A MORTE DO PREFEITO - REPUBLICADO

O cortejo fúnebre seguia devagar pelas ruas do cemitério da Consolação. Uma multidão em prantos acompanhava aquela que seria a última viagem de seu Aldemir.

O caixão reluzia ante a luz do sol e pequenos mosquitos voavam ao redor das coroas de flores.

O prefeito daquela pequena cidade era uma lenda. Conseguira manter o emprego dos 100 trabalhadores da madeireira garantindo assim a estabilidade econômica da região. Infelizmente um homem tão bom não poderia mostrar-se forte perante uma doença tão devastadora como o câncer e Aldemir sucumbiu em poucos meses.

Não houve tempo para uma autópsia. A notícia se espalhou tão rápido que o pobre homem teve de ser velado dentro de sua casa. No entanto, quando o corpo chegou ao cemitério para ser sepultado, a família contemplava emocionada os moradores, que cabisbaixos foram prestar uma última homenagem.

Perante o túmulo, a viúva disse algumas palavras emocionadas enquanto os coveiros jogavam a terra sobre o caixão do defunto.

As pessoas depositavam flores sobre sua sepultura. Um ou outro ajoelhava e fazia uma oração e aos poucos todos foram embora.

O sol forte da tarde, agora cansado insistia em mostrar seus últimos raios de luz, mas acabou cedendo à escuridão, que carregada e negra não trouxe lua e nem estrelas.

Eram 20 horas quando a tempestade atingiu a pequena cidade da Sé.

A chuva caia torrencial, levando as folhas espalhadas pelas ruas, e tudo o mais que encontrasse pela frente. Em tempos como aqueles, os moradores já habituados com os temporais trancavam-se em suas casas e davam as caras só no dia seguinte. A cidade ficava deserta.

Ele abriu os olhos mas não entendia o porque daquela escuridão. Já não estava mais dormindo. Ou seria apenas um sonho?

Sua cabeça doía e ele sentia calor. Um forte cheiro de flores invadiu seu quarto. Já tinha pedido para os médicos as deixasse do lado de fora, pois não suportava o seu cheiro.

Aldemir tentou espreguiçar-se, mas seus braços bateram contra uma superfície lisa e sólida, fazendo seus pulsos torcerem levemente. Porque não havia luz em seu quarto? Porque estava tudo tão escuro? Tentou levantar-se, mas sua cabeça bateu com força contra a tampa de madeira do caixão.

Sim. Ele havia sido enterrado vivo.

Sentindo seu corpo suar mais ainda, Aldemir tomou consciência do fato de que cometeram um erro com ele, e batia desesperadamente com os pés e as mãos sob a tampa, forçando sua saída. Estranhamente não sentia seus pulmões doerem, e muito menos seu estômago queimar. Estaria curado do câncer? Se sim, fumaria um belo cigarro depois.

A chuva caía forte do lado de fora quando Aldemir sentiu a madeira ranger. Estava dando certo. Em um esforço para virar-se de costas, ele apoiou suas mãos na madeira fria do caixão e tentou levantar-se. A madeira castigada pelo peso da terra molhada teimava em não ceder. Aldemir estava prestes a desistir quando sentiu a água correr por suas costas. Usou toda sua força e finalmente sentiu a terra percorrer seu corpo e entrar pela abertura feita no caixão.

A terra lhe invadiu todo o espaço que tinha, e agora ele mexia-se com dificuldade, tentando sair dali. Cansado, sentiu sua mão alcançar a superfície.

Uma criança brincava com seu carrinho na janela alheia a chuva que caía lá fora quando correu assustada em direção ao colo da mãe. Praguejando, a mulher com um semblante cansado foi até a janela para fechar as cortinas, quando viu assustada a figura do velho prefeito caminhando completamente coberto de barro e com um cigarro na mão. Apavorada, viu quando este lhe virou o rosto e disse em palavras engasgadas:

-Boa noite!

Tarde demais. A pobre mulher tinha desmaiado.

Demorou um pouco até a população acreditar de verdade que seu prefeito tinha voltado dos mortos. Quando se deram por conta dos fatos o homem já estava ficando podre e em poucos dias as pessoas viam um esqueleto trabalhando. Todos foram embora, deixando o velho prefeito sozinho em seu gabinete.

Hoje a lenda conta que quem visita a cidade ainda vê o velho prefeito caminhando. Há quem diga que já recebeu uma boa noite do falecido. Alguém duvida?

Bonilha
Enviado por Bonilha em 28/08/2018
Código do texto: T6432422
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