A PRÓXIMA MENSAGEM É DO INFERNO
 
 
— Não me diga que vai ser um filho da puta agora. Mande trazer o prisioneiro... — Berrou Wellington, cobrindo o cadáver.
Edgar abaixou a cabeça fazendo que sim e desviou o olhar para o rosto do cadáver. Seu rosto magro e feio murchava como uma planta sem água, formando sulcos e pequenas dobrinhas na pele que vinham da testa até a parte superior do pescoço. Wellington levantou a perna e colocou a bota na lateral da mesa para amarrar o cadarço, em seguida tirou um cigarro no bolso e ascendeu, tão vidrado no cadáver como ele.
— Já não disse para buscar o desgraçado.
— Sim senhor.
A porta de aço rangeu alto e grave quando Edgar a puxou, o eco pode ser ouvido até a parte norte da base. Não tinha como saber a hora, mas queria que fosse de dia, pois assim poderia acreditar que mais tarde chegaria a hora de dormir e tudo não teria passado de mais um dia ruim. Tallisson avistou-o de longe vindo pelo longo corredor. — O chefe quer o próximo. — Falou alto.
— Acabaram com o outro rápido.
— O chefe está sem paciência hoje.
— É. Dá para ver cara. — Respondeu abrindo a escotilha.
— Quem dessa vez.
— Mohamed.
— O cara árabe?
— Só abre essa porra...
Haviam cinco homens dentro do buraco, e uma mulher com o rosto coberto. Um dos homens estava deitado no chão em posição fetal tremendo e babando como uma criança recém-nascida — Não vou falar nada... — Sussurrava apertando as mãos. Tallisson ergueu a mão na direção do árabe de barba longa e o puxou para fora. O pobre homem vestira apenas um pano velho para cobrir o corpo.
— Esse? — Perguntou Tallisson.
— Limpe essa porra está cheirando a merda esse lugar.
Tallisson engasgou um palavrão e apenas fechou a escotilha. Mohamed estava manchado de sangue por quase todo corpo, e cheirava a urina e fezes. Sua barba longa estava embaraçada e molhada de suor e três de seus dedos mutilados apodreciam, alguns só tinham um pequeno cotoco sangrento. Edgar puxou-o pelo ombro, sua pele fria contraia-se tremelicando sob fiapos de músculos raquíticos.
— Tem sorte de ser você agora.
Mohamed continuou de cabisbaixo encarando os próprios pés sem dizer nenhuma palavra ou demonstrar nenhuma expressão.
— Espero que fale com o chefe. Não está de bom humor hoje.
Após voltar a sala de interrogatório, Edgar amarrou Mohamed a cadeira. Wellington esperou escondido na penumbra do outro lado da sala, aonde a luz não conseguia iluminar muito bem.
— Edgar, arranque os dentes dele primeiro.
— Tem certeza chefe.
— Isso mesmo. Arranque um por um e depois começaremos o interrogatório.
— Como quiser!
Edgar aproximou-se da pequena mesa ao lado de Mohamed. Uma dúzia de equipamentos e instrumentos estava sobre a mesa, desde facas e alicates até anzóis e um maçarico. Mohamed fitou Edgar, enquanto lentamente levava a mão até um alicate amarelo na ponta esquerda da mesa. Sua respiração ficou mais rápida e Edgar pode sentir sua agonia, contudo, não falou nada.
Ele segurou a boca de Mohamed com força, e mesmo com um pouco de resistência conseguiu abrir a mandíbula dele. O primeiro dente foi um molar superior, a princípio relutou em continuar, mas quando o aço frio do alicate tocou o dente, só o que teve fazer foi girar e puxar com força, em seguida um espirro de sangue voou na sua camiseta bege. Os próximos dentes saíram cada um no seu tempo, com calma e devagar, com os quatro seguintes perdera totalmente a agonia inicial, agora só precisava continuar até que não tivesse mais dentes. Mohamed desmaiou umas quatro ou cinco vezes, e não parou de gritar, mesmo depois de perder todos os dentes. Rodrigues passou o esfregão diversas vezes ao entorno da cadeira para secar o sangue.
— Agora Mohamed, diga para mim, quem está no comando da facção.
— Eu sonhei. — Resmungou respirando com dificuldade.
— Disse o que? — Perguntou Wellington aproximando a orelha.
— Eu sonhei que a morte me encontrava.
— E eu sonhei com minha esposa gostosa ontem. — Respondeu Wellington sorrindo.
— O nome...
— Está vendo Edgar...  ele já tem um nome para mim.
Edgar fitou-o babando sangue.
— Diga Mohamed, qual é o nome dele?
Mohamed cuspiu uma bola de sangue no chão e em seguida começou a cantar. Sua voz rouca dificultava saber que se tratava de uma canção.
