O HOMICÍDIO ÉTERIO DOS GATOS
 
 
Jonathan abriu os olhos, sentia a boca a seca, e uma incrível contração no estomago. Ele tentou mover os braços e as mãos, mas teve dificuldade, havia alguma coisa plugada a sua garganta, um tubo, podia sentir o ar entrando direto pelo tubo até os seus pulmões.
— Senhor Jonathan. Senhor Jonathan consegue me ouvir.
— Onde estou?
— Meu nome é Suzana, sou enfermeira... estava em coma senhor Jonathan.
— Eu estava em que?
— Em coma.
— Isso. Faz cinco anos agora. Sofreu um acidente. Caiu do sexto andar de um prédio e sobreviveu.
— Porque não sinto minhas pernas.
— Infelizmente fraturou regiões muito delicadas da coluna.
Seus olhos fixaram-se no vazio do teto. Com um pouco mais de força, conseguiu se sentar na cama.
— Não deve fazer muito esforço. Não sabemos como seu corpo vai reagir.
— Alguém me procurou.
— Não encontramos parentes que pudéssemos avisar. Mas, uma criança, não sei o nome dela... acho que era um garoto ruivo, ele sempre vinha no seu quarto as sexta-feira...
— Um garoto... ruivo...
— Sim. O engraçado é que sempre trazia um gato diferente consigo.
— Como assim, quem era?
— Não sabemos quem era senhor Jonathan, acreditávamos que devia ser algum parente, mas sempre que tentávamos chegar perto ele fugia.
 
À noite, próximo das nove e meia, um gato preto surgiu no vão da janela, ronronando e se esfregando no vidro. Jonathan acordou chorando, sem se lembrar do que sonhara, então viu o gato parado do lado de fora da janela o fitando-o com veemência. — Infelizmente fraturou regiões muito delicadas da coluna. — Veio em seus pensamentos as palavras da enfermeira.
Jonathan ergueu-se suado e virou o lençol, fazendo-o cair para o lado direito. Uma cortina de fumaça rastejou de debaixo da cama, sem percebeu ele puxou as pernas, colocando-as para fora da cama como se fosse levantar. O gato continuava a lhe observar atentamente, então abruptamente se levantou, não sentia as pernas, mas conseguiu move-las, então caminhou descalço até a janela e a abriu. O gato saltou para dentro do quarto e correu para debaixo de sua cama, Jonathan tentou voltar a cama, mas não conseguiu mais mover as pernas e logo perdeu o equilíbrio e caiu no chão.
— Merda... alguém me ajude...
O gato miou para ele de debaixo da cama. Jonathan viu o felino sentado abaixo de sua cama, observando-o novamente, porém desta vez sentiu algo diferente, um medo agônico.
Enquanto estava caído no chão, a porta de seu quarto se abriu, e o lençol que estava sobre sua cama arquejou-se no ar, movido por uma força invisível, então sobrevoou sua cabeça para fora do quarto, na direção de uma luz esmeralda que brilhava no final do corredor.
— O que está fazendo senhor Jonathan. — Gritou a enfermeira abrindo a porta de repente.
— Me ajude por favor.
— Porque está no chão. O que está pensando.
Suzana colocou-o de volta na cama. Ele voltou a olhar para cama e o lençol estava de volta sobre o coxão, como se nunca tivesse saído de lá.
— Eu consegui me levantar. Eu consegui...
— Impossível senhor Jonathan, disse que está paraplégico. Nunca mais vai voltar a andar.
— Não. Tinha um gato na janela. Aí eu me levantei...
— Espere aí. — Disse Suzana sentando ao seu lado. — Disse que havia um gato. Que gato?
— Um gato preto na janela, ele queria entrar, não sei porque fiz aquilo, mas eu abri a janela, veja... — Apontou Jonathan na direção da janela que agora estava fechada. — Não estou ficando louco. Não estou.
Suzana encarou-o inexpressiva e respondeu segurando a mão com força.
— Não quero que se assuste Jonathan. Mas muita gente já morreu nesse quarto, muita gente mesmo. Queríamos tê-lo colocado em outro quarto, mas estavam todos lotados.
— O que aconteceu aqui?
— Acha mesmo que precisa saber...
— Se já começou, conte o resto.
— Esse quarto era um antigo necrotério do hospital, depois virou uma sala cirúrgica, mas muitos pacientes começaram a morrer em cirurgia, então transformaram num quarto. Geralmente as pessoas vinham e saiam daqui em sacos pretos, mas certo dia uma mulher veio para este quarto, era muito misteriosa, e todos diziam que era uma cigana ou macumbeira, acho que o nome era Claudia, devia ter uns trinta anos. Ela passou anos nesse quarto, ela e seus dez gatos que de alguma maneira conseguiam entrar no hospital e se escondiam debaixo de sua cama. Um dia Claudia morreu, muitos anos depois só não me lembro do que... mas seus gatos, seus dez gatos ficaram. E um dia, uma menina da limpeza foi limpar este quarto e encontrou todos os dez gatos mortos debaixo da cama, seus corpos estavam secos como uma uva passa.
— Desde então, gatos tem aparecido com frequência, muitos dos novos pacientes que passam por este quarto dizem tê-los visto.
— Quero que me tirem deste quarto.
— Como disse... não podemos... afinal agora faz parte dele. — Sussurrou Suzana.
Jonathan piscou e foi como se Suzana nunca tivesse estado no quarto, enquanto continuava incrédulo com seu sumiço, um miado alto ressoou pelo quarto.
Na manhã seguinte, Marcelo lhe trouxe o café da manhã.
— Quem é você e onde está Suzana?
— Não conheço nenhuma Suzana. — Respondeu Marcelo.
— A enfermeira que estava me ajudando.
— Não temos nenhuma enfermeira com esse nome.
— Não. Tem sim, ela veio aqui, logo após acordar do coma.
Marcela soltou uma gargalhada sutil.
— Senhor Jonathan... nunca esteve em coma. Deve estar se confundindo. Está aqui para uma cirurgia, lembra que vai tirar o apêndice.
­Sem resposta, ele se levantou da cama, e conseguiu andar normalmente. Ele chegou perto da janela e na borda encontrou um tufo de pelo preto, pelo de gato.
 
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 25/08/2018
Reeditado em 27/08/2018
Código do texto: T6430133
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