A IMAGEM DO CADÁVER
 
 
Wesley aproximou-se do púlpito. Uma sombra ergueu-se voltando-se sobre as paredes, enrolando-se nas lâmpadas até sufocar a luz com uma cor negrume. Kevin correu para a rua berrando de horror. — Saia deste lugar. — Sussurrou Wesley observando a coisa rastejar ao seu redor.
— A casa do senhor não é lugar para sua escuridão.
Uma boca distorcida surgiu sobre ele, enfeitada de dentes e olhos esbugalhados. Wesley deu um paço na direção do altar até encostar na bíblia. Uma gota de sangue escorreu da página para a ponta de seu dedo, e então uma lufada de ar quente veio ao rosto, fazendo-o recuar. — A casa Deus está fora de seus domínios criatura do inferno.
As taboas estremeceram sob seus pés. — Jesus Cristo. — Gritou, fazendo a coisa se retorcer para dentro das próprias sombras.
­— Jesus Cristo.
— Jesus Cristo...
Uma voz rouca construiu-se no ar, falando algo num idioma impronunciável, ela parecia sofrer com o nome de Jesus.
— Volte para o reino de onde viés, pois na casa de Deus não será aceita.
Kevin observou a coisa venefica se retorcer até desaparecer sobre o púlpito.
— O-que-era-aquilo? — Perguntou Kevin estupefato.
— Nada que devemos mais se preocupar. — Respondeu Wesley fechando a bíblia.
— E quanto ao padre!
— Não acho que vá querer saber. O maldito acabou invocando algo que não conseguia controlar.
— Ele fez isso?
Wesley segurou a bíblia e em seguida a amarrou com uma corda molhada de água benta.
— Muitos se convencem achando que podem controla-los.
— Acha que a coisa vai voltar.
— Não. — Respondeu Wesley.
Wesley seguiu da nave para a porta principal, desceu a escadaria e sumiu. Kevin fitou o púlpito manchado de sangue, e nunca mais esqueceu da voz demoníaca que ouvira.
 
Duas semanas haviam se passado, Wesley conhecera um homem moribundo do qual lhe contara que durante três dias vira homens e mulheres passarem por sua janela, com os rostos cobertos com panos pretos, mas ninguém o vira além dele. Wesley desconfiava que poderia ser alguma alucinação causada por sua doença, mas naquela mesma noite acampou ao lado da casa do homem moribundo.
— Não acho que possa se tratar de uma entidade.
— Como não, então como posso vê-los toda noite.
— Já tentou procurar ajuda medica.
— Não me conhece, não é mesmo? — Perguntou o moribundo. — Todos os que me conhecem se negam em me ajudar.
— Vá a cidade... lá há médicos.
— Não posso, se deixar minha casa iram levar todas as minhas coisas pela noite.
— Porque fariam isso.
— Porque me odeiam.
— Porque?
— A alguns anos salvei um homem da morte, ele ia se jogar do alto do abismo, mas o impedi...
— Não deveriam odiá-lo por isso.
— Não por isso. Mas pelo fato de que o homem que salvei na mesma noite matou uma família inteira. Nunca conseguiram me perdoar. E agora que estou morrendo, desprezam-me pedindo que morra logo.
— Deveria sair deste vilarejo.
— E deixar a terra de meus ancestrais. Prefiro ser enterrado vivo.
— Não acho que possa ajuda-lo então.
— Por favor, fique... se fosse esta doença, porque a imagem dos cadáveres aparece sobre o quadro que tenho sobre a minha cama toda a noite.
— De quem?
— Dos cadáveres da família morta.
Wesley entrou na casa do homem moribundo. O pequeno cômodo fedia a mofo e comida estragada. A cama dele ficava próxima da geladeira, e sobre a cabeceira uma moldura sem quadro.
— Veja, tirei a foto que havia na moldura a muito tempo, era uma foto antiga de quando era criança, mas após ter ficado doente a foto moldava-se em rostos cadavéricos, os rostos deles, da família assassinada.
— Tentou tirar a moldura da parede? — Perguntou Wesley.
O homem moribundo não respondeu, continuou olhando vidrado para a moldura.
— O que foi?
— Me perdoe... não acho que possa tirar essa moldura daqui. Se o fizesse... seria ainda mais culpado.
Uma presença rodeou Wesley, tocando-lhe o rosto. — Ele não vai embora até morrer. — Ouviu uma voz tateando seus ouvidos como uma serpente.
— Passarei esta noite aqui dentro. Peço que saia da cidade, e volte amanhã cedo.
— Não posso...
— Quer ser curado. Então volte amanhã de manhã. Ficarei aqui então ninguém vai levar suas coisas.
Mesmo relutante, o homem moribundo cedeu, saindo da cidade. Wesley arrumou a cama, limpou a casa e aguardou até que a noite chegasse.
— Porque está aqui homem da noite... — Sussurrou uma voz esguia do quadro.
Wesley segurou o terço cruzando-lhe entre os dedos e levantou-se da cama. Enquanto seus olhos perscrutavam a casa, sombras se moviam do lado de fora.
Um barulho baixo ecoou do canto da parede ao lado do guarda roupa. Um rato saltou de cima da coberta, era asqueroso e sujo, tão grande como uma ratazana, seus dentes se ergueram sobre Wesley e então mordiscou sua mão, quase cravando os dentes em sua pele. Em seguida, uma dúzia de ratos saíram de debaixo da cama, menores que este, porém mais ferozes. — Deus é meu guardião e estou salvo nele. — Falou Wesley fechando os olhos e quando os abriu, os ratos haviam desaparecido.
A moldura na cabeceira da cama se movia alternadamente para um lado e para o outro, até que uma imagem surgiu.
— Ele nos matou. Ele nos matou homem da noite. Deixe-nos leva-lo para o reino sob a sombras. — Gritou uma voz estridente.
Wesley caminhou para fora da casa, sem controle do próprio corpo. Dúzias de pessoas enfileiram-se ao seu lado, cada qual com um pano preto sobre o rosto. Ele não conseguia se mover.
— Est via ad Baal... — Gemiam.
— Est via ad Baal...
Wesley viu o céu espelhar como uma pele apodrecida, nuvens de cor verde-esmaecida surgiram formando um vórtice de areia e fumaça.
— Est via ad Baal...
— Est via ad Baal...
 
O homem moribundo voltou no dia seguinte com medo que tivesse perdido tudo o que tinha. Mas ao contrário do que pensara, encontrou sua casa da mesma forma que a deixou, entretanto não encontrou Wesley, nem as pessoas do vilarejo, nem a moldura sob a cabeceira de sua cama.
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 19/08/2018
Reeditado em 25/08/2018
Código do texto: T6424112
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