfregou seu rosto no chão no local do café derramado.

— Isso é para você aprender a educar esses merdinhas — gritou Jonas.

As crianças choravam alto. Naquele momento Cassimiro saiu de seu apartamento para ir trabalhar e ouviu os gritos, se aproximou devagar e sorrateiro da porta, colocou o ouvido e pode ouvir berros do homem e choro das crianças. Correu de volta para seu apartamento e aguardou até que o homem saísse. Ele então retornou até a porta, bateu, chamou e ouviu um pedido de socorro abafado e baixo, se afastou da porta e bateu o ombro com força tentando arrombá-la, ainda tentou por mais duas vezes sem êxito. Voltou ao seu apartamento rapidamente, pegou algumas ferramentas e só então conseguiu arrombar a porta. A sala estava bastante suja com guimbas de cigarros e garrafas de cerveja espalhada, caminhou até o quarto de onde vinha o grito de socorro. A chave se encontrava na porta pelo lado de fora. Então abriu.

Ficou chocado ao ver uma bela mulher e duas crianças amarradas. A mulher tinha os olhos roxos e as crianças estavam magras e mal cuidadas.

— Me ajuda por favor! Seja rápido antes que ele volte — implorou a mulher.

Ele rapidamente retirou as amarras, observou os hematomas no rosto da mulher e das crianças.

— Foi seu marido quem fez isso? — questionou Cassimiro.

— Sim, ele me solta pela manhã para fazer café para ele, vi que ele tinha esquecido a porta aberta e decidi pedir ajuda. Ele sempre foi violento, mas há dois anos atrás ele enlouqueceu de vez. Nos mantém presos aqui e nos maltrata. Você é o primeiro morador aqui por perto em todo esse período.

— Calma, eu me chamo Cassimiro, vou te ajudar, vamos chamar a polícia.

Ela o abraçou e chorou ao seu ombro.

— Terminou! agora vocês estão livres. Vamos sair daqui logo antes que ele volte.

Mas quando Cassimiro se virou para sair ouviu um grito da menina.

— É o papai!

Diante de Cassimiro estava aquele homem grande com uma faca na mão.

— Calma senhor! Eu só vim ajudar sua esposa e filhos — disse Cassimiro afastando-se e se protegendo com as mãos.

Sophia e as crianças se esconderam atrás de Cassimiro.

— Quem te chamou aqui? Seu merda! Eu percebi alguém ouvindo atrás da porta.

Cassimiro colocou a mão na frente e antes que dissesse mais alguma coisa levou uma facada no estômago caindo no chão e gritando de dor. O agressor o segurou pelo cabelo e passou a lâmina no seu pescoço. Sophia e as crianças correram desesperadas até a porta. Gritaram por socorro, mas a porta havia sido fechada.

O marido se aproximou com a faca suja de sangue e ergueu a chave mostrando a Sophia.

— Sua vagabunda! Você acabou com nossa família.

As crianças gritavam desesperadas e Sophia pedia clemência. Ele então ergueu a faca e cravou no peito de Sophia por três vezes. Olhou as crianças que agarravam o corpo sem vida da mãe.

— A culpa foi dela! — se justificou Jonas apontando para o corpo sem vida da esposa.

Segurou as crianças uma em cada braço, sobre gritos e prantos e as conduziu até a sacada do apartamento.

— Nossa família acaba aqui, nessa quinta-feira dia 29 — disse Jonas enlouquecido, e se jogou do prédio levando consigo as duas crianças.

***

— Que dia é hoje mulher? — perguntou Jonas de semblante rude. Houve um minuto de silêncio e depois uma voz rouca e baixa.

— Hoje é quinta-feira dia 29.

Ele olhou para as crianças que sorriram, gesto que não se via naquela casa há anos.

— Eu tive um sonho muito estranho ontem. Podem sentar-se à mesa crianças — Jonas estava pensativo.

Ambas se sentaram.

— Não foi um sonho! — disse Sophia alegre e sorridente.