— Somos a mensagem que os inocentes precisam. Somos a esperança que eles desejam. O estado nos nega a fé. O estado nos nega a vida. Então negaremos a ele a paz.
Wellington puxou um cassetete do bolso e num giro rápido acertou-lhe no peito, fazendo estalar como um graveto seco. Mohamed gemeu alto e ainda mais rouco, quase sem voz, engasgando com o próprio sangue. Enquanto Edgar observava, ouviu um ruído vindo da caixa de som na parede. Contudo, era impossível alguém estar passando alguma transmissão, visto que a caixa de som estava queimada a anos.
— A mensagem que levamos é a que precisamos. Sangrais-grais-grais... na paz-az-az...
Edgar voltou o rosto para Mohamed e viu que ele estava olhando fixamente na sua direção. Então Wellington quebrou seu pescoço. — Ele não ia dizer nada.
— Ele estava falando.
— Mas o que não precisávamos ouvir. Se quisesse falar teria dito enquanto estávamos arrancando seus dentes. Vá lá e pegue o próximo.
Wellington desamarrou Mohamed com pressa e jogou seu corpo sobre o cadáver anterior na área mais escura da sala. Uma fita de sangue escorreu na direção de Edgar, no reflexo do sangue, Edgar pensou ter visto seu rosto descarnado, com os ossos brancos aparecendo.
— Está com medo soldado.
— Medo chefe. Não existe medo em mim.
— Espero que sim. No inferno só quem tem medo é o diabo.
Ao sair da sala, a luz do corredor apagou. Edgar tirou uma lanterna do bolso, e colocou a mão sobre o coldre na cintura. Enquanto caminhava na direção de uma luz vermelha piscando no final do corredor. Edgar ouviu um barulho vindo da sala onde seu chefe estava, era o mesmo chiado estático da caixa de som. — Matem mais... matem quantos puderem... — Dizia uma voz macabra e distorcida por muito ruido. Edgar ameaçou voltar, mas algo tocou seu pé. Era um braço decepado... — Que porra é essa.
Edgar passou a luz da lanterna a frente do corredor e viu um rastro de sangue que vinha até o braço aos seus pés. O rastro seguia uma linha reta até o final do corredor. — Subtenente, é o senhor. Subtenente Tallisson está ai.
Um eco espalhou-se pelo ar, como algo metálico sendo arrastado próximo dele, quase ao seu lado. Naquele momento uma sensação claustrofóbica assumiu controle de sua respiração, fazendo-o perder ar facilmente. Antes que conseguisse chegar ao final do corredor a luz da lanterna acabou. Edgar puxou rapidamente um isqueiro do bolso e ascendeu. Com pouca luz, era difícil se movimentar, as paredes pareciam se fechar a sua volta, paredes de concreto sujas de sangue.
— Edgar, Edgar... — Ouvi a voz de Tallisson chama-lo de onde não conseguia enxergar.
— Subtenente está ai? — Chamou Edgar, mas ninguém o respondeu.
Ele se lembrava dos rostos de cada uma das pessoas que Wellington o fizera torturar, nunca tinha chegado ao ponto de matar, mas estava participando, então querendo ou não fazia parte do ato. Suas mãos tremiam e seus olhos latejavam, enquanto forçava a vista tentando enxergar. Edgar virou-se para trás e abruptamente deu de cara com a porta da sala de interrogatório, mas aquilo era impossível já que tinha percorrido no mínimo vinte metros pelo corredor.
— A mensagem que devemos passar a eles é a mesma que Deus me contou. Todos serão queimados no fogo da perdição. — Ouviu o mesmo chiado de novo, desta vez um pouco mais alto e claro, vindo da caixa de som.
Quando o chiado parou, a luz apagou de novo, então tirou a lanterna do bolso e a ascendeu, como se nunca tivesse acabado as pilhas. — Que merda está acontecendo.
— Não pode ser, estava a metros da porta.
Edgar bateu na porta da sala de interrogatório, mas não abriu.
— Chefe, por favor. Deixe-me entrar. — Suplicou batendo novamente na porta.
Edgar ouvia sussurros dentro da sala, mas não conseguia entender.
— Chefe está me ouvindo, abra a porta. — Berrou, esmurrando a porta.
Ele correu na direção contraria, balançando a lanterna para um lado e para o outro até que a luz da lanterna apagasse de novo.
 
 

 
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 24/08/2018
Reeditado em 25/08/2018
Código do texto: T6429258
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