Nanquim e Sangue
Quieta!
Fernanda prende a respiração, mas ainda posso ouvir seu coração batendo.
Fique quieta...
Digo a ela, bem próximo do seu ouvido.
Ainda é dia, mas o sol desce rápido.
De onde estamos, dá para ver eles caminhando. Mochilas nas costas, conversam e riem, não estão preocupados. O barulho do vento arrasta sacolas vazias, jornais e tudo que um dia consumimos.
Pelos buracos de bala, de dentro do porta-malas do sedam vermelho, vejo quando param. Bem ao lado do carro.
Abraço Fernanda para que pare de tremer.
Eles nos viram...
Diz ela, bem baixinho.
Uma lágrima escorre de seus olhos,
Corta a camada de poeira sobre sua pele
Merda... diz um dos oito homens no lado de fora.
Eles nos viram …
Então a aperto mais forte, torço para que se acalme.
O que foi? Diz outro.
Vocês não ouviram isso?
Eu não quero morrer...
Fernanda já chora. De sua cintura puxo a arma que carrega.
Esta carregada?
Ela faz que sim com a cabeça.
É sempre assim, você não os vê
No começo, não muito antes dessa história,
Diziam que eram anjos, anjos vindo fazer o trabalho de Deus.
Os homens correm, correm quando os gritos se aproximam
E tem aquele cheiro, cheiro de pena queimada
É tudo uma merda mesmo
As vezes, não agora, mas as vezes, quando você está muito cansado
Com fome
Com sono,
Nessas horas, as vezes você quer ser o próximo
É tudo tão rápido
Não conseguimos ver quando chegam, mas ouvimos os tiros
Fernanda deixa escapar um grito
E é nessa hora que lhe tapo a boca, com força,
Seus olhos se arregalam, olhos verdes
O rosto branco coberto de poeira
É quando ela me soca, quando começa a me socar
Tudo não durou mais que dois minutos
Permanecemos no porta-malas por mais algum tempo
Já é noite quando me arrisco abrindo a tampa e arrasto a garota
Para dentro de uma padaria
As janelas tapadas com madeira
Já é tarde quando procuro por seu pulso
E amanhece quando a deixo...
08/07/2019
13:09