Nesse instante o menino Alan derrubou uma xícara de café. Ele olhou para o pai, junto com a irmã e também a mãe. Todos sorriram, menos Jonas que ainda deu outra golada no café e num golpe certeiro deu uma bofetada no rosto do menino. A mãe num impulso gargalhou, a menina também gargalhou e por último o menino Alan olhando para o pai.

— Qual a graça? Vocês estão rindo de que? — gritou Jonas enraivecido.

— É que ele não sente mais dor, ao contrário de você papai — disse Helen gargalhando ainda mais alto e apontando para o pai como se fosse a maior piada que já ouvira.

— Que loucura é essa? eu vou acabar com todos vocês — Jonas ficou de pé, mas paralisou-se ao ver a porta se abrir e Cassimiro entrar com tranquilidade, se dirigindo até a geladeira, pegando uma cerveja e se sentando numa cadeira.

Jonas pegou a faca sobre a mesa apontou para Cassimiro.

— Quem você pensa que é para entrar na minha casa assim? — Gritou Jonas ainda mais furioso.

Cassimiro sorriu.

— No momento eu não venho para apresentações, mas se insiste em saber, eu sou Cassimiro, o namorado da Sophia, sua esposa — Cassimiro cantarolou o trecho de uma música animada.

Sophia caminhou lentamente sobre o olhar débil do marido até Cassimiro e sentou-se no seu colo beijando sua boca em seguida.

— Eu vou matar todos vocês! — Murmurou Jonas erguendo a faca com ódio no olhar.

— Papai. Você já nos matou, esqueceu? — disse o pequeno Alan gargalhando em voz alta.

— É papai. Seja bem-vindo ao inferno! Ao seu inferno! — completou Helen.

— Aqui todos os dias são quinta-feira dia 29 — disse Sophia, fazendo um carinho no rosto de Cassimiro.

— Todos os dias teremos uma surpresinha nova para você por toda eternidade — completou Cassimiro beijando em seguida a boca de Sophia e lhe apalpando os seios.

Então Jonas se lembrou do dia anterior largando a faca, e aterrorizado. Gritou:

— Isso é mentira! Não pode estar acontecendo, é um sonho!

— Crianças, por favor, mostrem ao papai que não é mentira — ordenou Sophia.

— Eu não perderia isso por nada! — disse Cassimiro tomando mais um gole de cerveja.

Jonas sentiu uma dor insuportável. Olhou para baixo e viu uma faca cravada no seu pé pelo seu filho Alan. Ele então gritou. Foi novamente surpreendido por uma nova facada que lhe atravessou o estômago o fazendo cair. Era Helen que o havia golpeado com uma força incrível. Sophia e Cassimiro aplaudiram e gargalharam. Jonas gemia de dor e implorava por sua vida. Alan o ergueu pelo cabelo e posicionou a faca em seu pescoço.

— Até amanhã papai — Cortou o pescoço de Jonas até separá-lo da cabeça.

***

— Que dia é hoje mulher? Perguntou Jonas com semblante rude.

Houve um minuto de silêncio e depois uma voz rouca e baixa.

— Hoje é quinta-feira dia 29.

Ele olhou para as crianças que sorriram, gesto que lhe causou medo, e terríveis lembranças dos dias anteriores invadiram seus pensamentos.

— Mamãe, podemos matar o papai queimado hoje? — disse Helen segurando um maçarico aceso.

O homem aterrorizado levantou-se da mesa e se afastou.

— Poxa mamãe! Eu queria tanto matar ele enforcado hoje! – disse Alan segurando cordas e sorrindo.

— Deixa para amanhã Alan, hoje é dia da sua irmã se divertir. Amanhã é quinta-feira dia 29 e depois, e depois, e depois. Você terá sua vez!

— Eu não perderia isso por nada! — disse Cassimiro virando outra cerveja e apalpando os seios de Sophia.

— Atacar crianças! — Gritou Sophia.

Fim