A medida que entravam no interior daquela sala preenchida por densas cinzas, bombeiros urravam histericamente diante de uma cena tão assustadora quanto inusitada.
Eis que,  apenas uma das salas de aula da escola estava totalmente envolvida em labaredas de fogo. Um fogo que nenhum jato d'água foi capaz de apagar.
Mas, havia uma criança, de doze anos, sentada numa carteira envolvida naquele círculo macabro que antes era uma  simples sala de aula repleta de outras crianças da mesma faixa etária.
Sim, eis que  intactos: a menina, seus livros e sua carteira. Centralizada em um círculo de cinzas de madeira, carnes e ossos.
Tudo consumido por uma chama que se apagou de repente. Um fogo que não cedeu às tentativas desesperadas dos bombeiros. Nada conseguiu aplacar a fúria da labareda, até que consumiu cada membro de uma estranha cúpula.
 
Antes do incêncio.
 
Pré adolescentes entravam um por um, ocupando suas respectivas carteiras numa sala de aula.
Era uma escola pública e todas as salas sempre superlotadas, o barulho de crianças rindo, brigando e fofocando era fácil de acostumar. Mas nem todos achavam isso tão suportável assim.
Havia uma menina diferente. Não possuía características físicas que pudessem chamar a atenção; não participava das conversas e; sentava na carteira ao fundo no canto da sala.
Ali permanecia quieta e em silêncio, do início ao fim de todas as aulas.
Aquela menina, na hora do recreio, permanecia no mesmo lugar e sempre era a última a sair.
Uma escola pública instalada para cumprimento de promessas políticas.
Os professores eram funcionários públicos que não possuíam qualificações pedagógicas.  Eles cumpriam horários e normas e aplicavam provas formuladas de maneira uniforme para aquele tipo de instituição de ensino.
Formulários de provas padronizados pelos funcionários da administração pública local.
Em uma instituição pedagógica séria, o comportamento estranho daquelas crianças seria tema de criteriosa atenção.
Mas, as crianças ali faziam suas próprias regras. A maioria não gostava do jeito daquela menina. Quem não se incomodava, logo era convertido para o grupo que fazia ruídos contra a postura alheia.
Misteriosamente, naquela sala de aula específica, os barulhos intensos foram diminuindo até formarem ruídos quase inaudíveis.
Os funcionários e alunos das salas vizinhas, estranharam aquela mudança de hábito daquelas crianças, mas não ultrapassaram a barreira do questionamento e seguiram suas vidas normalmente.
Os ruídos, cada vez mais inaudíveis, eram segredos que se espalhavam de ouvido em ouvido porque não queriam que a infratora soubesse da trama contra ela.
Até que um dia, a menina entrou na sala que, estranhamente, estava invadida de um silêncio perturbador, e, perceber que seu cantinho preferido estava ocupado, levantou os olhos e viu que a turma toda apontava para uma carteira isolada no meio da sala, forçando-a a sentar-se ali.
Depois de se acomodar naquela carteira central, percebeu que todos estavam sentados à sua volta, dando gargalhadas e apontando o dedo em sua direção.
Abaixou sua cabeça, tapou seus ouvidos e assim permaneceu por horas, até que ouviu gritos de terror de bombeiros dentro da sala de aula.

Em circunstância estranha
Constrói-se  teia de aranha
Eis que surge ruído do mal
Apenas a uma não foi fatal

Uma menina  amendrontada
Criança ali desambientada?
Ou ambiente amaldiçoado?
Quem será responsabilizado?

 

Crítica Social